Petrarca – Soneto CXXXIII (“O Amor me Assinalou com sua Seta”)

O amor me assinalou com sua seta,
como a neve ao sol, como a cera ao fogo,
como névoa ao vento; e já estou rouco,
dama, de humilhar-me, feito um pateta.

De teus olhos o golpe mortal veio,
contra o qual tempo e espaço nada são;
Vêm de ti, e vês como diversão,
o sol, o fogo e o vento aos quais me atenho.

O pensar me flecha, me cresta o sol,
o desejo queima: com essas armas
o amor fere, me cega e me aniquila;

e sua voz e canto angelical,
e a doce alma com que me desarmas,
são o ar do qual minha vida se exila.

Trad.: Nelson Santander

Petrarca – Soneto CXXXIII

Amor m’à posto come segno a strale,
come al sol neve, come cera al foco,
et come nebbia al vento; et son già roco,
donna, mercé chiamando, et voi non cale.

Dagli occhi vostri uscío ‘l colpo mortale,
contra cui non mi val tempo né loco;
da voi sola procede, et parvi un gioco,
il sole e ‘l foco e ‘l vento ond’io son tale.

I pensier’ son saette, e ‘l viso un sole,
e ‘l desir foco: e ‘nseme con quest’arme
mi punge Amor, m’abbaglia et mi distrugge;

et l’angelico canto et le parole,
col dolce spirto ond’io non posso aitarme,
son l’aura inanzi a cui mia vita fugge.

Ana Martins Marques – Batata Quente

Se eu te entregasse agora o meu amor
aceso como ele está,
como ele está, pesado,
você o trocaria rapidamente de mão,
você o guardaria um pouco na esquerda,
um pouco na direita,
por quanto tempo antes de o passar adiante?

Pedro Salinas – de “Presságios”

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Estas frases de amor que se repetem tanto
não são nunca as mesmas.
Todas tem idêntico som,
mas uma vida anima cada uma,
virgem e só, se é que a percebes.
E não te canses nunca
de repetir as palavras iguais:
sentirás a emoção que sente a alma
ao ver nascer a estrela primeira
e ao ver que ela se multiplica, conforme a noite avança,
em outras estrelinhas
de brilho diverso e de alma única.
E assim, ao repetires esta
simples frase de amor, vão-se fixando
infinitas estrelas em teu peito:
um mesmo sol empresta luz a todas,
o sol distante que virá amanhã
quando cessarem as estrelas e as palavras.

Trad.: Nelson Santander

Pedro Salinas – “Presagios”

41

Estas frases de amor que se repiten tanto
no son nunca las mismas.
idéntico sonido tienen todas,
pero una vida anima a cada una,
virgen y sola, si es que la percibes.
Y no te canses nunca
de repetir las palabras iguales:
sentirás la emoción que siente el alma
al ver nacer a la estrella primera
y al mirar que se copia, según la noche avanza,
en otras estrellitas
de distinto brillar y de alma única.
Y así al repetir esta
simple frase de amor se van prendiendo
infinitas estrellas en el pecho:
un mismo sol les presta luz a todas,
el sol lejano que vendrá mañana
cuando cesen estrellas y palabras.

Pedro Salinas – Não Quero que te Vás

Não quero que te vás
dor, última maneira
de amar. Sinto-me vivo
quando me martirizas
não em ti, nem aqui,
além: no chão, no ano
de onde tu vieste,
naquele amor por ela
e tudo o que foi.
Nessa realidade
submersa que nega
a si mesma e se empenha
em nunca ter havido,
que só foi um pretexto
que achei para viver.
Se tu não fosses minha,
ó dor, irrefutável,
até creria nisso;
porém, és o que eu tenho.
Tua lei me assegura
que nada foi mentira.
E enquanto eu te sentir,
Tu serás pra mim, dor,
a prova de outra vida
em que não me doías.
A prova indiscutível
De que ela me amou,
Sim, de que ainda a amo.

Trad.: Nelson Santander

 

Pedro Salinas – No quiero que te vayas

No quiero que te vayas
dolor, última forma
de amar. Me estoy sintiendo
vivir cuando me dueles
no en ti, ni aquí, más lejos:
en la tierra, en el año
de donde vienes tú,
en el amor con ella
y todo lo que fue.
En esa realidad
hundida que se niega
a sí misma y se empeña
en que nunca ha existido,
que sólo fue un pretexto
mío para vivir.
Si tú no me quedaras,
dolor, irrefutable,
yo me lo creería;
pero me quedas tú.
Tu verdad me asegura
que nada fue mentira.
Y mientras yo te sienta,
tú me serás, dolor,
la prueba de otra vida
en que no me dolías.
La gran prueba, a lo lejos,
de que existió, que existe,
de que me quiso, sí,
de que aún la estoy queriendo.

