Ernest Dowson – Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longan

Vitae Summa Brevis Spem nos Vetat Incohare Longam

A brevidade da vida impede que possamos acalentar longas esperanças – Horácio

A alegria, o desejo, o pranto, o amor
E a raiva duram pouco.
Nada disso, que eu saiba, há de transpor
O umbral conosco.

Poucos dias de rosas e de vinho:
Surge num vago sonho
E logo se desfaz nosso caminho
Dentro de um sonho.

Trad.: Nelson Ascher

Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longam

The brief sum of life forbids us the hope of enduring long – Horace

They are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate:
I think they have no portion in us after
We pass the gate.

They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.

William Stafford – Como é

Há um fio que você segue. Ele passa entre
as coisas que mudam. Mas ele não muda.
As pessoas se perguntam o que você persegue.
Você precisa explicar sobre o fio.
Mas é difícil para os outros enxergá-lo.
Enquanto o segura, você não pode se perder.
Tragédias ocorrem; pessoas se ferem
ou morrem; e você sofre e envelhece.
Nada que você faz pode deter o desenrolar do tempo.
Você nunca solta o fio.

Trad.: Nelson Santander Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Way It Is

There’s a thread you follow. It goes among
things that change. But it doesn’t change.
People wonder about what you are pursuing.
You have to explain about the thread.
But it is hard for others to see.
While you hold it you can’t get lost.
Tragedies happen; people get hurt
or die; and you suffer and get old.
Nothing you do can stop time’s unfolding.
You don’t ever let go of the thread.

Jack Gilbert – Infidelidade

Ela nunca está morta quando ele a encontra.
Eles comem lamen no café da manhã, como de costume.
Por onze anos, ele pensou que fosse o rio
no fundo de sua mente sonhando.
Agora sabe que ela vive dentro dele,
como o vento às vezes é visível
nas árvores. Como as rosas e o ruibarbo
estão no jardim e depois não estão.
As cinzas dela estão junto ao mar, em Kamakura.
Seu rosto e seu cabelo e seu doce corpo ainda habitam
a velha vila na montanha onde
ela viveu um verão inteiro. Eles dormiram
no chão por onze anos.
Mas agora ela vem cada vez menos.

Trad.: Nelson Santander

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Infidelity

She is never dead when he meets her.
They eat noodles for breakfast as usual.
For eleven years he thought it was the river
at the bottom of his mind dreaming.
Now he knows she is living inside him,
as the wind is sometimes visible
in the trees. As the roses and rhubarb
are in the garden and then not.
Her ashes are by the sea in Kamakura.
Her face and hair and sweet body still
in the old villa on a mountain where
she lived the whole summer. They slept
on the floor for eleven years.
But now she comes less and less.

Jack Gilbert – Não a felicidade, mas a consequência da felicidade

Ele desperta no silêncio dos bosques de inverno,
o silêncio dos pássaros que não cantam, sabendo que
não ouvirá a própria voz durante todo o dia. Lembra-se
do som da coruja marrom enquanto dormia.
O homem desperta na gélida manhã pensando
em mulheres. Não com desejo, mas com uma sensação
do que não existe. O silêncio de janeiro é o som
de seus passos na neve, um esquilo ralhando,
ou o áspero chamado de um solitário gaio-azul.
Algo dele dança ali, distante e gravemente mudo.
Muitos dias nos bosques, ele se pergunta o que é
que por tanto tempo ele caçou. Vamos de mãos
dadas, ele pensa, rumo ao prazer sombrio,
mas somos recompensados sozinhos, assim como somos casados
na solidão. Ele percorre os caminhos praticando a estranha
matemática do cérebro, multiplicando o espírito.
Lembra-se de acariciar os pés dela enquanto ela morria.
Por quatro horas, observando-a parar gradualmente
enquanto o hospital dormia. Lembra-se do surpreendente
frio de sua cabeça quando a beijou logo depois.
Há luz ou mais luz, escuridão e menos escuridão.
É, ele decide, uma qualidade sem definição.
Que estranho descobrir que se vive com o coração
como se vive com uma esposa. Mesmo depois de muitos anos,
ninguém sabe exatamente quem ela é. O coração tem
vida própria. Liberta-se de nós, escapa,
é ambiciosamente infiel. Morre inexplicavelmente
depois de oito anos, floresce desnecessária e tardiamente.
Como o silêncio arbitrário nos bosques brancos,
deixando rastros na neve que ele não consegue reconhecer.

