Ada Limón – Resgate

No cume do Monte Pisgah, na encosta
oeste das Mayacamas, há uma madrone,
meio queimada pelas chamas, meio viva
pela urgência natural de perpetuar-se. Um lado
é cinza escuro, e em sua raiz há o que
parece ser uma cavidade escavada pelo fogo.
Do outro lado, brotos verde-prateados de folhas largas
ascendem em direção à luz invernal
e sua casca é uma mescla entre o cavalo-baio
e o alazão, vermelha e aveludada
como o pescoço do animal que ela evoca.
Fitando a árvore demoradamente, lembro-me
da integridade que tinha antes de ser queimada
pelo tempo. Sinto falta de quem eu era, de quem todos éramos
antes de sermos isso: meio vivos para o céu que clareia,
mas já meio mortos. Pouso minha mão sobre a casca
sem cicatrizes, fresca e intocada, e porque não posso
pedir desculpas à árvore, a mim mesma digo: lamento.
Lamento ter sido tão imprudente com sua vida.

Trad.: Nelson Santander Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Salvage

On the top of Mount Pisgah, on the western
slope of the Mayacamas, there’s a madrone
tree that’s half-burned from the fires, half-alive
from nature’s need to propagate. One side
of her is black ash, and at her root is what
looks like a cavity hollowed out by flame.
On the other side, silvery-green broadleaf
shoots ascend toward the winter light
and her bark is a cross between a bay
horse and a chestnut horse, red and velvety
like the animal’s neck she resembles. Staring
at the tree for a long time now, I am reminded
of the righteousness I had before the scorch
of time. I miss who I was. I miss who we all were,
before we were this: half-alive to the brightening sky,
half-dead already. I place my hand on the unscarred
bark that is cool and unsullied, and because I cannot
apologize to the tree, to my own self I say, I am sorry.
I am sorry I have been so reckless with your life.

Ada Limón – Guarda compartilhada

Por que nunca vi isso como o que realmente era:
abundância? Duas famílias, duas diferentes
mesas de cozinha, dois conjuntos de regras, dois
riachos, duas rodovias, dois pais de criação
com seus aquários de peixes ou fitas cassetes ou
fumaça de cigarro ou experiência em receitas ou
habilidades de leitura. Não posso reverter isso, o disco
arranhado e parando naquela faixa
caótica original. Mas deixe-me dizer, eu era levada
de um lado para outro aos domingos e não era fácil,
mas eu era amada em cada lugar. Por isso tenho
dois cérebros agora. Dois cérebros inteiramente diferentes.
Um que sempre sente falta do lugar onde não estou,
e outro que fica aliviado por finalmente estar em casa.

Trad.: Nelson Santander

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Joint Custody

Why did I never see it for what it was:
abundance? Two families, two different
kitchen tables, two sets of rules, two
creeks, two highways, two stepparents
with their fish tanks or eight-tracks or
cigarette smoke or expertise in recipes or
reading skills. I cannot reverse it, the record
scratched and stopping to that original
chaotic track. But let me say, I was taken
back and forth on Sundays and it was not easy
but I was loved each place. And so I have
two brains now. Two entirely different brains.
The one that always misses where I’m not,
and the one that is so relieved to finally be home.

Ada Limón – Antes

Descalça e usando um capacete
vermelho reluzente, eu cavalgava
na garupa da Harley do meu pai
aos sete anos de idade.
Antes do divórcio.
Antes do novo apartamento.
Antes do novo casamento.
Antes da macieira.
Antes das cerâmicas na lixeira.
Antes da corrente do cachorro.
Antes que as carpas fossem todas comidas
pela garça. Antes da estrada
entre nós, havia a estrada
embaixo de nós, e eu era
grande o suficiente para não me soltar:
Henno Road, riacho logo abaixo,
violento vento, pernas em alicate,
e nunca soube que sobreviver
era assim. Se você sobrevive,
olha para trás e implora
por isso novamente: a arriscada
felicidade antes de compreender
o que você perderia.

Trad.: Nelson Santander

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Before

No shoes and a glossy
red helmet, I rode
on the back of my dad’s
Harley at seven years old.
Before the divorce.
Before the new apartment.
Before the new marriage.
Before the apple tree.
Before the ceramics in the garbage.
Before the dog’s chain.
Before the koi were all eaten
by the crane. Before the road
between us, there was the road
beneath us, and I was just
big enough not to let go:
Henno Road, creek just below,
rough wind, chicken legs,
and I never knew survival
was like that. If you live,
you look back and beg
for it again, the hazardous
bliss before you know
what you would miss.

