Christopher Wiseman – Maneiras à Beira da Cama

Quão pouco os moribundos parecem precisar —
Talvez de uma bebida, um pouco de comida,
De um sorriso, a mão para segurar, medicação,
De uma troca de roupas, uma compreensão
Velada sobre o que está acontecendo.
Você imaginaria que precisariam de mais, muito mais,
Algo mais difícil de fazer
Para ajudá-los nessa imensa ruptura,
Mas talvez seja porque, conforme a enorme forma
Se ergue mais alta e mais escura a cada hora,
Eles ficam ansiosos para que nós também a vejamos
E tentam nos mostrar com um aperto de mão.

Entramos em pânico para fazer mais por eles,
Especialmente quando se trata do seu pai,
E seus olhos estão distantes, e suas lágrimas
Estão por toda sua face e roupas,
E ele não as vê agora, mas sorri
Talvez, apenas talvez porque você esteja lá.
Quão pouco ele precisa. Apenas de amor. Mais amor.

Trad.: Nelson Santander

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Bedside Manners

How little the dying seem to need —
A drink perhaps, a little food,
A smile, a hand to hold, medication,
A change of clothes, an unspoken
Understanding about what’s happening.
You think it would be more, much more,
Something more difficult for us
To help with in this great disruption,
But perhaps it’s because as the huge shape
Rears up higher and darker each hour
They are anxious that we should see it too
And try to show us with a hand-squeeze.

We panic to do more for them,
And especially when it’s your father,
And his eyes are far away, and your tears
Are all down your face and clothes,
And he doesn’t see them now, but smiles
Perhaps, just perhaps because you’re there.
How little he needs. Just love. More love.

W. S. Merwin – A estrada

Parece grande demais para que apenas um homem
Caminhe sobre ela Como se ela e o dia vazio
Fossem tudo o que existisse. E um cachorrinho
Trotando no compasso das ondas de calor, perto
Do horizonte, parecendo nunca avançar.
O sol e todas as coisas
Estão empoçados nos mesmos lugares, e a vala
É sempre a mesma, repleta de todo tipo de
Osso, enquanto o ar vazio continua a zumbir
Aquele som memorizado das coisas que por ali
Passaram. E as placas com cabeças enormes e corpos
Desnutridos, ensaiando passos de dança no calor,
E outras, grandes como casas, todas prometem,
Mas sem nada dentro, apenas uma parede,
E falam de outros lugares onde você pode comer,
Beber, tomar um banho, deitar-se numa cama
Ouvindo música, e sentir-se seguro. Se você
Olhar ao redor, verá que, em sentido contrário,
voltando, é igual; e que agora está mais distante
De onde veio, provavelmente,
Do que dos lugares que poderia alcançar prosseguindo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 06/04/2020

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The Highway

It seems too enormous just for a man to be
Walking on. As if it and the empty day
Were all there is. And a little dog
Trotting in time with the heat waves, off
Near the horizon, seeming never to get
Any farther. The sun and everything
Are stuck in the same places, and the ditch
Is the same all the time, full of every kind
Of bone, while the empty air keeps humming
That sound it has memorized of things going
Past. And the signs with huge heads and starved
Bodies, doing dances in the heat,
And the others big as houses, all promise
But with nothing inside and only one wall,
Tell of other places where you can eat,
Drink, get a bath, lie on a bed
Listening to music, and be safe. If you
Look around you see it is just the same
The other way, going back; and farther
Now to where you came from, probably,
Than to places you can reach by going on.

Jackie Bartley – Lendo mitologia para crianças do jardim da infância

Hoje, li para elas a história de Perséfone e Hades,
uma versão resumida, adaptada para crianças.
Começo a pensar em cada história como um médico
pensa na vacinação; parte da minha tarefa
é garantir que recebam suas doses,
essas pequenas porções de perdas atordoantes,
sementes de tristeza plantadas cedo para que, mais tarde,
quando suas próprias vidas pesarem sobre elas,
possam se lembrar dessas histórias,
recordar como, ao ouvir esta pela primeira vez,
prenderam a respiração e ficaram sentadas,
imóveis e em completo silêncio em suas cadeiras,
afetadas pelo que as flores e os pássaros
disseram a Deméter em sua dor:
Foi-se, foi-se. Perséfone
se foi.

