Um poema, dizes, em que
o amor se exprima, tudo
resumindo em palavras.
Mas o que fica
nas palavras
daquilo que se viveu?
Um pó de sílabas,
o ritmo pobre da
gramática, rimas sem nexo…
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Vinicius de Moraes – Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.
REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 14/08/2020
Ana Martins Marques – Batata Quente
Vinicius de Moraes – Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.
Eduardo Affonso – Labereda temporã
É possível voltar a se apaixonar com meio século de vida? Acreditar em amor eterno depois de amores eternos terem durado tão pouco? Em amor sem traição depois de ter traído tanto?
E por que querer de novo a ansiedade diante do telefone que não toca, da carta que não chega, da campainha que não soa? Agora, bem sei, seria diferente — não há mais cartas, quem chama é o porteiro, pelo interfone. Mas abriríamos quantas vezes a caixa de entrada dos e-mails, verificaríamos de quantos em quantos segundos se a mensagem foi visualizada?
Drummond derrapou na curva dos 50; Borges, na dos 75; Niemeyer, perto dos 100. Eram gênios, e aos gênios são concedidos dons inacessíveis aos mortais. Como o de transformar sílaba e concreto em poesia — logo, também, resignação em esperança.
Para a maioria de nós, entretanto, a paixão não sobrevive ao advento do juízo, dos cabelos brancos, do direito de estacionar nas melhores vagas e de furar a fila nos bancos. É que, assim como os ossos se tornam menos densos, o coração enrijece. Se enche de sangue mais vagarosamente. Não consegue acelerar nas subidas íngremes que a geografia do desejo nos reserva.
Já teremos, nessa idade, descoberto que há a paixão e a paixão. São, ambas, substantivos femininos, mas tão diferentes entre si quanto duas mulheres podem ser. Uma é “sentimento, entusiasmo, predileção ou amor tão intensos que se sobrepõem à lucidez e ofuscam a razão”. É a paixão de Riobaldo, de Anna Karenina, de Florentino Ariza. A outra, “sofrimento, martírio”, como a paixão de Cristo.
Vivenciamos as duas, misturadas, impelidos pelos hormônios, pelo relógio biológico, pela urgência de “Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de todos os lados, / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, / Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos / Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.” Fernando Pessoa pode ter sido contido e prosaico nos seus parcos amores, mas Álvaro de Campos sabia o que era estar apaixonado.
A paixão é mais fácil quando a carne é firme e, paradoxalmente, fraca. Quando os olhos enxergam melhor e veem menos. Quando a memória é perfeita e, ainda assim, se esquece tudo com maior facilidade.
Aprendemos a distinguir a paixão adolescente — essa vocação para idealizar, essa aventura de estar à deriva — do amor maduro, cheio de compreensão pelos defeitos do outro, ancorado do porto seguro do companheirismo. Cada um viria a seu tempo, cada um teria sua ocasião — como o tempo de plantar, o tempo de colher.
Mas e quando os batimentos cardíacos aceleram e não há cloridrato de propafenona ou chá de casca de limão que deem jeito? Quando a ansiedade não baixa nem com o combo de maracujina, Netflix e diazepam? A única coisa a fazer é aparar a barba, cortar o cabelo e tocar um tango argentino.
Manuel António Pina – Amor como em Casa
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo.Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro.Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Rui Caeiro – “Ainda atacas…”
Ainda atacas
como pode atacar um amor já ido
lá de vez em quando ainda atacas
irrompes num súbito alarme
sacodes-me de alto a baixo
impiedosa
mente
sacodes
me
e devagar te afastas
como um sol a por
se
in http://editora-alambique.blogspot.com.br/2014/08/blog-post.html
Idea Vilariño – Ou foram nove
Talvez tivemos só sete noites
não sei
não as contei
como poderia ter feito.
Talvez não mais que seis
ou foram nove.
Não sei,
mas valeram a pena
como o amor mais duradouro.
Talvez
com quatro ou cinco noites dessas,
mas precisamente como essas,
talvez
seja possível viver
como de um longo amor
uma vida inteira.
Trad.: Nelson Santander
Idea Vilariño – O fueron nueve
Tal vez tuvimos sólo siete noches
no sé
no las conté
cómo hubiera podido.
Tal vez no más que seis
o fueron nueve.
No sé
pero valieron
como el más largo amor.
Tal vez
de cuatro o cinco noches como esas
pero precisamente como esas
tal vez
pueda vivirse
como de un largo amor
toda una vida.
Eira Stenberg – Falar de Amor
Falar de amor,
do que não se pode falar –
desse beco sem saída que é o espelho
onde alguém pende de cabeça
em uma árvore invisível
com as pernas cingindo um ramo
como se lutasse contra a gravidade
e abrisse a boca
sem emitir som algum.
Ou falar
como se o amor fosse uma porta
e o pesar sua chave
e por detrás da porta uma árvore em chamas
agora visível,
um feto esticasse as pernas e emergisse
na superfície,
e te falasse, trovador
que joga tua cabeça de uma mão para a outra
como um dado,
e te entregasse uma folha fresca
encerrado o dilúvio.
Trad.: Nelson Santander
Eira Stenberg – Hablar de amor
Hablar de amor,
de lo que no se puede hablar –
de ese callejón sin salida que es el espejo
de donde alguien pende de cabeza
en un árbol invisible
con las piernas atenazando una rama
como si luchase contra la gravedad
y abriese la boca
sin emitir sonido alguno.
O hablar
como si el amor fuese una puerta
y el pesar su llave
y detrás de la puerta un árbol en llamas
ahora visible,
un feto estirase las piernas y emergiese
a la superficie,
y te hablase, juglar
que arrojas tu cabeza de una mano a la otra
como un dado,
y te tendiese una hoja fresca
acabado el diluvio.
Rosa Leveroni i Valls – De “Epigramas e Canções”
Eu levo dentro de mim
para fazer-me companhia
a solidão apenas.
A solidão imensa
do amor infinito
que queria ser terra,
ar e sol, mar e estrela,
para que fosses mais meu,
para que eu fosse mais tua.
Trad.: Nelson Santander
Rosa Leveroni i Valls – De “Epigrames i cançons”
Jo porto dintre meu
per fer-me companyia
la solitud només.
La solitud immensa
de l’estimar infinit
que voldria ésser terra,
aire i sol, mar i estrella,
perquè fossis més meu,
perquè jo fos més teva.