Não ponhas o dedo
na ferida. Deixa
a dor respirar
em segredo.
L delor
Nun pongas l dedo
na frida. Deixa
l delor ceçar
an segredo.
Nelson Santander
Não ponhas o dedo
na ferida. Deixa
a dor respirar
em segredo.
Nun pongas l dedo
na frida. Deixa
l delor ceçar
an segredo.
Não quero que te vás
dor, última maneira
de amar. Sinto-me vivo
quando me martirizas
não em ti, nem aqui,
além: no chão, no ano
de onde tu vieste,
naquele amor por ela
e tudo o que foi.
Nessa realidade
submersa que nega
a si mesma e se empenha
em nunca ter havido,
que só foi um pretexto
que achei para viver.
Se tu não fosses minha,
ó dor, irrefutável,
até creria nisso;
porém, és o que eu tenho.
Tua lei me assegura
que nada foi mentira.
E enquanto eu te sentir,
Tu serás pra mim, dor,
a prova de outra vida
em que não me doías.
A prova indiscutível
De que ela me amou,
Sim, de que ainda a amo.
Trad.: Nelson Santander
Pedro Salinas – No quiero que te vayas
No quiero que te vayas
dolor, última forma
de amar. Me estoy sintiendo
vivir cuando me dueles
no en ti, ni aquí, más lejos:
en la tierra, en el año
de donde vienes tú,
en el amor con ella
y todo lo que fue.
En esa realidad
hundida que se niega
a sí misma y se empeña
en que nunca ha existido,
que sólo fue un pretexto
mío para vivir.
Si tú no me quedaras,
dolor, irrefutable,
yo me lo creería;
pero me quedas tú.
Tu verdad me asegura
que nada fue mentira.
Y mientras yo te sienta,
tú me serás, dolor,
la prueba de otra vida
en que no me dolías.
La gran prueba, a lo lejos,
de que existió, que existe,
de que me quiso, sí,
de que aún la estoy queriendo.
VI
Nada de mergulhos. É na superfície
que o real, minúsculo plâncton, se trai.
Sentidos, sentimentos e outros moluscos
não passam pela finíssima peneira
do funcional. E o sofrimento, ai,
esse nefando pinguim de louça
sobre o que deveria ser, na quiti-
nete do eu, uma austera geladeira…
Que ninguém nos ouça: guarda esse escafandro, meu
filho. Só o raso é cool. A dor é kitsch.
Não há dor
partilhável
nem lamento
que se ouça
É pequeno
o destino
do teu sonho
e do meu
Se alguém
te viu passar
se o caminho
te pertence
segue
e sorri
O meu modo de saber é adoecendo.
A uns, a ideia surge em luz.
A mim, se declara
uma pontada no peito.
O advento da dor,
o deflagrar da súbita febre
e eu sei que o meu corpo sabe.
Um dia destes
me desconhecerei vivo
desfalecido de aguda sapiência.
Até lá
repartirei com um anjo
o doce milagre da refeição.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
IV
Só não dói mais porque não é preciso.
Se fosse o caso, a dor era pior.
Não há nada nisso de extraordinário:
A natureza odeia o desperdício,
tal como o vácuo. Sem tirar nem pôr.
É exatamente a conta necessária,
até que alguma solução se encontre.
O que aliás não acontece nunca.
E isso também é natural. No entanto
há sempre um tralalá, um deus, um bálsamo
pra não perder a esperança e o bonde:
A caixa de bombons. A “Marcha húngara”
de Liszt. Ou Brahms. Um dos dois. Ou não. Tanto
faz. A dor continua. Hoje é sábado.