Bruna Beber – romance em doze linhas

quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente se ver pra sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingir que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 22/02/2019

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Aracelis Girmay – Sobre a bondade

Sobre a Bondade

depois de Nazim Hikmet, para & depois de Rassan

No Aeroporto Metropolitano de Detroit
com horas lentas, como tartarugas que
sobram antes do meu voo, existe
essa bondade
da esteira rolante que me empresta
seus lentos e estranhos pés de molusco
enquanto permaneço quieta, exausta, após dias
sozinha em minha cama, dormindo
em hotéis, após passar meses
sem ver os rostos da minha família, de alguma forma
seu lento & silencioso transporte de bagagem
me faz lembrar da bondade dos burros
& essa bondade me traz de volta a mim mesma.
Ela me faz lembrar da bondade de outras coisas que amo
como a bondade de irmãs que lhe enviam cartas,
onde quer que você esteja, &, falando em correspondências, há
a bondade especial da carteira
que diz: “Olá, querida” para todos, a princípio
eu pensava que era só para mim, mas agora percebo
que ela diz “Olá, querida” para todos. Isso é bondade.
Há também a bondade das janelas & dos cães.
E então houve aquele extraordinário domingo
em casa, em que ouvi uma mulher gritando
sobre como ela estava sozinha & tão solitária
que não sabia o que faria, talvez
se matasse, ela disse, várias e várias vezes como um papagaio
em uma gaiola, um papagaio cujos pais humanos
só lhe ensinaram aquela frase. Olhei pela
janela & a vi de costas, a maneira como agitava
os braços como se estivesse desesperada & sendo morta
ou devorada por um predador invisível, como um tigre ou um leão, no peito.
& a voz dela parecia embaciada com metadona, não sei,
alguma coisa, & me afastei da janela
& me sentei, zangada com ela por ter gritado, & triste,
& não muito tempo depois, a ouvi dizendo:
O que você disse? O que você disse para mim?
& uma voz masculina, baixa, não sei dizer se gentil.
& ela disse: Vou me matar, estou tão solitária.
& já te disse que era Dia das Mães?
Flores & mães, flores & mães o dia todo.
& a mulher dizendo Estou tão solitária. Eu poderia me matar.
& então silêncio. & a voz masculina dizendo Está tudo bem.
Está tudo bem. Eu amo você, está tudo bem.

& isso me fez levantar, colocar meu rosto, novamente, contra a janela
para ver o sobrinho do meu senhorio lá fora, simplesmente a abraçando assim, como se
fosse sua mãe, como se ele pertencesse a ela,
& então, outra vez, em silêncio, afastei-me da janela mas permaneci sentada
no silêncio da casa, oculta pelas persianas & tomada pelo espanto.
Quando a porta da frente do prédio se abriu
& permitiu que o sobrinho alto entrasse com seus olhos tristes & de puma,
belo & alto, com um estilo Carolina-Brooklyn, ouvi-o
começar a subir as escadas acima de mim, & com minha própria mão
abri a porta da frente,
& embora não fosse da minha conta,
perguntei a ele: Você conhece aquela mulher lá fora?
& sabe o que aconteceu depois?
Ele disse: Não. O sobrinho disse que não, ele não conhecia
a mulher lá fora. & ele me disse Feliz Dia das Mães
enquanto subia o restante da escada. & eu não consigo parar de vê-los
abraçados na rua, sob as árvores, era primavera, mas estava frio,
& às vezes na memória a cabeça dele está tocando a dela
& às vezes na memória os olhos dele estão fechados,
& às vezes ela o está segurando
& cantando pra ele: Eu te amo. Está tudo bem.
Quero dizer que por onde passo,
ouço as pessoas cantando assim umas para as outras. Quero dizer
que testemunhei uma grande bondade como esta,
nessa minha verdadeira vida, você precisa acreditar em mim.
Quero dizer, em um domingo, quando ninguém devia estar
observando. Ninguém mesmo. Eu vi isso acontecer, os dois
se abraçando, quando ninguém devia estar
observando, mas não era nenhum segredo, era público
como a rua, não era por glória & nem por brincadeira,
o sobrinho do proprietário pronto para apoiar a mulher
como um irmão ou uma irmã ou um marido ou filho,
ou nenhum desses, mas um estranho,
um estranho que é um terráqueo, assim como ela.
Talvez o que chamo de bondade
seja mais simples do que a bondade, antes, o reconhecimento
do próximo & da terra azul compartilhada
& da circunstância em comum de estarmos aqui:
os que restamos vivos dos últimos
dois milhões de anos impossíveis…