Trad.: Nelson Santander

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Not the Happiness but the Consequence of Happiness

He wakes up in the silence of the winter woods,
the silence of birds not singing, knowing he will
not hear his voice all day. He remembers what
the brown owl sounded like while he was sleeping.
The man wakes in the frigid morning thinking
about women. Not with desire so much as with a sense
of what is not. The January silence is the sound
of his feet in the snow, a squirrel scolding,
or the scraping calls of a single blue jay.
Something of him dances there, apart and gravely mute.
Many days in the woods he wonders what it is
that he has for so long hunted down. We go hand
in hand, he thinks, into the dark pleasure,
but we are rewarded alone, just as we are married
into aloneness. He walks the paths doing the strange
mathematics of the brain, multiplying the spirit.
He thinks of caressing her feet as she kept dying.
For the last four hours, watching her gradually stop
as the hospital slept. Remembers the stunning
coldness of her head when he kissed her just after.
There is light or more light, darkness and less darkness.
It is, he decides, a quality without definition.
How strange to discover that one lives with the heart
as one lives with a wife. Even after many years,
nobody knows what she is like. The heart has
a life of its own. It gets free of us, escapes,
is ambitiously unfaithful. Dies out unaccountably
after eight years, blooms unnecessarily and too late.
Like the arbitrary silence in the white woods,
leaving tracks in the snow he cannot recognize.

Jack Gilbert – De pouco em pouco: da meia-noite às quatro da manhã

Por onze anos tenho lamentado,
lamentado por não ter feito o que
queria fazer enquanto fiquei ali sentado
aquelas quatro horas, vendo-a morrer. Eu queria
rastejar entre as máquinas
e segurá-la em meus braços, sabendo
que a elementar e remanescente porção de sua
mente vagamente reconheceria que era eu
carregando-a para onde ela estava indo.

Trad.: Nelson Santander

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By Small and Small: Midnight to Four A.M.

For eleven years I have regretted it,
regretted that I did not do what
I wanted to do as I sat there those
four hours watching her die. I wanted
to crawl in among the machinery
and hold her in my arms, knowing
the elementary, leftover bit of her
mind would dimly recognize it was me
carrying her to where she was going.

Saskia Hamilton – 1944

Ela fez circular, por toda sala, um frasco
de suco de groselha, que passou ‘de mão em mão
por todas as macas,’ escreveu,
vinte e cinco ou mais, e voltou
‘ainda meio cheio’. Alguém ajudou o vizinho
a beber, pois ele ‘não tinha mãos’
A batalha de Arnhem — e, espremidos em sua casa
junto ao rio, jaziam trezentos
ou mais, um médico e um enfermeiro.
As crianças se abrigavam no porão. Ela
assistia aos homens, lia os salmos em inglês
para eles, ‘Pois ele te livrará
do laço do caçador’, lia ela,
‘Ele te cobrirá com suas penas,
e sob suas asas estarás seguro’.
Ela voltou ao porão.
‘Você demorou tanto’,
disse sua filha, e pediu o linho branco
da boneca. Ela subiu novamente as escadas
e no topo encontrou ‘uma parte inteira
da parede sob a janela…
explodida’, os feridos com ela.

Trad.: Nelson Santander

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1944

She passed all along a room a bottle
of currant juice, it went ‘from hand to hand
along all the stretchers,’ she wrote,
some twenty-five or more, and came back
‘still half-full.’ Someone helped his neighbor
to drink, since he had ‘no hands.’
The battle of Arnhem—and pressed in her house
by the river there lay three hundred
or more, one doctor, one orderly.
The children sheltered in the cellar. She
attended the men, read the English psalms
to them, ‘Surely he shall deliver thee
from the snare of the fowler,’ she read,
‘He shall cover thee with his feathers,
and under his wings shalt thou trust.’
She returned to the cellar.
‘What a long time you have been away,’
her daughter said, and asked for her doll’s
white linen. Again she climbed the stairs
and at the top she found ‘a whole piece
of the wall under the window…
blown away,’ the wounded with it.

Peter Davidson – Castelos de Setembro

Os primeiros sinais de nossa condição se manifestam1:
Pesar no vento, véu de névoa sobre a lua,
Frio ligeiro, teias de aranha, grama embranquecida,
E dois dias quentes como no sul em nada alteram essa situação.
Uma manhã chega, e você sabe que isso não pode acabar bem.
Logo não será mais tempo de reuniões nos jardins;
Muito em breve, meus queridos, será a estação
Dos quintetos de Brahms, das folhas que vagam tristes além das janelas
Dos que estão sozinhos em seus quartos, isolados pela duração,
Para quem não é tempo de construir. Os que agora estão sós
Permanecerão assim durante essa estranha estação
De leitura, de escrever e-mails detalhados como cartas,
De observar as folhas secas se encharcarem nas calçadas vazias.
Rilke disse algo assim em versos que li pela última vez em Edimburgo,
Com minha tia mais bela em sua idade tardia,
Que, depois de tantas perdas, ainda se lembrava daqueles versos em alemão.

