Margaret Atwood – Muitíssimo

Muitíssimo

É uma antiga palavra perdendo o brilho.
Eu queria muitíssimo.
Eu desejava muitíssimo.
Eu o amava muitíssimo.

Eu percorro cautelosamente a calçada
por causa dos meus joelhos feridos,
com os quais eu me importo menos
do que você possa imaginar
já que há outras coisas, mais importantes –
espere e verá –

carregando um café pela metade
em um copo de papel com –
muitíssimo me arrependo –
uma tampa de plástico –
tentando lembrar o que as palavras um dia significaram.

Caríssimos.
Como era usada?
Caríssimos.
Caríssimos, estamos reunidos.
Caríssimos, estamos aqui reunidos
neste álbum de fotos esquecido
que descobri recentemente.

Desbotando agora,
as sépias, o preto e os brancos, as impressões coloridas,
todos muito mais jovens.
As polaróides.
O que é uma polaróide? pergunta o recém-nascido.
Recém-nascido há uma década.

Como explicar?
Você tirava a foto e ela saía por cima.
Por cima de quê?
É este olhar confuso que eu vejo muito.
É tão difícil descrever os menores detalhes de como –
todos aqueles amados reunidos –
de como costumávamos viver.
Embrulhávamos o lixo
em um jornal amarrado com um cordão.
O que é jornal?
Entende o que eu quero dizer?

Cordão, no entanto, ainda temos cordão.
Ele liga as coisas.
Um cordão de pérolas.
Isso é o que eles diriam.

Como controlar os dias?
Todos brilhando,
todos solitários,
e, então, todos partindo.
Mantive alguns deles em um papel na gaveta,
aqueles dias, que agora estão sumindo.
Contas podem ser usadas para contagem.
Como um rosário.
Mas eu não gosto de pedras ao redor do meu pescoço.

Ao longo desta rua há muitas flores,
murchando agora porque é agosto,
empoeirado, e caminhando para o outono.
Em breve os crisântemos florescerão,
flores de defunto, na França.
Não acho que isto seja mórbido.
É apenas a realidade.

É tão difícil descrever os menores detalhes das flores.
Isso é um estame, nada a ver com homem.
Isso é um pistilo, nada a ver com pistola.
São os detalhes pequenos que desorientam os tradutores
e a mim também, tentando descreve-los.
Entende o que eu quero dizer?
Você pode se desgarrar. Você pode se perder.
Palavras podem fazer isso.

Caríssimos, aqui reunidos
nesta gaveta fechada,
desaparecendo agora, sinto falta de vocês.
Sinto falta dos que faltam, daqueles que se foram mais cedo.
Sinto falta até daqueles que ainda estão aqui.
Sinto muitíssimo a falta de todos.
Lamento muitíssimo por você.

Lamento: esta é outra palavra
que já não se ouve muito.
Eu lamento muitíssimo.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: ‘Dearly’ é o penúltimo poema do recém-lançado 18º livro de poesias de Margaret Atwood (Dearly: New Poems, Editora Ecco, lançamento em 10/11/2020). Está inserido na quinta e última parte da obra, denominada ‘This Fiord Looks Like a Lake’, que é inteiramente dedicada ao marido da poeta – Graeme Gibson – falecido em setembro do ano passado.

Sobre esse capítulo, a autora esclarece: “‘This Fiord Looks Like a Lake’ (…) é basicamente sobre Graeme desaparecendo e morrendo. É disso que se trata.” A palavra ‘desaparecendo’, no caso, não é gratuita: Graeme havia recebido um diagnóstico de demência em 2012, e, desde então, ambos passamos a viver com o peso desta sentença: “(…) Estávamos há cinco anos nisso. ‘Qual é o prognóstico?’, ele perguntou na época. ‘Ou vai devagar, ou vai rápido, ou ficará igual, não sabemos”, respondeu o médico. Em agosto de 2017, a doença ainda se movia devagar o suficiente, mas o relógio estava correndo. Nós sabíamos o quê, mas não sabíamos quando. (…) Graeme morreria (…) em setembro de 2019. Ele teve um forte derrame hemorrágico – típico de demência vascular – e se retirou mais ou menos na época e da maneira que ele queria. Rápido, relativamente indolor e enquanto ele ainda era ele mesmo. Nós conversamos muito sobre isso. Tentamos não passar muito tempo sob um manto de tristeza. Conseguimos fazer muitas das coisas que queríamos e extraímos felicidade suficiente de cada hora. Graeme foi pranteado: todos os poemas sobre ele no livro Dearly foram escritos antes de ele realmente morrer.”

