Wislawa Szymborska – Adolescente

Eu — adolescente?
Se de repente ela me aparecesse aqui, agora,
deveria saudá-la como a uma pessoa próxima,
mesmo que me pareça estranha e distante?

Derramar uma lágrima, beijar a testa
somente pelo motivo
de termos a mesma data de nascimento?

Tanta dessemelhança entre nós
que talvez só os ossos sejam os mesmos,
o formato do crânio, as órbitas.

Pois os olhos deles já parecem maiores,
os cílios mais longos, a estatura mais alta
e o corpo compactamente coberto
de pele lisa, sem defeito.

É verdade que nos unem parentes e amigos,
mas no seu mundo quase todos estão vivos
e no meu quase ninguém
desse círculo comum.

Tanto nos diferenciamos,
de coisas tão diversas falamos, pensamos.
Ela sabe pouco —
mas com absoluta convicção.
Eu sei muito mais —
mas sem certezas.

Me mostra os seus versos,
escritos numa letra clara, caprichada,
que eu já não tenho há anos.

Leio esses versos, releio.
Bom, talvez só este,
se der para encurtar
e corrigir aqui e ali.
Para o resto não vejo futuro.

A conversa não engata.
No seu relógio pobre
o tempo ainda é vacilante e barato.
No meu, muito mais caro e preciso.

Na despedida, nada: um sorriso casual
e nenhuma emoção.

Só quando some
e na pressa esquece o cachecol.

Um cachecol de pura lã,
com listras coloridas,
tricotado à mão para ela
pela nossa mãe.

Eu o guardo ainda.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 13/11/2019

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Kilkunastoletnia

Ja — kilkunastoletnia?
Gdyby nagle, tu, teraz, stanęła przede mną,
czy miałabym ją witać jak osobę bliską,
chociaż jest dla mnie obca i daleka?

Uronić łezkę, pocałować w czółko
z tej wyłącznie przyczyny,
że mamy jednakową datę urodzenia?

Tyle podobieństwa między nami,
że chyba tylko kości są te same,
sklepienie czaszki, oczodoły.

Bo już oczy jakby trochę większe,
rzęsy dłuższe, wzrost wyższy
i całe ciało obleczone ścisle
skórą gładką, bez skazy.

Łączą nas wprawdzie krewni i znajomi,
ale w jej świecie prawie wszyscy żyją,
a w moim prawie nikt
z tego wspólnego kręgu.

Tak mocno się różnimy,
tak całkiem o czym innym myślimy, mówimy.
Ona wie mało —
za to z uporem godnym lepszej sprawy.
Ja wiem o wiele więcej —
za to nie na pewno.

Pokazuje mi wiersze,
pisane pismem starannym, wyraźnym,
jakim ja nie piszę już od lat.

Czytam te wiersze, czytam.
No może ten jeden,
gdyby go skrócić
i w paru miejscach poprawić.
Reszta niczego dobrego nie wróży.

Rozmowa się nie klei.
Na jej biednym zegarku
czas chwiejny jeszcze i tani.
Na moim dużo droższy i dokładny.

Na pożegnanie nic, zdawkowy uśmiech
i żadnego wzruszenia.

Dopiero kiedy znika
i zostawia w pośpiechu swój szalik.

Szalik z prawdziwej wełny,
w kolorowe paski
przez naszą matkę
zrobiony dla niej szydełkiem.

Jen Lambert – Um grande cômodo vazio

Quando recebemos o resultado, meu pai me envia uma mensagem.
Ele diz que deveríamos esperar para contar a ela.
Ele diz: deixe-a ter mais um Natal feliz,
o que significa que ele quer ter mais um Natal feliz,
o que significa que ele está com medo.

É por telefone que damos a notícia a ela.
Nossas vozes, simples vibrações
que lançamos uns para os outros,
transportam sua doença através das divisas estaduais,
da orelha de minha irmã para minha orelha para a orelha de meu pai
para a boca de minha mãe, em prantos.

Minhas filhas a visitam durante a semana.
Elas dizem que ela gosta de contar histórias de quando eu era jovem.
São histórias das quais não me lembro, e me pergunto
se ela não as está imaginando. Eu me pergunto
se não estou desaparecendo com ela.