Trad.: Nelson Santander

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N. do T.: O mito de Perséfone e Hades é uma das histórias mais conhecidas da mitologia grega. Perséfone, filha de Deméter, a deusa da colheita e da fertilidade, foi raptada por Hades, o deus do submundo, para ser sua esposa. Desolada com a perda de sua filha, Deméter causou uma terrível esterilidade na terra, recusando-se a permitir que as plantas crescessem. Eventualmente, um acordo foi alcançado: Perséfone passaria parte do ano no submundo com Hades e o restante com sua mãe. Este mito é frequentemente interpretado como uma explicação para as estações do ano, com a ausência de Perséfone simbolizando o inverno estéril e sua volta à terra simbolizando a primavera e a renovação. Nos últimos versos do poema, as flores e os pássaros lamentam a perda de Perséfone, refletindo a dor de Deméter e a desolação da terra durante sua ausência.

Reading Myth to Kindergartners

Today I read them the story of Persephone and Hades,
the telling of it brief, a child’s version of the tale.
I am beginning to think of each story the way
a doctor thinks of vaccination; part of my task
to see they’ve had their shots,
these small doses of stunning loss,
seeds of grief planted early so that later,
when their own lives bear down on them,
they will remember these tales,
recall how, on first hearing this one,
they held their breaths and sat,
unmoving and absolutely silent in their chairs,
stricken by what the flowers and the birds
say to Demeter in her sorrow:
Gone, gone. Persephone
is gone.

Mary Oliver – Quando a morte chegar

Quando a morte chegar
como um urso faminto no outono;
Quando a morte chegar e tirar todas as moedas brilhantes de sua bolsa

para me comprar, e fechá-la com um estalo;
quando a morte chegar
como o sarampo-varíola

quando a morte chegar
como um iceberg entre as omoplatas,

quero atravessar o portal cheia de curiosidade, perguntando:
como será essa sombria cabana?

E por isso olho para tudo como uma irmandade,
e vejo o tempo como nada além de uma ideia,
e considero a eternidade como outra possibilidade,

e penso em cada vida como uma flor, tão comum
quanto uma margarida do campo, e ainda assim tão singular,

e em cada nome como uma confortável canção entre os lábios,
que, como toda canção, tende ao silêncio,

e em cada corpo como um leão de coragem, e algo
precioso para a terra.

Quando tudo terminar, quero dizer que por toda minha vida
fui uma noiva desposada pelo assombro.
Fui o noivo, tomando o mundo em meus braços.

Quando tudo terminar, não quero me perguntar
se fiz de minha vida algo especial e verdadeiro.
Não quero me encontrar suspirando e assustada,
ou cheia de argumentos.

Não quero terminar tendo apenas passado por este mundo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 05/04/2020

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When death comes

When death comes
like the hungry bear in autumn;
when death comes and takes all the bright coins from his purse

to buy me, and snaps the purse shut;
when death comes
like the measle-pox

when death comes
like an iceberg between the shoulder blades,

I want to step through the door full of curiosity, wondering:
what is it going to be like, that cottage of darkness?

And therefore I look upon everything
as a brotherhood and a sisterhood,
and I look upon time as no more than an idea,
and I consider eternity as another possibility,

and I think of each life as a flower, as common
as a field daisy, and as singular,

and each name a comfortable music in the mouth,
tending, as all music does, toward silence,

and each body a lion of courage, and something
precious to the earth.

When it’s over, I want to say all my life
I was a bride married to amazement.
I was the bridegroom, taking the world into my arms.

When it’s over, I don’t want to wonder
if I have made of my life something particular, and real.
I don’t want to find myself sighing and frightened,
or full of argument.

I don’t want to end up simply having visited this world.

BIlly Collins – Sem tempo

Numa manhã corrida de um dia de semana,
buzino enquanto passo apressado pelo cemitério
onde meus pais estão enterrados
lado a lado sob uma laje de granito liso.

Depois, por todo o dia, imagino-o se levantando
para me lançar aquele olhar
de desaprovação experiente
enquanto minha mãe calmamente lhe diz para deitar-se novamente.

Trad.: Nelson Santander

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No Time

In a rush this weekday morning,
I tap the horn as I speed past the cemetery
where my parents are buried
side by side beneath a slab of smooth granite.

Then, all day, I think of him rising up
to give me that look
of knowing disapproval
while my mother calmly tells him to lie back down.

Rainer Maria Rilker – A Morte da Amada

Da morte ele sabia quase nada:
que nos toma e nos cala de repente.
Como a amada não fora arrebatada,
antes se desprendera docemente
do seu olhar para a morada escura,
e como percebeu que à outra vida
como uma lua plena a formosura
da visitante fora concedida,
dos mortos se tornou tão familiar
que os viu como parentes através dela;
deixou os outros a falar,
sem neles crer; chamou esse lugar
bem-vindo, sempre doce, e pelos pés
da amada o começou a palmilhar.

