Joan Margarit – Inverno de 95

Esta carta a escrevo para alguém
que está em um barco pelo norte
de Tenerife, em cinquenta e sete.
Um rapaz que, da amurada,
mira o duro poente sobre o mar
e estuda arquitetura em Barcelona,
para onde retorna agora. Aviso-te
com um sinal de alerta: a alegria
que sentes ao deixar teu pai para trás
revela a solidão sob uma luz dourada.
Teu pai já te espera,
outra vez, no porto de chegada:
não te conhece e olha para nenhuma parte,
nada diz e tampouco te responde.
Lentamente, com o dorso da mão
roças-lhe a face enquanto lhe falas
como se tratasse de ti mesmo,
como se o amanhã fosse agora.
O ontem nos espera no amanhã,
vai sempre mais depressa que nós.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Invierno del 95

Esta carta la escribo para alguien
que va en un barco por el norte
de Tenerife, en el cincuenta y siete.
Un muchacho que, desde la baranda,
mira el férreo poniente sobre el mar
y estudia arquitectura en Barcelona,
adonde vuelve ahora. Te aviso
con un gesto de alarma: la alegría
que sientes al dejar tu padre atrás
muestra la soledad bajo una luz dorada.
Tu padre ya te espera,
otra vez, en el puerto de llegada:
no te conoce y mira hacia ninguna parte,
nada dice y tampoco te contesta.
Despacio, con el dorso de la mano
le rozas la mejilla mientras le hablas
como si se tratase de ti mismo,
igual que si el mañana fuese ahora.
El ayer nos espera en el mañana,
va siempre más deprisa que nosotros.

Joan Margarit – Piscina

Não temia a água, mas a ti,
era teu medo o que eu temia,
e o lugar mais profundo,
em que não se veem os azulejos do fundo.
Arrastaste-me até lá, lembro ainda
a força de teus braços obrigando-me,
enquanto tentava abraçar-me a ti.
Não aprendi a nadar até muito tempo depois,
e esqueci tuas tentativas de ensinar-me.
Agora que já nunca voltarás a nadar
vejo, aos meus pés, a água azul, imóvel.
Compreendo que eras tu quem se abraçava
a mim para atravessar aqueles dias.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Piscina

No le temía al agua, sino a ti,
era tu miedo lo que yo temía,
y el lugar más profundo,
en el que no se ven las baldosas del fondo.
Me arrastraste hacia allí, recuerdo aún
la fuerza de tus brazos obligándome,
mientras trataba de abrazarme a ti.
No aprendí a nadar hasta mucho después,
y olvidé tus intentos de enseñarme.
Ahora que ya nunca volverás a nadar
veo, a mis pies, el agua azul, inmóvil.
Comprendo que eras tú quien se abrazaba
a mí para cruzar aquellos días.

Joan Margarit – Alguém

Tinha que salvar-me com seus olhos azuis
cravados ainda
em uma lembrança da adolescência,
a estranha fase de precipitar-se,
sem queixa nenhuma, ao fundo do abismo.
Do bonde, a fugaz imagem
de uma garota em uma varanda,
e o número de um telefone anotado
como uma cicatriz na memória.
Nunca estive a seu lado, inventava
seu transparente corpo em um espelho
onde depois me vi com sarcasmo
e também com profética tristeza.
Não me salvou quando chegou a adolescência
nem quando aos cinquenta, na era rubra,
outros olhos azuis me miraram.
Era a mesma mulher: nada desaparece
da urdidura de sonhos que recordam.
Talvez já fosse muito tarde, ou falso,
ou eu estivesse atrás – já – do espelho.
Ou, talvez, ser salvo seja tão só
agarrar-se às rochas sem jamais
comprazer-se em fitar o abismo,
e apesar disso poder ver um véu
de tristeza em lugares onde seus olhos
ainda desafiam o esquecimento.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Quién

Tenía que salvarme con sus ojos azules
clavados todavía
en un recuerdo de la adolescencia,
la extraña edad para precipitarse,
sin queja alguna, al fondo del abismo.
Desde el tranvía, la fugaz imagen
de una muchacha en el balcón,
y el número marcado de un teléfono
como una cicatriz en la memoria.
Nunca estuve a su lado, me inventaba
su transparente cuerpo en un espejo
donde después me he visto con sarcasmo
y también con profética tristeza.
No me salvó al llegar la adolescencia
ni cuando a los cincuenta, en la edad roja,
otros ojos azules me miraron.
Fue la misma mujer: nada desaparece
de la urdimbre de sueños que recuerda.
Quizá ya era muy tarde, o era falso,
o yo estaba detrás —ya— del espejo.
O, quizá, ser salvado es tan sólo
aferrarse a las rocas sin jamás
complacerse en mirar hacia el abismo,
y a pesar de ello poder ver un velo
de tristeza en lugares donde aún
sus ojos desafían al olvido.