Ela chorou quando contei que estava grávida,
que não iria mais para a faculdade de direito.
Não faça isso, ela soluçou ao telefone,
você se esquecerá de si mesma e nunca mais encontrará o caminho de volta.

Agora ela chora
quando não consegue se lembrar da palavra loja. Ela diz:
aquele lugar onde você compra coisas e nós sabemos o que ela quer dizer.
Ela chora porque as partes moribundas do seu cérebro
a fazem crer que seu marido está tendo um caso,
que a vizinha está alimentando o cachorro dela
com ossos de galinha através da cerca,
que alguém roubou o cortador de grama.

Minha mãe aponta para uma mação e diz telefone.

Na última vez que falei com minha mãe, ela me disse: Não estou pronta.
Ela disse: Não quero partir, e quando penso
em uma vida sem minha mãe, vejo apenas um grande cômodo vazio.

Minhas filhas costumavam brincar de telefone com latas de sopa,
um longo barbante esticado escada
abaixo, passando pela cozinha, sobre o encosto do sofá.

Você pode me ouvir?, gritavam elas, as bordas das latas
pressionadas contra os ouvidos. Você está aí?

Ela não se lembra mais do meu número de telefone
e, quando ligo para ela, quero perguntar à mulher que atende:
Pode passar o telefone para minha mãe, por favor?

Sua voz sempre soa tão distante.
O fio entre nós está quase se partindo.

Coloque o telefone mais perto da boca, mãe, eu direi.
Alô? ela responderá. Quem é? Você está aí?
Você está aí?

Trad.: Nelson Santander

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One big, empty room

When we get the results, my dad texts me.
He says we should wait to tell her.
He says, let her have one more good Christmas,
which is to say, let him have one more good Christmas,
which is to say he’s afraid.

When we do tell her, we do it over the phone.
Our voices, simple vibrations
we throw back and forth to each other,
carry her disease across state lines,
my sister’s ear to my ear to my father’s ear
to my mother’s mouth, wailing.

My daughters visit her during the week.
They say she likes to tell stories of when I was young.
They’re stories I don’t remember, and I wonder
if she’s imagining them. I wonder
if I am disappearing with her.

She cried when I told her that I was pregnant,
that I wouldn’t be going to law school.
Don’t do it, she sobbed into the phone,
you’ll forget yourself and you’ll never find your way back.

Now she cries
when she can’t remember the word for store. She says
that place you go to buy things and we know what she means.
She cries because the dying parts in her brain
make her believe that her husband is having an affair,
that the neighbor is feeding her dog
chicken bones through the fence,
that someone has stolen the lawn mower.

My mother points to an apple and says phone.

The last time I spoke to her, she said I’m not ready.
She said I don’t want to leave, and when I think
of a life without my mother, it is one big, empty room.

My daughters used to play telephone with soup cans,
a long length of string stretched
down the stairs, through the kitchen, over the back of the couch.

Can you hear me? they would yell, tin rims
pressed tight against their ears. Are you there?

She doesn’t remember my phone number anymore,
and when I call her, I want to ask the woman who answers,
Can you put my mom on please?

Her voice always sounds so far away.
The string between us stretched close to snapping.

Put the phone closer to your mouth, Mom, I’ll say.
Hello? she’ll say. Who is this? Are you there?
Are you there?

Wislawa Szymborska – Vida difícil com a memória

Sou um péssimo público para a minha memória.
Ela quer que eu ouça sua voz incessantemente,
mas eu me agito, tusso,
ouço e não ouço,
saio, volto e saio de novo.

Ela requer todo o meu tempo e atenção.
Quando durmo, é fácil para ela.
De dia já nem tanto, o que a magoa.

Me propõe zelosamente velhas cartas, fotos,
revolve fatos importantes e desimportantes,
devolve a vista para paisagens ignoradas,
e povoa-as com os meus mortos.

Nos seus relatos sou sempre mais jovem.
Isso é bom, mas por que sempre essa história?
Cada espelho me dá outras notícias.