Trad.: Augusto de Campos

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 04/04/2020

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Der Tod der Geliebten

Er wußte nur vom Tod was alle wissen:
daß er uns nimmt und in das Stumme stößt.
Als aber sie, nicht von ihm fortgerissen,
nein, leis aus seinen Augen ausgelöst,

hinüberglitt zu unbekannten Schatten,
und als er fühlte, daß sie drüben nun
wie einen Mond ihr Mädchenlächeln hatten
und ihre Weise wohlzutun:

da wurden ihm die Toten so bekannt,
als wäre er durch sie mit einem jeden
ganz nah verwandt; er ließ die andern reden

und glaubte nicht und nannte jenes Land
das gutgelegene, das immersüße—
Und tastete es ab für ihre Füße.

José Infante – Remorsos ao iniciar um novo ano

Já pensaste algumas vezes que talvez foste tu
quem não amaste ninguém, ou talvez não
o suficiente para que não te deixassem
abandonado pelo mundo, como um fantasma errante?
Pensavas que sempre foste generoso,
mas agora te perguntas se na verdade não foste
possessivo, ciumento, desconfiado e sufocante.
Acreditaste que o amor era para ti a única entrega,
o único sentimento que guiava tua vida,
a única razão de tua existência, o motivo
e a raiz que iluminava tudo o que fazias,
desde o cuidado da casa até o das as palavras,
os silêncios nos quais às vezes te encerravas de forma
repentina e que só pensavas serem amor também,
inexprimível. Uma forma absurda de adoração.
O que fizeste de errado ou em que te equivocaste?
Ou foi o destino que jogou contigo uma partida
cruel e destruidora? Olhas para trás, agora que
começa um novo ano e ficas igualmente tentado
a fazer um balanço completo do tempo que passou.
Dentro de ti queres crer que teus erros, todos,
foram produtos apenas do amor, que não conseguias
manter a teu lado, por mais que tenhas tentado.
Erros que eram produto do inefável
que te impedia de expressar todo o sentimento
de teu coração e de teu próprio corpo. Agora duvidas disso.
Neste mês de janeiro de dois mil e dez, aos 63 anos
de tua triste existência, acodem remorsos
urgentes, que te acossam e impregnam teu ânimo.
Cada dia de tua vida de velho fracassado.
Talvez tenhas amado a ti mesmo mais do que o que a vida
tão generosamente te ofereceu. Ou não percebeste,
perdido como sempre estiveste em um escuro labirinto
que só conduz ao inferno e ao nada.

Trad.: Nelson Santander

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Remordimientos al comenzar un año

¿No has pensado algunas veces que quizás fuiste tú
quien no quisiste a nadie, o tal vez no
lo suficientemente para que no te dejaran
abandonado por el mundo, como fantasma errante?
Tú pensabas que siempre fuiste generoso,
pero ahora te preguntas si en realidad no fuiste
posesivo, celoso, desconfiado y agobiante.
Has creído que el amor fue para ti la única entrega,
el único sentimiento que guiaba tu vida,
la única razón de tu existencia, el motivo
y la raíz que iluminaba todo lo que hacías,
desde el cuidado de la casa hasta el de las palabras,
los silencios en los que a veces te encerrabas de forma
repentina y que solo pensabas que eran amor también,
inexpresable. Una manera absurda de adoración.
¿Qué hiciste mal o en qué te equivocaste?
¿O fue el destino quien jugó contra ti una partida
cruel y destructora? Miras atrás, ahora que comienza
de nuevo un año y tienes la misma tentación
de hacer un balance total del tiempo que ha pasado.
Dentro de ti quieres creer que tus errores, todos,
fueron producto tan solo del amor, que no lograbas
retener a tu lado, por más que lo intentaste.
Errores que eran producto de lo inefable
que te impedía expresar el sentimiento entero
de tu corazón y de tu propio cuerpo. Ahora lo dudas.
En este mes de enero de dos mil diez, a los 63
de tu triste existencia, acuden remordimientos
urgentes, que te acosan y que impregnan tu ánimo.
Cada día de tu vida de viejo fracasado.
Talvez te quisiste a ti mismo más que a lo que la vida
tan generosamente te ofrecía. O no te diste cuenta,
perdido como has estado siempre en un oscuro laberinto
que tan solo conduce al infierno y a la nada.

Alex Dimitrov – Tempo

Mais uma vez despreparado
parado sob um toldo
no meio do verão

outono, inverno, primavera —
observando o aguaceiro
no que poderia ser o

meio da minha existência;
perguntando-me quanto tempo terei que esperar
antes de me tornar a chuva.

Trad.: Nelson Santander

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Time

Again I am unprepared
standing under an awning
in the middle of summer

autumn, winter, spring —
watching the downpour
in what could be

the middle of life;
wondering how long I’ll wait
before becoming the rain.