Trad.: Nelson Santander

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On Kindness

after Nazim Hikmet, for & after Rassan

At the Detroit Metro Airport
with the turtle-hours to spare
between now & my flight, there is
such a thing as the kindness
of the conveyor belt who lends me
its slow, strange mollusk foot
as I stand quiet, exhausted, having been
alone in my bed for days now, sleeping
in hotels, having spent months, now,
without seeing the faces of my family, somehow
its slow & quiet carrying of the load
reminds me of the kindness of donkeys
& this kindness returns me to myself.
It reminds me of the kindness of other things I love
like the kindness of sisters who send mail,
wherever you are, &, speaking of mail, there is
the special kindness of the mail lady
who says, “Hi, baby” to everyone, at first
I thought it was just me, but now I know
she says “Hi, baby” to everyone. That is kindness.
Too, there is the kindness of windows, & of dogs.
& then there was that extraordinary Sunday
back at the house, I heard a woman screaming
about how she was lonely & so lonely
she didn’t know what she’d do, maybe kill
herself, she said, over & over like a parrot
in a cage, a parrot whose human parent
only taught it that one sentence. I looked out
the window & saw her from behind, the way she flung
her arms like she was desperate & being killed
or eaten by an invisible predator, like a tiger or a lion, in the chest.
& her voice seemed fogged out with methadone, I don’t know,
something, & I walked away from the window
& sat, angry with her for screaming, & sad,
& not long after, I heard her saying,
What’d you say? What’d you say to me?
& a man’s voice, low, I could not tell if it was kind.
& she said, I’ll kill myself, I’m so lonely.
& did I tell you, yet, that it was Mother’s Day?
Flowers & mothers, flowers & mothers all day long.
& the woman saying, I’m so lonely. I could kill myself.
& then quiet. & the man’s voice saying, It’s okay.
It’s okay. I love you, it’s okay.

& this made me get up, put my face, again, to the window
to see my landlord’s nephew outside, just hugging her so, as if
it were his mother, I mean, as if he belonged to her,
& then, again, quiet, I left the window but sat
in the silence of the house, hidden by shutters, & was amazed.
When the front door of the brownstone opened up
& let the tall nephew in with his sad & cougar eyes,
handsome & tall in his Carolina-Brooklyn swagger, I heard
him start to climb the stairs above me, & my own hand
opened up my own front door,
& though it was none of my business
I asked him, Do you know that woman out there?
& do you know what happened next?
He said, No. The nephew said no, he didn’t know
the woman out there. & he told me Happy Mother’s Day
as he climbed the rest of the stairs. & I can’t stop seeing them
hugging on the street, under trees, it was spring, but cold,
& sometimes in the memory his head is touching hers
& sometimes in the memory his eyes are closed,
& sometimes she is holding him
& singing to him I love you. It’s okay.
I mean to tell you that everywhere I go
I hear us singing to each other. This way. I mean to tell you
that I have witnessed such great kindness as this,
in this, my true life, you must believe me.
I mean, on a Sunday, when nobody was supposed to be
watching. Nobody at all. I saw this happen, the two
of them hugging, when nobody was supposed to be
watching, but not a secret either, public
as the street, not for glory & not for a joke,
the landlord’s nephew ready to stand there for the woman
like a brother or a sister or a husband or son,
or none of these at all, but a stranger,
a stranger, who like her, is an earthling.
Perhaps this thing I am calling kindness
is more simple than kindness, rather, recognition
of the neighbor & the blue, shared earth
& the common circumstance of being here:
what remains living of the last
two million, impossible years…

Felipe Benítez Reyes – O desenho na água

Bem sabes que estes anos passarão,
que tudo terminará em literatura:
a imagem das noites, as lendas
da triunfante juventude e as cidades
vividas como corpos.