Irrita-se quando dou de ombros.
E então se vinga remexendo todos os meus erros,
graves, mas que já não pesam.
Me olha nos olhos, espera minha reação.
Por fim me consola; podia ter sido pior.

Quer que agora eu viva só para ela e com ela.
De preferencia num quarto escuro e fechado,
mas nos meus planos ainda figuram o sol presente,
as nuvens atuais, as estradas correntes.

Às vezes fico farta de sua companhia.
Proponho nos separarmos. De hoje para sempre.
Então sorri com complacência,
sabe que também para mim seria uma condenação.

Trad.: Regina Przybycien

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 15/01/2020

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Trudne życie z pamięcią

Jestem złą publicznością dla swojej pamięci.
Chce, żebym bezustannie słuchała jej głosu,
a ja się wiercę, chrząkam,
słucham i nie słucham,
wychodzę, wracam i znowu wychodzę.

Chce mi bez reszty zająć uwagę i czas.
Kiedy śpię, przychodzi jej to łatwo.
W dzień bywa różnie, i ma o to żal.

Podsuwa mi gorliwie dawne listy, zdjęcia,
porusza wydarzenia ważne i nieważne,
przywraca wzrok na prześlepione widoki,
zaludnia je moimi umarłymi.

W jej opowieściach jestem zawsze młodsza.
To miłe, tylko po co bez przerwy ten wątek.
Każde lustro ma dla mnie inne wiadomości.

Gniewa się, kiedy wzruszam ramionami.
Mściwie wtedy wywleka wszystkie moje błędy,
ciężkie, a potem lekko zapomniane.
Patrzy mi w oczy, czeka, co ja na to.
W końcu pociesza, że mogło być gorzej.

Chce, żebym żyła już tylko dla niej i z nią.
Najlepiej w ciemnym, zamkniętym pokoju,
a u mnie ciągle w planach słońce teraźniejsze,
obłoki aktualne, drogi na bieżąco.

Czasami mam jej towarzystwa dosyć.
Proponuję rozstanie. Od dzisiaj na zawsze.
Wówczas uśmiecha się z politowaniem,
bo wie, że byłby to wyrok i na mnie.

Theodore Roethke – O campo distante

I

Sonho com viagens repetidamente:
Em voar como um morcego por um túnel estreito
Em dirigir sozinho, sem bagagem, por uma longa península
A estrada ladeada por uma vegetação rala carregada de neve,
Uma neve fina e seca atingindo o para-brisas,
Neve e granizo alternados, nenhum tráfego em sentido contrário,
E nenhuma luz atrás, no embaçado espelho lateral,
A estrada mudando de asfalto vitrificado para cascalho de pedras,
Terminando finalmente em um desolado sulco na areia,
Onde o carro se detém,
Preso em um monte de neve
Até os faróis se apagarem.

II

Na extremidade do campo, no canto não alcançado pela ceifeira,
Onde o terreno termina em uma vala coberta de grama,
Refúgio do Tordo-pintado, morada do rato-do-campo,
Não muito distante do cemitério de flores em perpétua mutação,
Entre latas, pneus, canos enferrujados, máquinas quebradas —
Aprende-se sobre o eterno;
E na cara encovada de um rato morto, devorado pela chuva e pelos besouros
(encontrei-o entre os escombros de um velho depósito de carvão)
E no gato malhado, pego perto do viveiro dos faisões,
suas entranhas espalhadas sobre flores semi-desabrochadas,
Abatido pelo vigia noturno.

Eu me afligia pelos pássaros e coelhos apanhados pelo cortador, mas
Minha dor não era excessiva.
Pois deparar-me com as toutinegras no início de maio
Era esquecer do tempo e da morte:
Como elas enchiam o olmo do papa-figo, um enxame inquieto e gorjeante, por toda uma manhã,
E eu observava e observava até meus olhos embaçarem com a forma dos pássaros —
Toutinegra-do-Cabo, Toutinegra-papo-de-fogo, Toutinegra-azul —
Movendo-se, esquivos como peixes, destemidos,
Pendurados, agrupados como fruta verde, dobrando os galhos das extremidades,
Momentaneamente imóveis,

E então lançando-se em meio voo,
Mais leves que os tentilhões,
Enquanto as carriças brigavam e cantavam nas sebes meio verdes,
E o pica-pau martelava em sua árvore morta no galinheiro.