Ada Limón – A capa de chuva

Quando o médico sugeriu cirurgia
e uma órtese por toda minha infância,
meus pais se apressaram em me levar
à fisioterapia, massagens intensas,
osteopatia, e logo minha coluna torta
desenrolou-se um pouco, pude respirar novamente,
e me movimentar mais, um corpo livre
da dor. Minha mãe pedia que eu cantasse
para ela durante todo o trajeto de quarenta e cinco minutos
pela Middle Two Rock Road e quarenta e cinco
minutos de volta da fisioterapia.
Ela dizia que até minha voz parecia livre
da minha espinha depois. Então eu cantava e cantava,
porque achava que ela gostava. Nunca
lhe perguntei do que ela abria mão para me levar,
ou como tinha sido seu dia antes desta tarefa. Hoje,
com a idade que ela tinha, eu estava voltando para casa de
mais uma consulta para minha coluna, cantando com o rádio
uma música piegas, mas sincera,
e vi uma mãe tirar sua própria capa de chuva
e dá-la para sua filha pequena quando
uma tempestade tomou conta da tarde. Meu Deus,
pensei, passei toda minha vida debaixo da capa de chuva dela
achando que era uma maravilha
eu nunca ter me molhado.

Trad.: Nelson Santander

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The raincoat

When the doctor suggested surgery
and a brace for all my youngest years,
my parents scrambled to take me
to massage therapy, deep tissue work,
osteopathy, and soon my crooked spine
unspooled a bit, I could breathe again,
and move more in a body unclouded
by pain. My mom would tell me to sing
songs to her the whole forty-five minute
drive to Middle Two Rock Road and forty-
five minutes back from physical therapy.
She’d say, even my voice sounded unfettered
by my spine afterward. So I sang and sang,
because I thought she liked it. I never
asked her what she gave up to drive me,
or how her day was before this chore. Today,
at her age, I was driving myself home from yet
another spine appointment, singing along
to some maudlin but solid song on the radio,
and I saw a mom take her raincoat off
and give it to her young daughter when
a storm took over the afternoon. My god,
I thought, my whole life I’ve been under her
raincoat thinking it was somehow a marvel
that I never got wet.

Ada Limón – A máquina do silêncio

Estou aprendendo muitas maneiras diferentes de ficar em silêncio. Há a forma como eu fico no gramado, essa é uma delas. Há também o jeito como permaneço no campo do outro lado da rua, que é diferente, porque estou mais distante das pessoas e, portanto, mais propensa a estar sozinha. Há a maneira como eu não atendo o telefone e como, às vezes, gosto de deitar no chão da cozinha e fingir que não estou em casa quando alguém bate à porta. Há o silêncio diurno, quando apenas observo, e o silêncio noturno, quando faço coisas. Há o silêncio do chuveiro, o silêncio do banho, o silêncio da Califórnia, o silêncio do Kentucky, o silêncio do carro e, então, há o silêncio que retorna, um milhão de vezes maior que eu, se insinua nos meus ossos e geme e geme e geme até que eu não possa mais ficar em silêncio. É assim que essa máquina funciona.

Trad.: Nelson Santander

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The Quiet Machine

I’m learning so many different ways to be quiet. There’s how I stand in the lawn, that’s one way. There’s also how I stand in the field across from the street, that’s another way because I’m farther from people and therefore more likely to be alone. There’s how I don’t answer the phone, and how I sometimes like to lie down on the floor in the kitchen and pretend I’m not home when people knock. There’s daytime silent when I stare, and a nighttime silent when I do things. There’s shower silent and bath silent and California silent and Kentucky silent and car silent and then there’s the silence that comes back, a million times bigger than me, sneaks into my bones and wails and wails and wails until I can’t be quiet anymore. That’s how this machine works.

Ada Limón – Em um poste de luz, há muito tempo

Não sei por onde começar
              na lista

de todas as coisas que estão desaparecendo: peixes, pássaros, árvores, 
     flores, abelhas,

e também idiomas. Dizem que, se as taxas históricas forem 
     calculadas, 
          um idioma morrerá a cada quatro meses.