Joan Margarit – De repente está claro

De repente está claro. O amor é a vitória
que irá me destruir. Como me gangrena
o coração a solidão, como me destroça
nas janelas do crepúsculo a hiena
desolada e exangue. Na era rubra
só o amor nos livra da gélida
gruta do tempo. Conheci
a glória de estar desesperado e a miséria
do bem estar que oferece a derrota.
Entre ruínas de lágrimas deixo-lhes
cartas e versos, sombras que dirão
o quanto eu amei. E talvez,
no âmago mais indefeso de uma mulher,
solitário, serei eternamente amante.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – De pronto está claro

De pronto está claro. El amor es la victoria
que me ha de destruir. Cómo me gangrena
el corazón la soledad, cómo me destroza
en los cristales del crepúsculo la hiena
desolada y sangrante. En la edad roja
sólo el amor nos libra de la gélida
cueva del tiempo. Conocí la gloria
de estar desesperado y la miseria
del bienestar que ofrece la derrota.
Entre ruinas de lágrimas os dejo
cartas y versos, sombras que dirán
hasta dónde he amado. Y tal vez,
en lo más indefenso dentro de una mujer,
solitario, seré por siempre amante.

Joan Margarit – No álbum

És tu antes de partir,
quando ainda vivias em casa.
O olhar brilhante que nos recompensava.
Teu nome foi ficando para trás,
na foto de onde ainda nos sorris
como se tudo fosse para sempre
e nada tivesse acontecido em outro lugar,
nem no sorriso que hoje desconhecemos,
longe do que teu rosto exibe neste álbum.
Este sorriso, agora, é só para nós:
convive com cartas, bonecas e desenhos,
suvenires que desvelam a manhã
que entra pela tua varanda. Às vezes pronunciamos
teu nome de um jeito mais jovial, como antes.
Talvez assim continues aqui
e teu nome preserve as memórias mais fiéis
para seguir contigo ao nosso lado.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

En El Álbum

Eres tú antes de irte,
cuando vivías todavía en casa.
La mirada brillante que nos recompensó.
Tu nombre se nos fue quedando atrás,
en la fotografía donde aún nos sonríes
como si todo fuese para siempre
y nada sucediera en otro sitio,
ni en la sonrisa que hoy desconocemos,
lejos de la que tiene tu cara en este álbum.
Esta sonrisa, ahora, sólo es para nosotros:
convive con las cartas, muñecas y dibujos,
recuerdos que desvela la mañana
que entra por tu balcón. A veces pronunciamos
tu nombre de una forma más joven, como antes.
Quizá de esta manera continúas aquí
y tu nombre protege los recuerdos más fieles
para vivir contigo a nuestro lado.

Joan Margarit – Vida Social

Idealizavas esta solidão
para ouvir música ou ler,
e caminhar no inverno junto ao mar.
Mas a solidão é uma chuva
que suja as janelas deste trem dos anos.
A solidão é a palavra cruel
do acre ressentimento familiar.
É a lei do acaso, um labirinto injusto.
É não ter dinheiro, é ter medo.
É o sexo, uma estranha pista falsa
que conduz ao mais cruel dos espelhos.
É não ter desculpas pelo que não viveste.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Joan Margarit – Vida Social

Idealizabas esta soledad
de escuchar música o leer,
de vagar en invierno junto al mar.
Pero la soledad es una lluvia
que ensucia los cristales de este tren de los años.
La soledad es la palabra cruel
del agrio malhumor de la familia.
Es la ley del azar, un laberinto injusto.
Es no tener dinero, es tener miedo.
Es el sexo, una extraña pista falsa
que conduce al más cruel de los espejos.
Es no tener excusa por lo que no has vivido.

Joan Margarit – El Primer Frío

Acompanhei-te até o museu, no parque,
em uma manhã de inverno. Detivemo-nos
diante daquela escultura: El primer frío1.
Era de mármore cinzento: um velho, nu,
olha ao longe, entre as folhas mortas
que o vento carrega.
A arte não é diferente da vida,
lembro que disseste. Mas eu
via apenas um mármore frio,
um tanto retórico, e pensava em garotas.
Entre aquele dia e hoje, como um mar,
minha vida se expandiu.
E se aproximam, singrando este mar cinzento,
cascos negros de embarcações, minhas recordações.
Retorno ao museu nesta manhã de inverno
e estou pensando em ti ao cruzar o parque:
olho ao longe, entre as folhas mortas
que o vento carrega.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Joan Margarit – El Primer Frío

Te acompañé al museo, en el parque,
una invernal mañana. Nos paramos
ante aquella escultura: El primer frío.
Era de mármol gris: un viejo que, desnudo,
mira a lo lejos entre la hojarasca
que va arrastrando el viento.
El arte no es distinto de la vida,
recuerdo que dijiste. Pero yo
veía solamente un mármol frío,
más bien retórico, y pensaba en chicas.
Entre aquel día y hoy, igual que un mar,
se ha extendido mi vida.
Y se acercan, surcando este mar gris,
cascos negros de buques, mis recuerdos.
Vuelvo al museo esta invernal mañana
y voy pensando en ti al cruzar el parque:
miro a lo lejos entre la hojarasca
que va arrastrando el viento.