– Ou em me deitar nu na areia,
Nas águas rasas e assoreadas de um rio lento,
Tocando uma concha,
Pensando:
Antigamente eu era assim, sem mente,
Ou talvez com outra mente, menos peculiar;
Ou em afundar até os quadris em um brejo musgoso;
Ou, com meus finos joelhos, sentar em um tronco molhado,
Crendo:
Eu voltarei novamente,
Como uma cobra ou uma ave estridente,
Ou, com sorte, como um leão.

Aprendi a não temer o infinito,
O campo distante, os tormentosos penhascos do para sempre,
A morte do tempo na luz branca do amanhã,
A roda se afastando de si mesma,
A expansão da onda,
A água que se aproxima.


III

O rio se curva sobre si mesmo,
A árvore recua para a própria sombra.
Sinto uma sutil mudança, um avanço,
Como a água que acelera antes de um canal estreito
Quando as margens convergem e o largo rio clareia;
Ou quando dois rios se combinam, a torrente glacial azul
E o verde-amarelado do planalto montanhoso —
No início, um rápido movimento ondulante entre as rochas,
Depois, um longo curso sobre pedras lisas
Antes de descer para a planície aluvial,
Para os bancos de argila, e as uvas silvestres penduradas nos olmos.
A água levemente agitada
Solta um fino sedimento amarelo onde o sol permanece;
E os caranguejos se aquecem perto da margem,
A margem infestada de ervas daninhas, viva com pequenas serpentes e sanguessugas —
Cheguei a um centro calmo e raso,
Um ponto fora da cintilante corrente;
Meus olhos fitam o fundo de um rio,
As pedras irregulares, os iridescentes grãos de areia,
Minha mente se move para mais de um lugar,
Em um país meio terra, meio água.

Sou renovado pela morte, pelo pensamento de minha própria morte,
Pelo aroma seco de um jardim moribundo em setembro,
Pelo vento que sopra as cinzas de uma fogueira.
O que amo está sempre por perto,
Na terra e no ar.


IV

O eu perdido se transforma,
Voltando-se para o mar,
Uma forma marinha se virando —
Um velho com os pés diante do fogo,
Em vestes verdes, em vestes de despedida.
Um homem diante de sua própria imensidão
Desperta todas as ondas, toda sua chama livre e errante.
O murmúrio do absoluto, o porquê
De nascer cai em seus ouvidos nus.
Seu espírito se move como um vento monumental
Que se acalma em um platô azul e ensolarado.
Ele é o fim de todas as coisas, o último homem.

Todas as coisas finitas revelam a infinitude:
A montanha com sua singular tonalidade cintilante
Como o brilho azul da neve recém-congelada.
A luz residual nos pinheiros carregados de gelo;
Odor de tília em uma encosta de montanha,
Um perfume apreciado pelas abelhas;
Silêncio da água sobre uma árvore submersa:
A pura serenidade da memória em um homem —
Uma ondulação se expandindo a partir de uma única pedra
Serpenteando pelas águas do mundo.

Trad.: Nelson Santander

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The Far Field

I

I dream of journeys repeatedly:
Of flying like a bat deep into a narrowing tunnel
Of driving alone, without luggage, out a long peninsula,
The road lined with snow-laden second growth,
A fine dry snow ticking the windshield,
Alternate snow and sleet, no on-coming traffic,
And no lights behind, in the blurred side-mirror,
The road changing from glazed tarface to a rubble of stone,
Ending at last in a hopeless sand-rut,
Where the car stalls,
Churning in a snowdrift
Until the headlights darken.

II

At the field’s end, in the corner missed by the mower,
Where the turf drops off into a grass-hidden culvert,
Haunt of the cat-bird, nesting-place of the field-mouse,
Not too far away from the ever-changing flower-dump,
Among the tin cans, tires, rusted pipes, broken machinery, —
One learned of the eternal;
And in the shrunken face of a dead rat, eaten by rain and ground-beetles
(I found in lying among the rubble of an old coal bin)
And the tom-cat, caught near the pheasant-run,
Its entrails strewn over the half-grown flowers,
Blasted to death by the night watchman.