No tempo que leva para dizer eu te amo, ou ir morar com alguém, 
ou admitir o filho que se está carregando, todas as palavras intricadas
de um idioma se extinguem.

Há coisas demais para segurar na palma do cérebro.
Seu pai com Alzheimer usa a palavra coisa para descrever
muitos substantivos diferentes e nós adivinhamos a palavra que ele quer dizer. 
Quando acertamos, ele acena como se fosse óbvio.

Quando erramos, seu rosto se fecha como um punho.

Caminhando pelo bairro, há um poste largo
      de metal
              em que foi riscada a frase "Brandy Earlywine ama 
Jack Pickett", seguida de corações. A enxurrada de
     corações
riscados repetidamente como se, caso tenhamos esquecido
a palavra amor, conheçamos seu símbolo. Como se a srta. Earlywine 
quisesse que soubéssemos que, mesmo depois que ela e o sr. Pickett
partiram e seus corações reais cessaram — aqueles que não se parecem
em nada com esses pequenos símbolos — frenética e furiosamente, 
tarde da noite sob a luz da rua, enquanto seus pais pensavam
que eles estavam dormindo, eles inscreveram no corpo de algo como 
uma árvore permanente, um coração — para que, mesmo depois que seus corpos
deixassem de ser corpos e suas bocas não fossem mais capazes de palavras, 
aquela forma universal nos contasse como ela se sentiu, em uma noite azul, 
há muito tempo, quando ainda havia 7.000 idiomas que nomeavam e honravam
as plantas e os animais, cada um à sua
                   maneira, quando seu pai dizia coisa e nós sabíamos o que significava,
e as abelhas eram grandes e redondas e zumbiam.

Trad.: Nelson Santander

On a lamppost long ago

I don’t know what to think of first
in the list

of all the things that are disappearing: Fishes, birds, trees, flowers, bees,

and languages too. They say that if historical rates are averaged, a language will die
every four months.

In the time it takes to say I love you, or move in with someone, or admit to the child
you’re carrying, all the intricate words of a language become extinct.

There’s too many things to hold in the palm of the brain.

Your father uses the word thing to describe many different nouns and we guess
the word he means. When we get it right, he nods as if it’s obvious.

When we get it wrong, his face closes like a fist.

Out walking in the neighborhood, there’s a wide metal lamp post
that has scratched into it, Brandy Earlywine loves Jack Pickett and then there
come the hearts. The barrage of hearts scratched over and over as if,

just in case we have forgotten the word love, we will know its symbol. As if,
Miss Earlywine wanted us to know that, even after she and Mr. Pickett

have passed on, their real hearts stopped—the ones that don’t look anything
like those little symbols—they frantically, furiously, late one night under

the streetlight while their parents thought they were asleep, inscribed
onto the body of the something like a permanent tree, a heart—

so that even after their bodies ceased to be bodies,

their mouths no longer capable of words, that universal shape will tell you
how she felt, one blue evening, long ago, when there were still 7,000

languages that named and honored the plants and animals each in their
own way, when your father said thing and we knew what it meant,

and the bees were big and round and buzzing.

Ada Limón – Notas sobre o Subterrâneo

Notas sobre o Subterrâneo

— Para o Parque Nacional Mammoth Cave

Colossal caverna, diga-me, úmido calcário, rocha de arenito,
      asa de morcego, cego e translúcido camarão-das-cavernas,

esta queda livre para além do desconhecido,
                            como se guardam segredos por tanto tempo?

Por toda minha vida vivi sobre o solo,
            rodas de carro sobre pistas pavimentadas, raízes rompendo o                              concreto,
mas ainda não compreendi a trama do propósito desta vida.

Não tanto viver, mas um pairar sem sentido.

O que é ser sempre noite? Sem lua, somente alguns círculos
      iluminados em suas múltiplas entradas. Escuridão infinita, ainda assim o tempo
deve entrar em você. Como um trem, como um rio verde?

Diga-me, o que é ser uma coisa enraizada na sombra?
      Ser a coisa que não é tocada pela luz (não, não é isso)
e nem mesmo precisar da luz? Eu invejo; invejo isso.