Que estes anos
passarão tu já sabes, pois são teus
como se possuísses a neve e a neblina,
como é do mar a bruma, ou do ar
a cor da tarde fugidia:
pertences de ninguém e do nada
surgidos, que para o nada vão:
nem o próprio mar, nem o ar, nem essa bruma,
nem um crepúsculo igual teus olhos verão.

A memória é um desenho na água,
e em suas ondas se expressa o cadáver do tempo.

Tu farás este desenho.

E de repente
terás a sombra morta
do tempo junto a ti.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 20/02/2019

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El dibujo en el agua

Bien sabes que estos años pasarán,
que todo acabará en literatura:
la imagen de las noches, la leyenda
de la triunfante juventud y las ciudades
vividas como cuerpos.

Que estos años
pasarán ya lo sabes, pues son tuyos
como una posesión de nieve y niebla,
como es del mar la bruma o es del aire
el color de la tarde fugitivo:
pertenencias de nadie y de la nada
surgidas, que hacia la nada van:
ni el mismo mar, ni el aire, ni esa bruma,
ni un crepúsculo igual verán tus ojos.

Un dibujo en el agua es la memoria,
y en sus ondas se expresa el cadáver del tiempo.

Tú harás ese dibujo.

Y de repente
tendrás la sombra muerta
del tiempo junto a ti.

Mark Strand – Meu nome

Certa noite, quando a relva estava verde-dourada
e as marmóreas árvores à luz do luar se erguiam como novos memoriais
no ar perfumado, e toda a paisagem pulsava
com o zumbido e o murmúrio dos insetos, eu me deitei na grama
sentindo a vastidão abrir-se acima de mim, e me perguntei
o que eu me tornaria – e onde encontraria a mim mesmo –
e, embora eu mal existisse, senti por um instante
que o vasto céu cravejado de estrelas era meu, e ouvi
meu nome como se fosse a primeira vez, ouvi-o como se
ouve o vento ou a chuva, mas débil e distante,
como se não me pertencesse, mas ao silêncio
de onde viera e para onde iria.

Trad.: Nelson Santander

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My Name

One night when the lawn was a golden green
and the marbled moonlit trees rose like fresh memorials
in the scented air, and the whole countryside pulsed
with the chirr and murmur of insects, I lay in the grass
feeling the great distances open above me, and wondered
what I would become–and where I would find myself–
and though I barely existed, I felt for an instant
that the vast star-clustered sky was mine, and I heard
my name as if for the first time, heard it the way
one hears the wind or the rain, but faint and far off
as though it belonged not to me but to the silence
from which it had come and to which it would go.

Sérgio Jockyman – Os votos

Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado.
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.
Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconsequentes sejam corajosos e fiéis.
E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que algumas vezes você interpele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo para que você não se sinta demasiadamente seguro.
Desejo depois que você seja útil, não insubstituivelmente útil mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante, não com que os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.
E que essa tolerância nem se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.
Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais,
e que sendo maduro não insista em rejuvenescer,
e que sendo velho não se dedique a desesperar.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.
Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana,
mas apenas por um dia.
Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes.
E que estão estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.
E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.
Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um João-de-barro erguer triunfante seu canto matinal.
Porque assim você se sentirá bom por nada.
Desejo também que você plante uma semente por mais ridículo que seja e acompanhe seu crescimento dia a dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.
Só para que fique claro quem é o dono de quem.
Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.
Mas que essa frugalidade não impeça você de abusar quando o abuso se impuser.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.
Desejo por fim que,
sendo mulher, você tenha um bom homem
e que sendo homem tenha uma boa mulher.
E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez e novamente de agora até o próximo ano acabar.
E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor pra recomeçar.
E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar.

O poema foi publicado originalmente na edição de 30/12/1978 da Folha da Tarde. Vide: http://emiliopacheco.blogspot.com/2006/05/clique-para-ampliar.html

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 21/02/2019

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John Updike – A morte da cachorra

Ela deve ter sido chutada ou atropelada por um carro sem que víssemos.
Muito nova para saber muito, ela começava a aprender
A usar os jornais espalhados pelo chão da cozinha
E a ganhar, quando os molhava, as palavras “Boa garota! Boa garota!”

Pensamos que seu reservado mal-estar era uma reação à vacina.
A autopsia revelou que seu fígado sofrera um rompimento.
Enquanto a provocávamos com brincadeiras, o sangue enchia a pele
E seu coração aprendia a repousar por um infindo tempo.