I suffered for young birds, for young rabbits caught in the mower,
My grief was not excessive.
For to come upon warblers in early May
Was to forget time and death:
How they filled the oriole’s elm, a twittering restless cloud, all one morning,
And I watched and watched till my eyes blurred from the bird shapes, —
Cape May, Blackburnian, Cerulean, —
Moving, elusive as fish, fearless,
Hanging, bunched like young fruit, bending the end branches,
Still for a moment,

Then pitching away in half-flight,
Lighter than finches,
While the wrens bickered and sang in the half-green hedgerows,
And the flicker drummed from his dead tree in the chicken-yard.

– Or to lie naked in sand,
In the silted shallows of a slow river,
Fingering a shell,
Thinking:
Once I was something like this, mindless,
Or perhaps with another mind, less peculiar;
Or to sink down to the hips in a mossy quagmire;
Or, with skinny knees, to sit astride a wet log,
Believing:
I’ll return again,
As a snake or a raucous bird,
Or, with luck, as a lion.

I learned not to fear infinity,
The far field, the windy cliffs of forever,
The dying of time in the white light of tomorrow,
The wheel turning away from itself,
The sprawl of the wave,
The on-coming water.


III

The river turns on itself,
The tree retreats into its own shadow.
I feel a weightless change, a moving forward
As of water quickening before a narrowing channel
When banks converge, and the wide river whitens;
Or when two rivers combine, the blue glacial torrent
And the yellowish-green from the mountainy upland, —
At first a swift rippling between rocks,
Then a long running over flat stones
Before descending to the alluvial plane,
To the clay banks, and the wild grapes hanging from the elmtrees.
The slightly trembling water
Dropping a fine yellow silt where the sun stays;
And the crabs bask near the edge,
The weedy edge, alive with small snakes and bloodsuckers, —
I have come to a still, but not a deep center,
A point outside the glittering current;
My eyes stare at the bottom of a river,
At the irregular stones, iridescent sandgrains,
My mind moves in more than one place,
In a country half-land, half-water.

I am renewed by death, thought of my death,
The dry scent of a dying garden in September,
The wind fanning the ash of a low fire.
What I love is near at hand,
Always, in earth and air.


IV

The lost self changes,
Turning toward the sea,
A sea-shape turning around, —
An old man with his feet before the fire,
In robes of green, in garments of adieu.
A man faced with his own immensity
Wakes all the waves, all their loose wandering fire.
The murmur of the absolute, the why
Of being born falls on his naked ears.
His spirit moves like monumental wind
That gentles on a sunny blue plateau.
He is the end of things, the final man.

All finite things reveal infinitude:
The mountain with its singular bright shade
Like the blue shine on freshly frozen snow,
The after-light upon ice-burdened pines;
Odor of basswood on a mountain-slope,
A scent beloved of bees;
Silence of water above a sunken tree :
The pure serene of memory in one man, —
A ripple widening from a single stone
Winding around the waters of the world.

Wendell Berry – Antes do Anoitecer

Da varanda no crepúsculo, observei
um martim-pescador selvagem em um voo
que ele só poderia estar realizando por deleite.

Ele desceu pelo rio, chapinhando
contra o rosto turvo da água
como uma pedra saltitante, passando

rio abaixo até sumir de vista. E ainda
eu podia ouvir o chapinhar
cada vez mais distante

à medida que escurecia. Ele voltou
pelo mesmo caminho, escuro como sua sombra,
súbito além dos salgueiros.

O chapinhar foi se tornando inaudível.
Estava escuro então. A noite
o havia acolhido em algum lugar.

— no lugar para onde ele se dirigia
ou onde, guiado por sua alegria,
ele chegou.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 15/11/2019

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Before dark

From the porch at dusk I watched
a kingfisher wild in flight
he could only have made for joy.

He came down the river, splashing
against the water’s dimming face
like a skipped rock, passing

on down out of sight. And still
I could hear the splashes
farther and farther away

as it grew darker. He came back
the same way, dusky as his shadow,
sudden beyond the willows.

