Inês Lourenço – Balada dos Amores Difíceis

Não me refiro aos trágicos Romeu e Julieta
Tristão e Isolda, Pedro e Inês nem a alguns ignorados
ícones como Yourcenar e Grace ou Rimbaud e Verlaine. Refiro-me
aos que se buscam sem saber nada
do fogo que arde sem se ver, órficos cantos, mas côncavos
e convexos se combinam cruzando genes e transitórios
tempos de vida enquanto povoam cidades, salas
de parto, comércios, indústrias, portais, geriatrias. E dos campos deixados
à exportação do vinho e dos litorais ainda com redes
e barcos cresce um ruído de formiga banal e curtida
de pequenos destinos. Esses são os grandes herois
dos amores difíceis
que não ficam no poema.

Ana Martins Marques – Religião

‘If I were called in
to construct a religion
I should make use of water’
– Philip Larkin

Inaugurar uma religião:
adorar os pontos em que se formam
as estações do ano
os gestos de desnudar-se
o dia depois da chuva
a distância: entre uma árvore e outra árvore,
entre cidades com o mesmo nome
em diferentes continentes.
Criar relíquias:
os táxis ao entardecer, as colheres
brilhando ao sol
esboços de mãos e pés
de pintores antigos
as presas ensanguentadas
que nos trazem os gatos.
E ainda outras, íntimas, insensatas
a luz nos seus cabelos
as fotografias de parentes
que não sabemos quem são.
Adotar novas bíblias:
longos romances inacabados
palavras lidas sobre os ombros
de alguém no metrô
poemas clássicos traduzidos
por tradutores automáticos.
Reconhecer enfim o divórcio
como um sacramento.
Na liturgia
tocar como partituras
os mapas das cidades.
E no Natal
só celebrar o que nasce
do sexo
para morrer
de fato.

Inês Lourenço – As Coisa que Cessam

Tanto desprezo
pelo que é transitório e finito. Não servirei
senhor que possa morrer. Mas passamos
a vida a amar todas as fragilidades
das coisas que cessam. Há
coisa mais breve do que um sorriso?
Coisa mais curta que a alegria
de um reencontro? Tudo o que amamos
é passageiro e frágil ou
as duas coisas. Mas persegue-nos
a nostalgia do infindável
como uma tara hereditária.

Amalia Bautista – O Anjo Perplexo

Nunca houve deus, nem virgens, nem santos,
nem ídolo que proteja, nem oração que console;
nunca houve milagres ou maravilhas, nem a salvação da alma, nem a vida eterna;
nem palavras mágicas, nenhum bálsamo eficaz
contra a dor que não desaparece nunca;
nem luz do outro lado das sombras,
nem saída do túnel, nem esperança.
Só nos acompanha nesta jornada
um anjo da guarda perplexo que suporta
a mesma vida de cão que todos levamos.

Trad.: Nelson Santander

Amalia Bautista – El Ángel Perplejo

Nunca hubo dios, ni vírgenes, ni santos,
ni icono que proteja, ni oración que consuele;
nuca ha habido milagros o prodigios,
ni salvación del alma o vida eterna;
ni mágicas palabras, ni bálsamo efectivo
contra el dolor que no remite nunca;
ni luz al otro lado de las sombras,
ni salida del túnel, ni esperanza.
Sólo nos acompaña en esta travesía
un ángel de la guarda perplejo que soporta
la misma vida perra que nosotros.

Mario Quintana – Envelhecer

Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

Amalia Bautista – Agora

Agora que a estrada que devo percorrer
é um viaduto por sobre uma rodovia
do qual dá medo de olhar, porque o abismo
implacável me chama.
Agora que morreu a esperança
como um pássaro jogado de seu ninho
por irmãos mais fortes.
Agora que é noite todo dia,
inverno todo ano
e as semanas só têm segundas-feiras,
para onde olhar, para onde voltar os olhos,
que não encontrem os olhos da morte?

Trad.: Nelson Santander

Ahora

Ahora que el camino que debo recorrer
es un paso elevado sobre una carretera
que da miedo mirar, porque el abismo
implacable me llama.
Ahora que se ha muerto la esperanza
como un pájaro echado de su nido
por hermanos más fuertes.
Ahora que es de noche todo el día,
invierno todo el año
y las semanas sólo tienen lunes,
¿dónde mirar, dónde volver los ojos,
que no encuentre los ojos de la muerte?