Trad.: Nelson Santander

  1. O poema September Castles de Peter Davidson é descrito pelo autor como “uma variação do Herbsttag de Rilke”. Enquanto o poema de Rilke celebra as últimas conquistas do verão antes de mergulhar na melancolia do outono, Davidson ajusta o tom, inserindo elementos de uma era digital e, possivelmente, do isolamento pandêmico. O trecho “e-mails detalhados como cartas” moderniza o sentimento de solidão e reflete um tempo de conexões frágeis, intensificando a sensação de perda iminente. Ambos os poemas compartilham o motivo da transitoriedade do outono e a solidão daqueles que não possuem uma “casa”, mas Davidson entrelaça memórias autobiográficas e referências locais (como Edimburgo) em uma expansão das paisagens emocionais de Rilke, com um toque mais urgente e sombrio. O poema de Rilke, na brilhante tradução de Nelson Ascher, já foi publicado no blog, e pode ser lido aqui. ↩︎

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September Castles

First hints of our condition manifest:
Spite in the wind, mist-gauze across the moon,
Light chill, the spider’s filaments, blanched grass,
And two days as warm as the south change nothing at all.
A morning comes when you know this cannot end well.
Soon it will be no time for gathering in gardens
All too soon, my dears, it will be the weather
For Brahms quintets, for leaves drifting triste past the windows
Of those in their rooms alone for the duration,
For whom this is no time to build. Those now alone
Are going to remain so through this estranging season
Of reading, of writing emails as detailed as letters,
Of watching dry leaves grow sodden on empty pavements.
Rilke said this in lines that I last read in Edinburgh
With my most beautiful aunt in hert later age
When, many things gone, she remembered those verse in German.

Louis MacNeice – Déjà Vu

Não volta em centenas de milhares de anos,
Volta num piscar de olhos, você estará sentada exatamente
Onde está agora, e coçando o cotovelo, o trem
Passará exatamente como agora e dirá não volta,
não volta, não volta, e, em cadência precisa,
As rodas marcarão o tempo nos trilhos e a ave no ar
Aguardará em sua caixa e será moído aquele mesmo
Grão de café que agora está no moinho, e sei o que você vai dizer
Pois tudo isso já aconteceu antes, ambos já passamos pelo moinho,
Pelo nosso Magnus Annus, e agora poderíamos quase dar por encerrado
Não fosse o fato de que, coçando o cotovelo, você é adorável demais
Assim, quaisquer que sejam as regras que deveríamos obedecer,
Nosso amor deve se estender além do tempo, pois o próprio tempo está em mora
Então essa visão dupla deve passar e passado e futuro unir-se
E onde nos mandaram nos curvar podemos estalar os dedos e rir
E agora, enquanto você observa, vou pegar esse mesmo lápis e escrever:
Não volta em centenas de milhares de anos.

Trad.: Nelson Santander

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Déja Vu

It does not come round in hundreds of thousands of years,
It comes round in the split of a wink, you will be sitting exactly
Where you are now and scratching your elbow, the train
Will be passing exactly as now and saying It does not come round,
It does not come round, It does not come round, and compactly
The wheels will mark time on the rails and the bird in the air
Sit tight in its box and the same bean of coffee be ground
That is now in the mill and I know what you’re going to say
For all this has happened before, we both have been through the mill,
Through our Magnus Annus, and now could all but call it a day
Were it not that scratching your elbow you are too lovely by half
So that, whatever the rules we might be supposed to obey,
Our love must extend beyond time because time is itself in arrears
So this double vision must pass and past and future unite
And where we were told to kowtow we can snap our fingers and laugh
And now, as you watch, I will take this selfsame pencil and write:
It does not come round in hundreds of thousands of years.

Tadeusz Różewicz – Epístola Apócrifa

Mas Jesus se inclinou
e com o dedo escreveu na terra
depois se inclinou novamente
e escreveu na areia

Mãe, eles são tão obtusos
e simples que preciso lhes mostrar
maravilhas faço tantas coisas
tolas e vãs
mas você compreende
e perdoa seu filho
mudo água em vinho
ressuscito os mortos
caminho sobre as águas

eles são como crianças
é preciso sempre
mostrar-lhes algo novo
imagine só

E quando se aproximaram
ele cobriu e apagou
as palavras
para sempre

Trad.: Nelson Santander

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Unrecorded Epistle

But Jesus stooped
and with his finger wrote on the ground
then he stooped again
and wrote on the sand

Mother they are so dim
and simple I have to show them
marvels I do such silly
and futile things
but you understand
and forgive your son
I change water into wine
raise the dead
walk the seas

they are like children
one has always
to show them something new
just imagine

And when they approached
he covered and effaced
the letters
for ever

Adam Zagajewski – O velho pintor em uma caminhada

Em seus bolsos, petiscos para os cães da vizinhança
Agora ele mal enxerga
Quase não nota as árvores, as casas suburbanas
Ele conhece cada pedra deste lugar
Pintei tudo tentei pintar meus pensamentos
E capturei tão pouco
O mundo ainda cresce, cresce incessantemente
E no entanto há sempre menos dele

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão em inglês vertida do Polonês por Clare Cavanagh

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The Old Painter on a Walk

In his pockets treats for local dogs
He sees almost nothing now
He almost doesn’t notice trees suburban villas
He knows every stone here
I painted it all tried to paint my thoughts
And caught so little
The world still grows it grows relentlessly
And yet there is always less of it