The splashes went on out of hearing.
It was dark then. Somewhere
the night had accommodated him

— at the place he was headed for
or where, led by his delight,
he came.

Franz Wright – Missa das cinco

A igreja é um navio em uma tempestade de neve que se dissipa;
feixes de luz adentrando pelos vitrais azuis.
Já é quase noite e começa a clarear!
O planeta também está à deriva
em uma infinita nevasca de estrelas –
onde a maioria de nós está doente
e faminta na turbulenta escuridão, e os que
celebram lá em cima
também não sabem onde estamos.
Nós nos amamos. Em verdade, não conhecemos
ninguém muito bem, mas
nos amamos uns aos
outros.

Trad.: Nelson Santander

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5:00 Mass

The church is a ship in the brightening snowstorm;
shafts of light falling in through blue windows.
It’s almost night and starting to get light!
The planet, too, adrift
in an infinite blizzard of stars –
Where most of us are sick
and starving in the pitching dark, and the partying
masters up above
don’t know where we are either.
We love one another. We don’t really know
anyone well, but
we love one
another.

Joseph Stroud – Primeira Canção

Naquela distante manhã na fazenda de Ruth
quando me escondi entre as glicínias
e observei os beija-flores. Eu pensei
que o rubi ou o ouro que reluzia em seus pescoços
fosse o sangue adocicado das flores.
Eles mergulhavam seus bicos perfurantes
em uma coroa de pétalas até suas cabeças
desaparecerem. As flores se confundiam com as asas,
e a respiração que eu ouvia
vinha das finas hastes das glicínias em movimento.
Naquela noite, meu rosto pressionado contra a janela,
olhei para fora na escuridão
onde a lua se afogava nos salgueiros
junto à lagoa. Meu coração, sanguíneo jaspe,
mudou. Aquela longa noite, a fazenda,
aqueles rútilos pássaros, todos esses anos idos.
Os cavalos em pé quietos e enormes
na escuridão trespassada pela lua.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 14/11/2019

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First Song

That long-ago morning at Ruth’s farm
when I hid in the wisteria
and watched hummingbirds. I thought
the ruby or gold that gleamed on their throats
was the honeyed blood of flowers.
They would stick their piercing beaks
into a crown of petals until their heads
disappeared. The blossoms blurred into wings,
and the breathing I heard
was the thin, moving stems of wisteria.
That night, my face pressed against the window,
I looked out into the dark
where the moon drowned in the willows
by the pond. My heart, bloodstone,
turned. That long night, the farm,
those jeweled birds, all these gone years.
The horses standing quiet and huge
in the moon-crossing blackness.

Alberto Ríos – Manhã de dezembro no deserto

A manhã está nublada e os pássaros, encolhidos,
Mais pelo frio que pela fome, mais entorpecidos que ruidosos,

Nesta costa árida do Arizona, onde o deserto se encontra
Com as fronteiras do mundo invernal.

É uma gélida revelação em um anúncio gritante,
A miríade de estrelas fazendo a escuridão brilhar,

Com se o próprio céu tivesse sido coberto de neve.
Mas as estrelas, todas aquelas estrelas,

Para onde vai o claro ruído de seu árduo labor? Essas
Tomadas acionam o motor de um céu que de outra forma seria silencioso,

Seu movimento cintilante por toda parte dessa vastidão branca:
Deveríamos ouvir as estrelas como um imenso bramido

Obtido a partir do movimento de suas bilhões de partes, esta grande
Máquina ardente da Via Láctea deslizando pela noite asfaltada,

As faíscas, agrupadas e em movimento, e brasas flutuantes
Que se elevam das fogueiras de tantos outros mundos.

Para onde vai o ruído de tudo isso
Senão para os ouvidos, e para os corações dos pássaros ao nosso redor,

Seus corações batendo tão rápido e suas asas igualmente
rápidas e seus cantos agudos,

E também para as abelhas, com seu zumbido pesado,
E para as vespas e mariposas, os morcegos, as libélulas —

Nenhum deles tem certeza se tudo isso vai funcionar,
Esse universo — nós, humanos, alheios

Bebendo café, ainda meio sonolentos, calmos e
Calçando os chinelos de nossas manhãs de segunda-feira,

Tremendo porque, pensamos,
Está um pouco frio lá fora.