Sobre a tradução deste belo poema, cabem algumas explicações.

O poema se constrói em cima da palavra ‘Dearly’, referida pela poeta, logo no primeiro verso, como “uma palavra antiga, que está desaparecendo”. De fato, segundo o “Collins Dictionary”, o advérbio ‘Dearly’, surgido por volta do início dos anos 1700, vem perdendo vitalidade desde então, sendo, atualmente, muito pouco empregado.

O uso de uma palavra em franco desuso é a chave do poema, já que Atwood correlaciona a quase extinção do advérbio, causada pelo passar do tempo, com o que ocorre na vida das pessoas, em especial à última batalha que seu marido estava travando (fato que aparece na poderosa metáfora das fotografias desbotando dentro de uma gaveta) e de como isso afetava a autora.

Para o tradutor do poema, o problema começa com os sentidos polissêmicos da palavra. Em inglês, ‘Dearly’ apresenta três conotações: a) no sentido de ‘muito’, ‘muitíssimo’; b) no sentido de ‘custo’ (‘caro’) ou de algo que causa muito sofrimento ou dano, ou que custa muito dinheiro; e c) no sentido de ‘profundamente’ (‘carinhosamente’, ‘ternamente’, ‘devotadamente’, etc.). No desenrolar do poema, Atwood se vale de mais de um desses sentidos. Por exemplo, na primeira estrofe, ela usa ‘dearly’ no sentido de ‘muito’. Já na quarta, ‘Dearly’ aparece no sentido de ‘caro’, ‘amado’, ‘querido’. Ora, que eu saiba, não existe uma palavra em português que signifique, ao mesmo tempo, ‘muito’ e ‘querido’. Acresça-se o fato de que, segundo a autora, se trata de um advérbio em franco desuso na língua original. Como isso é mencionado logo na abertura do poema e como esse fato – a extinção gradual da palavra no tempo – é fundamental para a estruturação do poema, é imprescindível que a tradução contemple – ou tente contemplar – todas essas nuances. O que, para o tradutor, é um verdadeiro tour de force.

O engraçado é que Atwood tem plena consciência das dificuldades que o seu poema impõem ao tradutor. Tanto que menciona este fato na estrofe: “It’s the smallest details that foil translators / and myself too, trying to describe. / See what I mean. / You can wander away. You can get lost. / Words can do that.” Na estrofe, a autora, ao mesmo tempo em que lembra ao leitor das dificuldades enfrentadas por todo tradutor de poemas, faz a sua profissão de fé no poder das palavras.

Como dito, não foi possível encontrar uma palavra que tivesse os mesmos significados múltiplos da palavra ‘Dearly’ na língua original. No entanto, para resolver o problema proposto no sentido de se tratar de uma palavra em extinção, optei por flexionar os advérbios, em seus sentidos, em superlativos absolutos (“muitíssimo” e “caríssimos”). As traduções literais de ‘Dearly” (“muito”, “caros”, “queridos”, etc.) são usadas normalmente na língua portuguesa e estão longe de virarem língua morta. Já os superlativos absolutos são mais raros, principalmente porque denotam um exagero que poucos escritores se aventuram em empregar. Com um pouco de boa vontade, dá para considerar esses advérbios flexionados no grau máximo como em desuso.

No mais, no link que segue, a poetisa explica as razões do poema (vale a leitura):

https://www.theguardian.com/books/ng-interactive/2020/nov/07/caught-in-times-current-margaret-atwood-on-grief-poetry-and-the-past-four-years

Dearly

It’s an old word, fading now.
Dearly did I wish.
Dearly did I long for.
I loved him dearly.

I make my way along the sidewalk
mindfully, because of my wrecked knees
about which I give less of a shit
than you may imagine
since there are other things, more important –
wait for it, you’ll see –

bearing half a coffee
in a paper cup with –
dearly do I regret it –
a plastic lid –
trying to remember what words once meant.