Segunda-feira de manhã, enquanto as crianças eram ruidosamente nutridas
E enviadas para a escola, ela se arrastou para debaixo da cama do caçulo.
Encontramo-la encolhida e sem forças, mas ainda com vida.
No carro indo para o veterinário ela tentou, em meu colo,

Morder minha mão e morreu. Acariciei seu pelo cálido
E minha esposa a chamou com uma voz angustiada, sentida.
Embora cercada pelo amor que a teria acolhido,
Ela sucumbiu e desapareceu, rígida.

Ao chegarmos em casa, descobrimos que, durante noite, ela,
Próxima já da dissolução, tinha suportado a mazela
Da diarreia e se arrastado pela lajota
Até um jornal deixado ali por descuido. Boa garota.

Trad.: Nelson Santander

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Dog’s Death

She must have been kicked unseen or brushed by a car.
Too young to know much, she was beginning to learn
To use the newspapers spread on the kitchen floor
And to win, wetting there, the words, “Good dog! Good dog!”

We thought her shy malaise was a shot reaction.
The autopsy disclosed a rupture in her liver.
As we teased her with play, blood was filling her skin
And her heart was learning to lie down forever.

Monday morning, as the children were noisily fed
And sent to school, she crawled beneath the youngest’s bed.
We found her twisted and limp but still alive.
In the car to the vet’s, on my lap, she tried

To bite my hand and died. I stroked her warm fur
And my wife called in a voice imperious with tears.
Though surrounded by love that would have upheld her,
Nevertheless she sank and, stiffening, disappeared.

Back home, we found that in the night her frame,
Drawing near to dissolution, had endured the shame
Of diarrhoea and had dragged across the floor
To a newspaper carelessly left there. Good dog.

Juan Luis Panero – Palavras e presságios

Voltar a alguns versos de Kaváfis, de Eliot,
como quem regressa a uma casa que foi nossa anos atrás.
Repetir as sílabas, iluminar os símbolos
como cerradas salas, janelas empoeiradas
que ocultam um jardim perdido, árvores da morte.
Melancolia do regresso e medo do vazio,
rangidos de madeira, agitar de sombras,
e, de repente, em um quarto, perdida
como um velho copo ou um espelho manchado,
encontrar a chave para a tua vida.
Palavras que te avisaram: “Um monótono dia
segue-se a outro igualmente monótono”,
ou te advertiram: “Nascer, copular, morrer.
Isso é tudo, isso é tudo, isso é tudo, isso é tudo”.
Palavras com que a velhice e a noite me presenteiam,
presságios que não entendi, anunciadas derrotas.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 19/02/2019

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Palabras y Presagios

Volver a unos versos de Cavafis, de Eliot,
como quien regresa a una casa que hace años fue nuestra.
Repetir las sílabas, iluminar los símbolos
como cerradas habitaciones, ventanas polvorientas
que ocultan un jardín perdido, árboles de la muerte.
Melancolía del regreso y miedo del vacío,
crujidos de madera, aletazos de sombras
y, de pronto, en un cuarto, perdida
como una vieja copa o un espejo empañado,
encontrar la clave de tu vida.
Palabras que te avisaron: “Un monótono día
sigue a otro igualmente monótono”,
o te advertieron: “Nacer, copular, morir.
Eso es todo, eso es todo, eso es todo, eso es todo”.
Palabras que la velez y la noche me regalan,
presagios que no entendí, anunciadas derrotas.

Mary Oliver – Quebra

Eu desço até a beira-mar.
Como tudo cintila na luz matutina!
A cúspide da concha,
o búzio quebrado do caracol,
os mexilhões azuis abertos,
lesmas-do-mar rosa-pálidas marcadas por cracas —
e nada totalmente inteiro ou fechado, mas esfarrapado, partido,
abandonado pelas gaivotas sobre as rochas cinzentas com toda umidade exaurida.
É como uma escola
de palavras miúdas,
milhares de palavras.
Primeiro, compreendemos o significado de cada uma por si só,
o bivalve, a pervinca, a vieira
repleta de luz lunar.

Então, aos poucos, começamos a ler toda a história.