Trad.: Nelson Santander

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December Morning in the Desert

The morning is clouded and the birds are hunched,
More cold than hungry, more numb than loud,

This crisp, Arizona shore, where desert meets
The coming edge of the winter world.

It is a cold news in stark announcement,
The myriad stars making bright the black,

As if the sky itself had been snowed upon.
But the stars—all those stars,

Where does the sure noise of their hard work go?
These plugs sparking the motor of an otherwise quiet sky,

Their flickering work everywhere in a white vastness:
We should hear the stars as a great roar

Gathered from the moving of their billion parts, this great
Hot rod skid of the Milky Way across the asphalt night,

The assembled, moving glints and far-floating embers
Risen from the hearth-fires of so many other worlds.

Where does the noise of it all go
If not into the ears, then hearts of the birds all around us,

Their hearts beating so fast and their equally fast
Wings and high songs,

And the bees, too, with their lumbering hum,
And the wasps and moths, the bats, the dragonflies—

None of them sure if any of this is going to work,
This universe—we humans oblivious,

Drinking coffee, not quite awake, calm and moving
Into the slippers of our Monday mornings,

Shivering because, we think,
It’s a little cold out there.

Joan Margarit – Água-forte

O granizo metralha as vidraças,
as rajadas arrasam as calçadas.
E tu e eu aqui, onde o mau tempo
resume os obstáculos que às vezes
nos levam à beira do abismo.
Olhos brilhantes de desacertos,
mãos queimadas por se salvarem agarradas
aos gelados corrimãos do inferno.
Que o acaso continue disparando
sem razão, como sempre, nas vidraças.
Além do amor – desse nosso amor –
nada faz sentido.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 12/11/2019

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Joan Margarit – Aguafuerte

El granizo ametralla los cristales,
las ráfagas arrasan las aceras.
Tú y yo estamos aquí, donde el mal tiempo
resume los obstáculos que a veces
nos han llevado al borde del abismo.
Ojos brillantes de equivocaciones,
manos quemadas por salvarse asidas
a la helada baranda del infierno.
Que el azar continúe disparando
sin razón, como siempre, a los cristales.
Más allá del amor —de nuestro amor—
nada tiene sentido.

Abdellatif Laâbi – A Língua Materna

Faz vinte anos que vi minha mãe pela última vez
Ela se deixou morrer de fome
Dizem que todas as manhãs
ela retirava o lenço da cabeça
e batia com ele no chão sete vezes
amaldiçoando os céus e o Tirano
Eu estava na caverna
onde os condenados liam no escuro
e pintavam nas paredes o bestiário do futuro
Faz vinte anos que vi minha mãe pela última vez
Ela me deixou um conjunto de café em porcelana
e embora as xícaras tenham quebrado uma por uma
eram tão feias que não lamentei sua perda
embora o café seja a única bebida que aprecio
Hoje em dia, quando estou sozinho
começo a soar como minha mãe
ou melhor, é como se ela usasse minha boca
para proferir suas blasfêmias, maldições e bobagens
o incontável rosário de seus apelidos
todas as espécies em extinção de seus ditados
Faz vinte anos que vi minha mãe pela última vez
mas sou o último homem
que ainda fala a língua dela

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão vertida pra o inglês por André Naffis-Sahely