  1. Escultura em mármore branco de Miguel Blay i Fábregas (1892) (vide a foto que ilustra o poema), representando um homem idoso nu com uma jovem menina, interpretada como alegoria da passagem do tempo e da fragilidade da vida. Obra-prima da escultura catalã, exposta no Museu Nacional d’Art de Catalunya (Barcelona) e no Museu Nacional de Belas Artes (Buenos Aires). ↩︎

Joan Margarit – Astapovo

De madrugada, quando só se ouvem
relógios no escuro,
eu o imagino, com seus oitenta anos,
fugindo em um trem russo que ia para o sul,
de lugar nenhum, para onde os velhos sonham ir.
Tolstói temia aquele inverno
que o acompanhou durante a velhice
até o leito de morte ferroviário,
na noite em que o telégrafo
transmitiu a mais breve e cruel
de todas as suas mensagens.
Quis correr mais rápido que o frio,
mas seu trem foi coberto para sempre
pelos flocos de neve que caíam
na gare de Astapovo.
Iniciei minha fuga muito antes,
pois aprendi com Tolstói
que é preciso entrar na última estação
em alta velocidade. Assim a morte,
sem tempo para nos avisar com sinais,
agitando uma lanterna nos linhas,
com um golpe certeiro,
muda a direção dos trilhos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Joan Margarit – Astápovo

De madrugada, cuando sólo se oyen
relojes en lo oscuro,
me lo imagino, a sus ochenta años,
huyendo en un tren ruso que iba al sur
de ningún sitio, adonde los viejos quieren ir.
Tolstoi temía aquel invierno
que le siguió durante su vejez
hasta el lecho de muerte ferroviario,
la noche en que el teclado del telégrafo
transmitió el más breve y cruel
de todos sus relatos.
Quiso correr más rápido que el frío,
pero su tren quedó cubierto para siempre
por los copos de nieve que caían
en la estación de Astápovo.
Yo he empezado la fuga mucho antes,
porque aprendí de Tolstoi
que hay que entrar en la última estación
a gran velocidad. Así la muerte,
sin tiempo de avisarnos con señales
agitando un farol desde las vías,
de un golpe seco, cambia las agujas.

Joan Margarit – Banheiro

Cuido para que não caias ao banhar-te,
e ao secar-te as costas sigo suavemente
a grande cicatriz da espinha.
O futuro está sempre na janela.
Tua vida é este pequeno espaço
de tua cama e tua música, este céu
de umas poucas pessoas e uma casa.
E pela primeira vez
não estarei mais contigo.
Não virei mesmo que me chames.
Ficarei te olhando
nas fotografias dos álbuns
que folheias amiúde. Teu herói
ainda não aprendeu a lidar com a morte.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Joan Margarit – Cuarto de Baño

Cuido que no te caigas al ducharte,
y al secarte la espalda sigo con suavidad
la larga cicatriz del espinazo.
El futuro está siempre en la ventana.
Tu vida es este pequeño espacio
de tu cama y tu música, este cielo
de unas pocas personas y una casa.
Y por primera vez
ya no estaré contigo.
No vendré aunque me llames.
Me quedaré mirándote
en las fotografía de los álbumes
que hojeas a menudo.
Tu héroe no ha aprendido aún a morir.

Joan Margarit – Por que fomos covardes

Não poderás esquecer meu corpo esguio e ágil.
Sempre farás amor com uma sombra
de olhos azuis, e estarás tão só
como em uma vingança.
Ao longe, as luzes de Roses cintilam
assim como a minha memória.
Há uma fúria triste, mas ninguém no final.
Perdemos o cavalo sem cavaleiro
que nunca passa uma segunda vez.

Trad.: Nelson Santander

Por si fuésemos cobardes

No podrás olvidar mi cuerpo esbelto y ágil.
Siempre harás el amor con una sombra
de ojos azules, y estarás tan solo
como en una venganza.
A lo lejos, las luces de Roses centellean
igual que mi memoria.
Hay una furia triste, pero nadie al final.
Perdimos el caballo sin jinete
que nunca pasa por segunda vez.