Marina Tzvietáieva – Você me Amava

Você me amava: as honestas mentiras
pareciam na verdade ter raiz.
Maior que o tempo, que imenso, imensís-
simo (eu cria) um tal amor que aspiras-

se ser tão grande quanto o meu ardor!
Então, sem mais, a mão abana, o amor
se vai, respiro mal, mal digo a mim:
— Eis a verdade do início e do fim.

Trad.: Décio Pignatari

Amalia Bautista – Os meus melhores desejos

Que a vida te pareça suportável.
Que a culpa não afogue a esperança.
Que não te rendas nunca.
Que o caminho que sigas seja sempre escolhido
entre dois pelo menos.
Que te interesse a vida tanto como tu a ela.
Que não te apanhe o vício
de prolongar as despedidas.
E que o peso da terra seja leve
sobre os teus pobres ossos.
Que a tua recordação ponha lágrimas nos olhos
de quem nunca te disse que te amava.

Trad.: Inês Dias

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Mis Mejores Deseos

Que la vida te sea llevadera.
Que la culpa no ahogue la esperanza.
Que no te rindas nunca.
Que el camino que tomes sea siempre elegido
entre dos por lo menos.
Que te importe la vida tanto como tú a ella.
Que no te atrape el vicio
de prolongar las despedidas.
Que el peso de la tierra sea leve
sobre tus pobres huesos.
Que tu recuerdo ponga lágrimas en los ojos
de quien nunca te dijo que te amaba.

Amalia Bautista – O que fazes aqui

Pensei que havia-te dito adeus,
um adeus definitivo, ao deitar-me
quando pude finalmente fechar meus olhos
e esquecer-me de ti e de tuas artimanhas
de tua insistência, de tua baba ruim,
da tua capacidade de anular-me.
Pensei que havia-te dito adeus
para todo o sempre, e eu acordo
e te encontro novamente junto a mim,
dentro de mim, me envolvendo, ao meu lado,
invadindo-me, sufocando-me, diante
dos meus olhos, na minha vida
à minha sombra, nas minhas entranhas,
em cada pulso do meu sangue, entrando
pelo meu nariz quando eu respiro, espiando
por minhas pupilas, ateando fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora, o que eu faço? Como poderia
banir-te de mim ou acostumar-me
a viver contigo? Comecemos
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.

Trad.: Nelson Santander

Amalia Bautista – Qué haces aquí

Crei que te había dicho adiós,
un adiós contundente, al acostarme
cuando pude por fin cerrar los ojos
y olvidarme de tí y de tus argucias
de tu insistencia, de tu mala baba,
de tu capacidad para anularme.
Creí que te había dicho adiós
del todo y para siempre, y me despierto
y te encuentro denuevo junto a mi,
dentro de mi, abarcándome, a mi vera,
invadiendome, ahogandome, delante
de mis ojos, enfrente en mi vida
debajo de mi sombra, en mis entrañas,
en cada pulso de mi sangre, entrando
por mi nariz cuando respiro, viendo
por mis pupilas, arrojando fuego
en las palabras que mi boca dice.
Y ahora ¿que hago yo? ¿como podría
desterrarte de mi o acostumbrarme
a convivir contigo? empezaremos
por demostrar modales impecables.
Buenos dias, tristeza.

Tomas Tranströmer – Minnena Ser Mig (em duas traduções)

Memórias que me Observam

Manhã de Junho, cedo demais para acordar,
tarde demais para adormecer.

Tenho de sair – é densa a folhagem das
memórias, perseguem-me com o seu olhar.

Não se deixam ver, misturam-se todas
com o fundo, verdadeiros camaleões.

Tão perto estão que as ouço respirarem
aqui onde o canto do pássaro ensurdece.

     Trad.: José Eduardo Reis


As recordações olham para mim

Uma manhã de Junho quando ainda é cedo para acordar
mas demasiado tarde para voltar a pegar no sono.

Embrenho-me pelo arvoredo repleto de recordações
e elas seguem-me com os seus olhares.

Autênticos camaleões, elas não se mostram,
diluem-se literalmente no cenário.

E embora o gorjeio dos pássaros seja ensurdecedor,
estão tão perto de mim que ouço como respiram.

     Trad.: Alexandre Pastor

MINNENA SER MIG

En junimorgon då det är för tidigt
att vakna men för sent att somna om.

Jag måste ut i grönskan som är fullsatt
av minnen, och de följer mig med blicken.

De syns inte, de smälter helt ihop
med bakgrunden, perfekta kameleonter.

De är så nära att jag hör dem andas
fast fågelsången är bedövande.