N. do T. Li este belo poema, pela primeira vez, na versão digital do The Guardian. No texto que apresenta o poeta, o livro do qual o poema foi extraído e o que pode ser a inspiração para a sua criação, o jornal britânico esclarece: “(…) My Mother’s Language é um característico poema autobiográfico pós-prisão em verso livre simples que confia na linguagem cotidiana e rejeita o uso de uma persona. Um traço do poeta mais experimental sobrevive com relação à pontuação. Não são usados sinais de pontuação: a presença invisível de um ponto final parece ser indicada quando a palavra seguinte recebe uma letra inicial maiúscula. A mãe do poeta, assim como sua língua, permanece sem nome, mas nós a conhecemos e a ouvimos no poema. Na entrevista de conclusão do livro, o poeta conta a Christopher Schaefer um pouco sobre seus pais. Analfabeta como seu pai artesão, sua mãe, que teve 11 filhos, oito dos quais sobreviveram, possuía “uma linguagem rica, cheia de imagens e um grande senso de humor. Ela frequentemente se irritava com sua condição, e foi ouvindo-a falar que talvez – e eu digo talvez – tenha nascido em mim o desejo de escrever”. De acordo com a lenda, a família foi exilada da Espanha, e Laâbi descreve sua mãe como de pele branca e olhos azuis. A referência à litania na 19ª linha, “the unfindable rosary of her nicknames” (o incontável rosário de seus apelidos), pode aludir a alguma mistura cultural distante com o catolicismo. O poema começa com a perda do filho: passa rapidamente, quase com dureza, para o desespero e o aparente suicídio da mãe, e então, com detalhes vívidos, evoca sua fúria: “Dizem que todas as manhãs / ela retirava o lenço da cabeça / e batia com ele no chão sete vezes / amaldiçoando os céus e o Tirano”. Imagina-se o próprio lenço sendo usado como um chicote furioso – uma imagem poderosa. O “Tirano” é, presumivelmente, Hassan II, que governou de 1961 a 1999, o período dos “anos de chumbo”. A imagem da cela da prisão como uma caverna lembra a caverna de Platão, bem como as cavernas pré-históricas cujas pinturas nas paredes sobreviveram. Sugere-se que a escuridão da tirania e do sofrimento pode ser instrutiva, um meio de educação. O “bestiário do futuro” pode não parecer, em um primeiro momento, uma imagem otimista, mas as pinturas rupestres possivelmente retratavam cenas de caça – representando, portanto, alimento e esperança. O bestiário dos prisioneiros não é necessariamente uma perpetuação da brutalidade. A repetição do primeiro verso marca uma mudança de humor para a terna memória tragicômica das xícaras de café de porcelana (presumivelmente, certa vez estimadas). O apego sentimental aos bens herdados é rejeitado com tato: as xícaras feias que se quebram não são lamentadas. O legado da mãe para o filho é algo mais radical. Em uma imagem impressionante, ela ela parece estar usando a boca do filho. Ela se torna claramente audível com “blasfêmias, maldições e bobagens” – a terra idiomática da poesia. A “língua” nesse poema é certamente usada no sentido mais amplo. Não é relevante, aqui, se a mãe fala o dialeto árabe marroquino, ou francês, ou amazigh, ou qualquer outra língua. É o “como” e não o “o quê”, a maneira como ela faz do idioma que usa, a sua e de seus filhos, o idioleto pessoal e familiar e todo o seu contexto e conotação caseiros e inimitáveis. Aquelas xícaras de café começam a ganhar uma dimensão metafórica relevante. O poeta amante do café não lamenta as xícaras quebradas. O café é mais importante do que as xícaras em que é servido, assim como a fala é mais do que uma casca requintada de significantes. (…) My Mother’s Language, como sempre na obra madura de Laâbi, capta a ressonância política no nível da intimidade humana. A intrusão particular de um regime autoritário, que encerrou prematuramente a conexão entre o filho e sua mãe, contém as inevitáveis separações e silenciamentos da existência. O filho que se lembra da mãe, de sua morte não testemunhada e de “todas as espécies em extinção de seus ditados” é, até certo ponto, uma figura universal.

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My Mother’s Language

It’s been twenty years since I last saw my mother
She starved herself to death
They say that each morning
she would pull her headscarf off
and strike the floor seven times
cursing the heavens and the Tyrant
I was in the cave
where convicts read in the dark
and painted the bestiary of the future on the walls
It’s been twenty years since I last saw my mother
She left me a china coffee set
and though the cups have broken one by one
they were so ugly I didn’t regret their loss
even though coffee’s the only drink I like
These days, when I’m alone
I start to sound like my mother
or rather, it’s as if she were using my mouth
to voice her profanities, curses and gibberish
the unfindable rosary of her nicknames
all the endangered species of her sayings
It’s been twenty years since I last saw my mother
but I am the last man
who still speaks her language