Dearly.
How was it used?
Dearly beloved.
Dearly beloved, we are gathered.
Dearly beloved, we are gathered here
in this forgotten photo album
I came across recently.

Fading now,
the sepias, the black and whites, the colour prints,
everyone so much younger.
The Polaroids.
What is a Polaroid? asks the newborn.
Newborn a decade ago.

How to explain?
You took the picture and then it came out the top.
The top of what?
It’s that baffled look I see a lot.
So hard to describe the smallest details of how –
all these dearly gathered together –
of how we used to live.
We wrapped up garbage
in newspaper tied with string.
What is newspaper?
You see what I mean.

String though, we still have string.
It links things together.
A string of pearls.
That’s what they would say.

How to keep track of the days?
Each one shining,
each one alone,
each one then gone.
I’ve kept some of them in a drawer on paper,
those days, fading now.
Beads can be used for counting.
As in rosaries.
But I don’t like stones around my neck.

Along this street there are many flowers,
fading now because it is August
and dusty, and heading into fall.
Soon the chrysanthemums will bloom,
flowers of the dead, in France.
Don’t think this is morbid.
It’s just reality.

So hard to describe the smallest details of flowers.
This is a stamen, nothing to do with men.
This is a pistil, nothing to do with guns.
It’s the smallest details that foil translators
and myself too, trying to describe.
See what I mean.
You can wander away. You can get lost.
Words can do that.

Dearly beloved, gathered here together
in this closed drawer,
fading now, I miss you.
I miss the missing, those who left earlier.
I miss even those who are still here.
I miss you all dearly.
Dearly do I sorrow for you.

Sorrow: that’s another word
you don’t hear much any more.
I sorrow dearly.

Juan Vicente Piqueras – Proposta de epitáfio

Quando criança, eu era imortal. Adolescente,
me rebelei contra o que agora sou.
Quando jovem, eu era selvagem. Fiz sofrer
e sofri muito mais do que eu queria. 
Pouco a pouco a morte (era semente
e parecia alheia) foi crescendo
dentro de mim, feliz, recuperando
o que era dela e eu só soube o que era
a vida já muito tarde. Na velhice,
beijava a água e abraçava o ar,
como abraça o enfermo a esperança
ou o náufrago a espera. Nunca o mundo
foi tão bonito como antes de eu partir.
Agora já não existe. Agora sonho
que o que já não sou torna a nascer.

Trad.: Nelson Santander

Propuesta de epitafio

De niño fui inmortal. De adolescente
me rebelé contra lo que ahora soy.
De joven fui salvaje. Hice sufrir
y sufrí mucho más de lo que quise. 
Poco a poco la muerte (era semilla
y parecía ajena) fue creciendo
dentro de mí, feliz, recuperando
lo que era suyo y supe de qué iba
la vida ya muy tarde. En la vejez
besaba el agua y abrazaba el aire
como abraza el enfermo la esperanza
o el náufrago la espera. Nunca el mundo
fue tan hermoso como antes de irme.
Ahora ya no existe. Ahora sueño
que lo que ya no soy vuelve a nacer.