Pablo Neruda – De “Cem Sonetos de Amor”

XII

Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
Espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
Que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
Que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos
e dois corpos por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia

corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra um raio.

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Adilia Lopes – Absolver (com algumas coisas de Helberto Hélder)

“Mas Maria guardava todas essas coisas,
conferindo-as em seu coração”
Lc 2,19

Chama-se sexo
a uma parte do corpo
como se todo o corpo
as mãos os pés a cabeça
não fossem também sexo
o pênis a vagina
os testículos as maminhas
são frágeis
vulneráveis
estão expostos
à crueldade
são flores
ou musgos
posso estar nua e ser casta
não tenho nada de freira viciosa
e devassa
com toda a minha atenção
toco-te
dou-te os meus sentidos
os meus sentimentos
sinto muito
ter estado muito contigo
é uma coisa boa
que melhora o mundo
que o embeleza
agradeço ter-te encontrado
e ter feito o que fiz contigo
com a cabeça nas mãos
e os olhos cheios de lágrimas
sonho contigo comigo

Vinícius de Moraes – O Verbo no Infinito

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…

Jaime Sabines – Te Amo às Dez da Manhã

Te amo às dez da manhã, e às onze, e ao meio-dia. Te amo com toda a minha alma e com todo o meu corpo, às vezes, em tardes chuvosas. Mas às duas da tarde, ou às três, quando eu me perco em pensar em nós dois, e tu pensas em comida ou nas tarefas cotidianas que tens, ou nas diversões que não tens, eu me ponho a te odiar em silêncio, com a metade do ódio que guardo para mim mesmo.

Logo volto a te amar, quando nos deitamos e sinto que foste feita para mim – como me dizem, de alguma maneira, teu joelho e teu ventre; que minhas mãos me convencem disso, e que não há nenhum outro lugar, de onde eu venho ou para onde eu vou, melhor do que o teu corpo. Tu vens toda inteira ao meu encontro, e ambos desaparecemos por um instante nos lábios de Deus, até que eu dizer que estou faminto ou com sono.

Todos os dias eu te amo e te odeio irremediavelmente. E há dias também, há horas em que eu te desconheço, em que és tão estranha para mim como a mulher de outro. Preocupam-me os homens, eu me preocupo comigo mesmo, minhas dores me distraem. É provável que eu não pense em ti por muito tempo. Vês? Quem poderia te amar menos do que eu, meu amor?

Trad.: Nelson Santander

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Te quiero a las diez de la mañana

Te quiero a las diez de la mañana, y a las once, y a las doce del día. Te quiero con toda mi alma y con todo mi cuerpo, a veces, en las tardes de lluvia. Pero a las dos de la tarde, o a las tres, cuando me pongo a pensar en nosotros dos, y tú piensas en la comida o en el trabajo diario, o en las diversiones que no tienes, me pongo a odiarte sordamente, con la mitad del odio que guardo para mí.

Luego vuelvo a quererte, cuando nos acostamos y siento que estás hecha para mí, que de algún modo me lo dicen tu rodilla y tu vientre, que mis manos me convencen de ello, y que no hay otro lugar en donde yo me venga, a donde yo vaya, mejor que tu cuerpo. Tú vienes toda entera a mi encuentro, y los dos desaparecemos un instante, nos metemos en la boca de Dios, hasta que yo te digo que tengo hambre o sueño.

Todos los días te quiero y te odio irremediablemente. Y hay días también, hay horas, en que no te conozco, en que me eres ajena como la mujer de otro. Me preocupan los hombres, me preocupo yo, me distraen mis penas. Es probable que no piense en ti durante mucho tiempo. Ya ves. ¿Quién podría quererte menos que yo, amor mío?

Paulo Henriques Britto – Envoi

O tempo, que a tudo distorce,
às vezes alisa, conserta,
e a golpes cegos acerta:

em seu tosco código Morse
de instantes sem rumo e roteiro
então dá forma a algo de inteiro.

Não um verso, que em folha esquiva
a gente retoca e remenda
até ser coisa que se entenda,

mas algo que na carne viva
se esboça, se traça, se inscreve
bem mais a fundo, ainda que breve —

pois todo poema é murmúrio
frente ao amor e sua fúria.

Paulo Mendes Campos – O Amor Acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.