O desejo é uma coisa complicada, o fervor dos quereres do corpo,
            mais elogios, mais mãos para afastar as facas.

Eu fui aquela que ansiou e ansiou até não poder mais           enxergar
      além da minha própria avareza. Há uma nação inteira de nós.

Para me perdoar, eu arrolo a terra como testemunha.

Para você, seu Frozen Niagara, seu Fat Man’s Misery1,
            você, com suas 400 milhas de cavernas interligadas que levam
apenas a mais de você mesma, diga-me,

o que é ficar quieto, e ainda assim respirar?

            Soberana dos subterrâneos, permita-me
falar tanto com os mortos quanto com os vivos, como você faz. Falar
com a terra arruinada, as estalactites, o morcego oriental de             pata pequena,

para honrar isso: a duração dos dias. Falar com o núcleo
      que cria e engole, falar não só para o que
grita, mas para o que está embaixo, sem pedir nada.

Estou na entrada da caverna. Estou disposta a rastejar.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: 1. Frozen Niagara e Fat Man’s Misery são duas formações geológicas existentes no Mammoth Cave National Park, localizado no estado de Kentucky, nos Estados Unidos. O Frozen Niagara é uma cascata congelada de calcita, que se assemelha à famosa cachoeira canadense. A formação é composta de depósitos minerais brancos e é um espetáculo incrível para os visitantes que percorrem o Mammoth Cave. O Fat Man’s Misery, por sua vez, é um trecho de passagem estreita e sinuosa da caverna, onde o teto e o chão parecem se encontrar em alguns pontos. Diz a lenda que a passagem recebeu este nome porque um homem muito acima do peso teria ficado preso lá e precisou ser lubrificado com óleo para conseguir sair. A passagem é um dos pontos mais emocionantes e desafiadores para os visitantes que exploram a caverna.

Notes on the below

—For Mammoth Cave National Park

Humongous cavern, tell me, wet limestone, sandstone caprock,
      bat-wing, sightless translucent cave shrimp,

this endless plummet into more of the unknown,
                            how one keeps secrets for so long.

All my life, I’ve lived above the ground,
            car wheels over paved roads, roots breaking through                              concrete,
and still I’ve not understood the reel of this life’s purpose.

Not so much living, but a hovering without sense.

What’s it like to be always night? No moon, but a few lit up
      circles at your many openings. Endless dark, still time
must enter you. Like a train, like a green river?

Tell me what it is to be the thing rooted in shadow.
      To be the thing not touched by light (no that’s not it)
to not even need the light? I envy; I envy that.

Desire is a tricky thing, the boiling of the body’s wants,
            more praise, more hands holding the knives away.

I’ve been the one who has craved and craved until I could not            see
      beyond my own greed. There’s a whole nation of us.

To forgive myself, I point to the earth as witness.

To you, your Frozen Niagara, your Fat Man’s Misery,
            you with your 400 miles of interlocking caves that lead
only to more of you, tell me,

what it is to be quiet, and yet still breathing.

            Ruler of the Underlying, let me
speak to both the dead and the living as you do. Speak
to the ruined earth, the stalactites, the eastern small-footed             bat,

to honor this: the length of days. To speak to the core
      that creates and swallows, to speak not always to what’s
shouting, but to what’s underneath asking for nothing.

I am at the mouth of the cave. I am willing to crawl.

Ada Limón – O real motivo

Eu não tenho nenhuma tatuagem, elas não fazem parte da minha história, e sim da história
de minha mãe. Certa vez, caminhando pela Bedford Avenue quando tinha vinte e poucos anos,

liguei para ela como costumava fazer, como faço. E disse-lhe que queria uma
tatuagem na nuca. Algo discreto, mas permanente,

e como ela é uma artista, eu queria que ela fizesse a arte, um símbolo —
um peixe com o qual eu sonhava todas as noites. Um amuleto aquático, um presente

de mãe em meu corpo. Para ser honesta, pensei que ela ficaria honrada. Mas nós
realmente conhecemos uns aos outros completamente? Um silêncio como num quarto de hospital; ela

estava em lágrimas. Eu jurei que não faria uma. Que não permitiria que uma agulha
tocasse a minha pele, meu braço, meu torso. Eu permaneceria eu mesma, com a pele

com a qual ela me acolheu no mundo. Só mais tarde eu soube que
o problema não era tanto a tatuagem, mas a marca, a ideia

de cicatrizes. O que você não sabe (e é por isso que esta não é a minha história)
é que minha mãe tem cicatrizes de queimadura em grande parte do corpo.