Robert Frost – Diretriz

Recuar de tudo isso agora nos pesa demais,
Recuar para um tempo simplificado pela perda
De detalhes, queimados, dissolvidos, despedaçados,
Como uma escultura de mármore no cemitério ao relento,
Há uma casa que não é mais casa
Numa fazenda que não é mais fazenda
E numa cidade que não é mais cidade.
O caminho até lá, se permitir que um guia o conduza –
Um guia que só tem no coração fazer você se perder,
Pode parecer uma pedreira abandonada –
Grandes joelhos monolíticos que a antiga cidade
Há muito desistiu de fingir manter cobertos.
E há uma história num livro sobre isso:
Além do sulco das rodas de ferro das carroças,
As saliências revelam linhas riscadas sudeste-noroeste,
O trabalho de cinzel de uma enorme geleira
Que firmou os pés contra o Polo Ártico.
Não se espante com certa frieza vindo dele – que,
Dizem, ainda assombra este lado da Panther Mountain.
Nem precisa se importar com o tormento em série
De ser vigiado de quarenta buracos de porão
Como se por quarenta pares de olhos de barris.
Quanto à agitação da floresta sobre você,
Que manda leves farfalhares às suas folhas,
Debite-a à inexperiência presunçosa.
Onde estavam elas há apenas vinte anos?
Elas se vangloriam por terem sombreado
Algumas velhas macieiras bicadas por pica-paus.
Componha uma canção animada de como esta
Já foi a estrada de casa do trabalho de alguém
Que pode estar logo à sua frente a pé
Ou rangendo numa charrete carregada de grãos.
O ápice da aventura é o ápice
Daquela terra onde as culturas de duas aldeias
Se fundiram. Ambas se perderam.
E se agora você estiver perdido o bastante para
Se encontrar, recolha a estrada-escada atrás de si
E pregue uma placa FECHADO para todos, menos para mim.
Então, sinta-se em casa. O único campo
Que resta não é maior que uma ferida de arreio.
Primeiro, a casa de faz-de-conta das crianças,
Louças quebradas sob um pinheiro,
E os brinquedos na casinha das crianças.
Chore pelas pequenas coisas que podiam alegrá-las.
Depois, pela casa que não é mais casa,
Mas apenas um buraco de porão rendilhado de lírios,
Agora se fechando lentamente como uma marca na massa.
Esta não era uma casinha de brinquedo, mas casa de verdade.
Seu destino e sua destinação é
Um arroio que era a água da casa,
frio como nascente ainda perto da fonte,
Alto e original demais para se enfurecer.
(Sabemos que os riachos dos vales, quando despertos,
Deixam farrapos nos arames farpados e espinhos).
Oculta no arco retorcido da raiz
De um velho cedro à beira d’água,
Guardei uma taça partida, como o Graal,
Sob um feitiço para que os errados não a encontrem,
Não possam se salvar, como São Marcos diz que não devem.
(Roubei a taça da casinha de brinquedos das crianças.)
Eis suas águas e seu lugar de beber.
Beba e torne-se inteiro novamente para além da confusão.

Trad.: Nelson Santander

Directive

Back out of all this now too much for us,
Back in a time made simple by the loss
Of detail, burned, dissolved, and broken off
Like graveyard marble sculpture in the weather,
There is a house that is no more a house
Upon a farm that is no more a farm
And in a town that is no more a town.
The road there, if you’ll let a guide direct you
Who only has at heart your getting lost,
May seem as if it should have been a quarry–
Great monolithic knees the former town
Long since gave up pretence of keeping covered.
And there’s a story in a book about it:
Besides the wear of iron wagon wheels
The ledges show lines ruled southeast-northwest,
The chisel work of an enormous Glacier
That braced his feet against the Arctic Pole.
You must not mind a certain coolness from him
Still said to haunt this side of Panther Mountain.
Nor need you mind the serial ordeal
Of being watched from forty cellar holes
As if by eye pairs out of forty firkins.
As for the woods’ excitement over you
That sends light rustle rushes to their leaves,
Charge that to upstart inexperience.
Where were they all not twenty years ago?
They think too much of having shaded out
A few old pecker-fretted apple trees.
Make yourself up a cheering song of how
Someone’s road home from work this once was
Who may be just ahead of you on foot
Or creaking with a buggy load of grain.
The height of the adventure is the height
Of country where two village cultures faded
Into each other. Both of them are lost.
And if you’re lost enough to find yourself
By now, pull in your ladder road behind you
And put a sign up CLOSED to all but me.
Then make yourself at home. The only field
Now left’s no bigger than a harness gall.
First there’s the children’s house of make believe,
Some shattered dishes underneath a pine,
The playthings in the playhouse of the children.
Weep for what little things could make them glad.
Then for the house that is no more a house,
But only a belilaced cellar hole,
Now slowly closing like a dent in dough.
This was no playhouse but a house in earnest.
Your destination and your destiny’s
A brook that was the water of the house,
Cold as a spring as yet so near its source,
Too lofty and original to rage.
(We know the valley streams that when aroused
Will leave their tatters hung on barb and thorn.)
I have kept hidden in the instep arch
Of an old cedar at the waterside
A broken drinking goblet like the Grail
Under a spell so the wrong ones can’t find it,
So can’t get saved, as Saint Mark says they mustn’t.
(I stole the goblet from the children’s playhouse.)
Here are your waters and your watering place.
Drink and be whole again beyond confusion.