Trad.: Nelson Santander

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Breakage

I go down to the edge of the sea.
How everything shines in the morning light!
The cusp of the whelk,
the broken cupboard of the clam,
the opened, blue mussels,
moon snails, pale pink and barnacle scarred—
and nothing at all whole or shut, but tattered, split,
dropped by the gulls onto the gray rocks and all the moisture gone.
It's like a schoolhouse
of little words,
thousands of words.
First you figure out what each one means by itself,
the jingle, the periwinkle, the scallop
       full of moonlight.

Then you begin, slowly, to read the whole story.

Raymond Carver – Um passeio

Saí para caminhar pelos trilhos do trem.
Caminhei algum tempo por eles
e cheguei ao cemitério do povoado,
onde um homem descansa entre
duas esposas. Emily van der Zee,
Mãe e Esposa Amada,
está à direita de John van der Zee.
Mary, a segunda senhora Van der Zee,
também uma Esposa Amada, à sua esquerda.
Primeiro Emily se foi, depois Mary.
Anos mais tarde, foi a vez do velho camarada.
Onze filhos nasceram dessas uniões.
E eles, também, já devem estar todos mortos agora.
Este é um lugar tranquilo. Tão bom quanto qualquer outro
para interromper meu passeio, sentar e me preparar
para minha própria morte, que se aproxima.
Mas eu não entendo, não entendo.
Tudo o que sei sobre esta vida bela e fatigante,
a minha ou a de qualquer um,
é que daqui a pouco vou me levantar
e ir embora desse lugar espantoso
que dá abrigo aos mortos. Este cemitério.
E seguir. Caminhando primeiro sobre um trilho,
depois sobre o outro.

Trad.: Cide Piquet

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 17/02/2019

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Raymond Carver – A Walk

I took a walk on the railroad track.
Followed that for a while
and got off at the country graveyard
where a man sleeps between
two wives. Emily van der Zee,
Loving Wife and Mother,
is at John van der Zee’s right.
Mary, the second Mrs. van der Zee
also a loving wife, to his left.
First Emily went, then Mary.
After a few years, the old fellow himself.
Eleven children came from these unions.
And they, too, would all have to be dead now.
This is a quiet place. As good a place as any
to break my walk, sit, and provide against
my own death, which comes on.
But I don’t understand, and I don’t understand.
All I know about this fine, sweaty life,
my own or anyone else’s,
is that in a little while I’ll rise up
and leave this astonishing place
that gives shelter to dead people. This graveyard.
And go. Walking first on one rail
and then the other.

Sharon Olds — Cemitério de Leningrado, Inverno de 1941

Naquele inverno, os mortos não puderam ser enterrados.
O solo estava congelado, os coveiros fracos de fome,
a madeira dos caixões era usada como combustível. Por isso, eles foram cobertos com algo
e levados em um trenó de criança para o cemitério,
no ar abaixo de zero. Eles jaziam no solo,
alguns envoltos em um pano escuro
amarrado com corda como a bola de raízes da árvore
que espera para ser plantada; outros estavam enrolados em lençóis,
suas formas pálidas, cobertas de gaze, cônicas,
rígidas como casulos que se abrirão ao meio
quando a nova vida dentro deles estiver pronta;
mas a maioria jazia como cadáveres, suas coberturas
se desfazendo, as panturrilhas nuas
duras como feixes de madeira espalhados
por debaixo de um manto, uma mão estendida
sem sinal de paz, ansiando voltar
até mesmo para o pão feito de cola e serragem,
até mesmo para o inverno glacial, e o cerco.

Trad.: Nelson Santander

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Leningrad Cemetery, Winter of 1941

That winter, the dead could not be buried.
The ground was frozen, the gravediggers weak from hunger,
the coffin wood used for fuel. So they were covered with something
and taken on a child’s sled to the cemetery
in the sub-zero air. They lay on the soil,
some of them wrapped in dark cloth
bound with rope like the tree’s ball of roots
when it waits to be planted; others wound in sheets,
their pale, gauze, tapered shapes
stiff as cocoons that will split down the center
when the new life inside is prepared;
but most lay like corpses, their coverings
coming undone, naked calves
hard as corded wood spilling
from under a cloak, a hand reaching out
with no sign of peace, wanting to come back
even to the bread made of glue and sawdust,
even to the icy winter, and the siege.