A maioria de uma explosão, que levou o primeiro filho que ela carregava
na barriga; outras, dos enxertos de pele com a pele que eles levaram para cobrir

o que era necessário. Ela tinha vinte e poucos anos quando isso aconteceu.
Na frente do seu estúdio, no centro da cidade. Você tem que entender,

minha mãe é linda. Alta e elegante, magra e forte. Eu nunca a
conheci de outra maneira, sua pele que mapeei com meus dedos

juvenis, a estranha dureza em alguns lugares, os padrões como retalhos aqui,
leitos de rios ali. Ela é assombrosa, sobrenatural, sobreviveu ao fogo,

ao fim do filho por nascer. O calor e a chama e a morte, tudo isso a tornou
algo quase mágico, uma fênix. O que sei

agora é que ela queria outra coisa para mim. Para que eu acordasse todas
as manhãs e reconhecesse minha própria carne, para que essa coisa que ela fez —

eu — permanecesse como ela planejou, para que uma de nós
saísse ilesa.

Trad.: Nelson Santander

The Real Reason

I don’t have any tattoos is not my story to tell. It’s my
mother’s. Once, walking down Bedford Avenue in my twenties,

I called her as I did, as I do. I told her how I wanted a tattoo
on the back of my neck. Something minor, but permanent,

and she is an artist, I wanted her to create the design, a symbol,
a fish I dream of every night. An underwater talisman, a mother’s

gift on my body. To be clear, I thought she’d be honored. But do we
ever really know each other fully? A silence like a hospital room; she

was in tears. I swore that I wouldn’t get one. Wouldn’t let a needle
touch my skin, my arm, my torso. I’d stay me, my skin the skin

she welcomed me into the world with. It wasn’t until later that
I knew it wasn’t so much the tattoo, but the marking, the idea

of scars. What you don’t know (and this is why this is not my story)
is that my mother is scarred from burns over a great deal of her body.

Most from an explosion that took her first child she was carrying
in her belly, others from the skin grafts where they took skin to cover

what needed it. She was in her late twenties when that happened.
Outside her studio in the center of town. You have to understand,

my mother is beautiful. Tall and elegant, thin and strong. I have not
known her any other way, her skin that I mapped with my young

fingers, its strange hardness in places, its patterns like quilts here,
riverbeds there. She’s wondrous, preternatural, survived fire,

the ending of an unborn child. Heat and flame and death, all made
her into something seemingly magical, a phoenixess. What I know

now is she wanted something else for me. For me to wake each
morning and recognize my own flesh, for this thing she made—

me—to remain how she intended, for one of us
to make it out unscathed.

Ada Limón – A rebitadora

O que eu não disse
quando ela me perguntou
por que eu sabia tanto
sobre morrer foi que,
para mim, aquilo era uma tarefa.
Quando papai ligou para dizer
que tínhamos um mês, eu fiz uma lista.
Chamei minha equipe
para o meu escritório num arranha-céu,
aquelas Rosies1 que conheciam o ofício,
aquelas que tinham perdido alguém querido,
aquelas que tinham vivido a linha de montagem
da morte em suas próprias casas, e disse,
O que é isso de não mantê-la
em TNP?2 Uma mulher,
ainda frágil de tristeza,
disse, Depende se
ela prefere morrer de insuficiência cardíaca
ou se afogar em seus próprios fluidos.
Acenei com a cabeça e anotei aquilo
como se fosse em uma reunião
sobre um cliente insatisfeito.
E o hospital?, perguntei.
Eles disseram: Eles vão ajudar,
mas você e seu pai
farão a maior parte.
Coloquei um asterisco nisso.
Tínhamos um plano de ação.
Quando isso acontece, nós fazemos isso.
Quando aquilo acontece, nós fazemos aquilo.
Mas o que eu esqueci
foi que este era o nosso plano,
não o dela, não o de quem estava morrendo,
este era um plano para aqueles
que ainda tinham alguém próximo.
Veja, nosso trabalho era simples:
continuar vivendo. O trabalho dela era mais difícil,
o mais difícil de todos. O seu trabalho,
o trabalho dela, era deixar que a máquina
de sobrevivência falhasse,
fazer a fábrica falir,
saber que esta guerra não tinha vencedores,
saber que sozinha ela nos
destruiria a todos.