Philip Larkin – Um túmulo Arundel

Lado a lado, o rosto indistinto em tudo,
Em pedra, jazem o conde e a condessa;
Seus usos se entreveem na prega espessa,
Numa cota de malha e através
Daquele leve toque do absurdo:
Os cachorrinhos que eles têm aos pés.

Essa simplicidade pré-barroca
Pouco chama a atenção, até à surpresa
Da luva esquerda dele, esta, presa,
Vazia, na outra mão, e até àquela
Terna visão que súbito nos toca:
A da mão nua segurando a dela.

Ninguém pensava em jazer tanto assim.
Tal fidelidade em efígie era um
Detalhe só para os amigos verem:
Requinte encomendado ao escultor
Pra prolongar os nomes em latim
No pedestal, gravados ao redor.

Ninguém imaginava quão veloz,
Na viagem fixa e inerte, o ar haveria
De se mudar nessa muda avaria,
Deixando longe os velhos suseranos,
E os olhos passariam, um após
O outro, a olhar sem ler. Firmes, por anos

Perseveraram, juntos, na extensão
Do tempo. Sem data, a neve caiu.
A luz encheu vitrais a cada estio.
Escória branca de ave foi lançada
No mesmo chão cheio de ossos. Veio, então,
A gente eternamente transformada,

Erodindo sua identidade. E agora,
Inermes, no vazio de um tempo infenso
Às armas, alguidar de fumo denso
Em cordões lentos, pensos, que flutua
Sobre seu mísero quinhão de história,
Somente uma atitude continua:

O tempo os transfigurou numa tal
Mentira. E essa fidelidade em pedra,
Que certamente não buscaram, queda
Como um brasão final, e atesta a voz
Do nosso quase-instinto quase real:
Amor é quanto ficará de nós.

Trad.: Alípio Correia de Franca Neto

An Arundel Tomb

Side by side, their faces blurred,
The earl and countess lie in stone,
Their proper habits vaguely shown
As jointed armour, stiffened pleat,
And that faint hint of the absurd –
The little dogs under their feet.

Such plainness of the pre-baroque
Hardly involves the eye, until
It meets his left-hand gauntlet, still
Clasped empty in the other; and
One sees, with a sharp tender shock,
His hand withdrawn, holding her hand.

They would not think to lie so long.
Such faithfulness in effigy
Was just a detail friends would see:
A sculptor’s sweet commissioned grace
Thrown off in helping to prolong
The Latin names around the base.

They would not guess how early in
Their supine stationary voyage
The air would change to soundless damage,
Turn the old tenantry away;
How soon succeeding eyes begin
To look, not read. Rigidly they

Persisted, linked, through lengths and breadths
Of time. Snow fell, undated. Light
Each summer thronged the glass. A bright
Litter of birdcalls strewed the same
Bone-riddled ground. And up the paths
The endless altered people came,

Washing at their identity.
Now, helpless in the hollow of
An unarmorial age, a trough
Of smoke in slow suspended skeins
Above their scrap of history,
Only an attitude remains:

Time has transfigured them into
Untruth. The stone fidelity
They hardly meant has come to be
Their final blazon, and to prove
Our almost-instinct almost true:
What will survive of us is love.

Philip Roth – [Quando se visita uma sepultura]

Quando se visita uma sepultura, todo mundo tem pensamentos mais ou menos iguais, que, abstraída a questão da eloquência, não diferem muito daqueles que Hamlet expressou ao contemplar o crânio de Yorick. Há muito pouco para se pensar ou dizer que não seja uma variante de “Ele me carregou nos ombros mil vezes”. Num cemitério, a gente costuma se dar conta de como são limitados e banais nossos pensamentos sobre o assunto. Ah, pode-se tentar conversar com o morto, caso você acredite que isso possa ser útil; pode-se começar, como fiz naquela manhã, dizendo: “Muito bem, mamãe…”, porém é difícil não pensar – mesmo que se tenha ido além da primeira frase – que você poderia, do mesmo modo, estar conversando com a coluna vertebral pendurada no consultório de alguma osteopata. Você pode fazer promessas a eles, pô-los a par das últimas notícias, implorar que o compreendam, que o desculpem ou que lhe deem seu amor – ou pode optar por uma abordagem oposta, mais efetiva, arrancando as ervas daninhas, ajeitando os cascalhos, passando o dedo pelas letras gravadas na lápide; pode até se abaixar e pôr as mãos diretamente sobre os vestígios deles – tocando a terra, a terra deles, pode fechar os olhos e recordar-se de como eram quando ainda estavam ao seu lado. Mas nada se modifica com tais recordações, exceto que os mortos parecem ainda mais distantes e fora do alcance do que estavam quando você dirigia o carro dez minutos antes. Se não há ninguém no cemitério para observá-lo, você pode fazer algumas coisas bem doidas a fim de conseguir que os mortos pareçam algo mais do que são. Mas, mesmo que você tenha êxito e se motive suficientemente para sentir a presença deles, ainda assim irá embora sem eles. O que os cemitérios provam, ao menos para gente como eu, não é que os mortos estão presentes, mas que se foram de vez. Eles se foram, enquanto nós, por enquanto, não fomos. Isso é fundamental e, embora inaceitável, bem fácil de compreender.

Philip Roth – Patrimônio (excerto)

Joan Margarit – Perdidos em um conto

Após a demolição, começam as obras
no terreno onde ficava nossa casa.
Aqui li para ti contos
junto à cama até que a luz se apagasse.
Lembro-me daquele lobo que ainda chora
porque não reconhece sua dor
na dor alheia. Com seu sinistro
ruído de ferros, uma escavadeira
remove as terras roxas de ontem
enquanto, defronte a cerca, a princesa
ainda está varrendo as folhas secas
de um palácio sem ecos e sem ninguém.
Reuniões noturnas em escolas vazias.
Madrugadas velando-te a febre.
Um tempo de oscilações e castelos de areia,
dias de zoológico e Walt Disney,
horas pensando em ti, falando de ti.
A noite em que estiveste à beira da morte
ainda não terminou: meu olhar abriu
o mais desolador de seus lugares.
Hoje que falas tantas línguas
desconhecidas, teu potente voo
afastou-te de mim, mas subitamente
estou ouvindo aquela mesma voz
com a qual me chamaste tantas vezes.
Da qual vêm o desprezo e a indiferença
dos monstros da adolescência.
Atrás de ti talvez esteja me chamando
a menina de quem me esqueci e que, apesar disso,
eu sei que tive em meus braços. Talvez deva
dizer-lhe adeus. Minha tenda é a insônia:
teso como um soldado, monto guarda
sob o casaco, entre ninhos desertos
nas ramagens nuas invernais.
A vida nunca cuida de nós.

Trad.: Nelson Santander

Perdidos en un cuento

Tras el derribo empieza a edificarse
el solar donde estuvo nuestra casa.
Aquí te leí cuentos
junto a la cama hasta apagar la luz.
Recuerdo el de aquel lobo que llora todavía
porque no reconoce su dolor
en el dolor ajeno. Con su oscuro
ruido de hierros, una excavadora
remueve rojas tierras del ayer
mientras, ante la valla, la princesa
aún está barriendo la hojarasca
de un palacio sin ecos y sin nadie.
Reuniones en escuelas vacías por la noche.
Madrugadas velándote la fiebre.
Un tiempo de columpios y castillos de arena,
días de zoológico y Walt Disney,
horas pensando en ti, hablando de ti.
La noche que estuviste al borde de la muerte
no ha terminado: mi mirada abrió
el más desolador de sus lugares.
Hoy que hablas tantas lenguas
desconocidas, tu potente vuelo
te ha alejado de mí, pero de pronto
estoy oyendo aquella misma voz
con la que me llamaste tantas veces.
Desde qué monstruos de la adolescencia
vienen la indiferencia y el desprecio.
Detrás de ti quizá me está llamando
la niña que olvidé y que, a pesar de ello,
sé que tuve en mis brazos. Quizá deba
decirle adiós. Mi tienda es el insomnio:
duro como un soldado monto guardia
bajo el capote, entre desiertos nidos
en las desnudas ramas invernales.
La vida nunca cuida de nosotros.