Trad.: Nelson Santander

1. Referência a Rosie the Riveter . Rosie, a Rebitadora, em tradução livre, é uma personagem icônica da propaganda de guerra dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Ela foi retratada em um cartaz produzido originalmente em 1943 pela Westinghouse Electric Corporation e amplamente utilizado pelo governo dos EUA para incentivar as mulheres a trabalharem em estaleiros e fábricas, substituindo os homens que haviam sido enviados para lutar na guerra. A figura de Rosie se tornou um símbolo do empoderamento feminino e da contribuição das mulheres para a guerra..

2. Terapia Nutricional Parenteral, uma forma de suplementação alimentar intravenosa indicada em pacientes que apresentam inviabilidade do trato gastrintestinal e que são incapazes de atingir um aporte calórico proteico adequado em até 5-7 dias de internação. Esse tipo de terapia é fundamental para garantir a nutrição e a manutenção do estado nutricional adequado em pacientes que não podem receber nutrição via oral ou enteral..

The Riveter

What I didn’t say
when she asked me
why I knew so much
about dying, was that,
for me, it was work.
When Dad called to say
we had a month, I made a list.
I called in my team
to my office in a high rise,
those Rosies of know-how,
those that had lost someone loved,
those that had done the assembly line
of a home death, and said,
What’s this about not keeping
her on TPN? One woman,
who was still soft with sadness
said, It depends on whether
she wants to die of heart failure
or to drown in her own fluids.
I nodded, and wrote that down
like this was a meeting
about a client who wasn’t happy.
What about hospice? I asked.
They said, They’ll help,
but your Dad and you guys
will do most of it.
I put a star by that.
We had a plan of action.
When this happens, we do this.
When that happens, we do that.
But what I forgot
was that it was our plan,
not hers, not the one doing the dying,
this was a plan for those
who still had a next.
See, our job was simple:
keep on living. Her job was harder,
the hardest. Her job,
her work, was to let the machine
of survival break down,
make the factory fail,
to know that this war was winless,
to know that she would singlehandedly
destroy us all

Ada Limón – O que eu quero lembrar

Logo antes da casa do general Vallejo,
com suas imponentes pedras e paredes amarelas,

há um campo ao longo do caminho
para o qual as chuvas de primavera conduzem os sapos,

toda uma sinfonia deles, inaugurando
as horas logo após o sol

afundar no Oceano Pacífico, a apenas
uma hora de distância. Por que estou colocando

você aqui? Estou em um avião indo para o oeste
e todos os humanos são tão barulhentos

que chega a doer o sangue. Mas houve uma vez em que
me sentei próxima a um caminho que ainda estava quente

do calor do dia, pernas cruzadas,
com meu amigo chamado Eco que me ensinou

a amplificar o estranho som que os sapos
faziam simplesmente cobrindo meus ouvidos.

Eu preciso manter isso fechado dentro de mim,
quando as notícias do dia estão cheias de crianças mortas,

seus rostos abrindo suas bocas para o ar
que não virá. Uma vez eu também fui uma criança

e meu amigo e eu nos sentamos por talvez uma hora,
os olhos se ajustando ao céu noturno, cobrindo

e descobrindo nossos ouvidos para ouvir
a canção que os animais mais ternos faziam.

Trad.: Nelson Santander

What I Want to Remember

Right before General Vallejo’s home,
with its stately stone and yellow walls,

there’s a field along the footpath
where spring rains bring the frogs,

a whole symphony of them, breaking
open the hours just after the sun

sinks into the Pacific Ocean only
an hour away. Why am I placing

you here? I’m on a plane going west
and all the humans are so loud

it hurts the blood. But once I sat
next to a path that was still warm

from the day’s heat, cross-legged
with my friend named Echo who taught

me how to amplify the strange sound
the frogs made by cupping my ears.

I need to hold this close within me,
when today’s news is full of dead children,

their faces opening their mouths for air
that will not come. Once I was a child too

and my friend and I sat for maybe an hour,
eyes adjusting to the night sky, cupping

and un-cupping our ears to hear
the song the tenderest animals made.