Javier Salvago – Variações sobre um velho tema

Os violinos de Verlaine.
Os sonhados caminhos da tarde, de don Antonio.*
Um velho cheiro de campo.
Um velho cheiro de lápis e cadernos.
O céu cinzento.
O vento entre as árvores.
A carícia das primeiras chuvas.
A tristeza sem causa.
A solidão sonora.
A noite, cada vez mais escura e prolongada.
Um cigarro que, subitamente, tem o sabor do primeiro cigarro.
Uma velha canção que te devolve os teus quinze anos.
Toda tua vida em imagens, que surgem atropeladamente como
em um filme mal editado…

É chegado o outono.

Trad.: Nelson Santander

*N. do T.: o poeta se refere ao famoso poema “Chanson D’Automne”, de Verlaine (https://singularidadepoetica.art/2019/04/02/paul-verlaine-chanson-dautomne-em-seis-traducoes/ ) e ao  poema “Yo voy soñando caminos”, do poeta espanhol Antonio Machado (Sevilla, 26/07/1875 – Colliure, 22/02/1939), que pode ser acessado nesse link: https://albalearning.com/audiolibros/machado/yovoysonando.html 

Variaciones sobre un viejo tópico

Los violines de Verlaine.
Los soñados caminos de la tarde, de don Antonio.
Un viejo olor a campo.
Un viejo olor a lápices y a cuadernos.
El cielo gris.
El viento entre los árboles.
La caricia de las primeras lluvias.
La tristeza sin causa.
La soledad sonora.
La noche, cada vez más oscura y más larga.
Un cigarrillo que de pronto te sabe al primer cigarrillo.
Una antigua canción que te devuelve tus quince años.
Toda tu vida en imágenes, que acuden atropelladamente como
en una película mal montada…

Ha llegado el otoño.

Javier Salvago – Tesouro divino

A juventude passou.
Tudo está bem quando acaba.
Não voltaria a ser jovem
nem que me pagassem.

Começar a andar de novo
pelo caminho trilhado
dos sonhos ilusórios
e das verdades vagas?

Começar de novo
com as velhas batalhas
e suas velhas feridas?
Voltar aos velhos hábitos,

à noite, ao inferno,
ao gosto pela vida
má? Fazer de tudo
o que é comédia um drama?

Voltar a alimentar-me
de mitos e falácias,
de modas e movimentos,
de palavras gastas?

Carregar sobre os ombros
a fastidiosa carga
de ser interessante,
original?… Que saco!

Fiar-se, como ontem,
na vã esperança
de que tudo será
melhor amanhã?

Ter a vida inteira
pela frente — tanto tempo —,
com o que se passou
para atravessa-la?

A juventude se foi.
Tudo está bem quando acaba.
Nunca voltarei a ser jovem,
graças a Deus.

Trad.: Nelson Santander

Divino tesoro

La juventud pasó.
Bien está lo que acaba.
No volvería a ser joven
ni aunque me lo pagaran.

¿Echar a andar de nuevo
por la senda trillada
de los sueños ilusos
y las verdades vagas?

¿Empezar otra vez
con las viejas batallas
y sus viejas heridas?
¿Volver a las andadas,

a la noche, al infierno,
al gusto por la mala
vida? ¿Hacer de todo,
lo que es comedia, un drama?

¿Volver a alimentarme
de mitos y falacias,
de modas y movidas,
de palabras gastadas?

¿Llevar sobre los hombros
la fastidiosa carga
de ser interesante,
original?… ¡Qué lata!

¿Confiar, como ayer,
en la vana esperanza
de que todo será
mejor en el mañana?

¿Tener toda la vida
por delante —tan larga—,
con lo que uno ha pasado
para ir medio pasándola?

La juventud se fue.
Bien está lo que acaba.
No volveré a ser joven,
a Dios gracias.

Javier Salvago – Quinta-feira Santa

A mesma lua, o mesmo
aroma de laranjeiras
perfumando as ruas,
onde a vida explode

em uma multidão de corpos
que se atraem e se buscam.
Calor de primavera
na pele e no ar.

Jovens incansáveis,
como nós naquela época,
percorrem a cidade
bêbados de desejo

— jovens com invernos
de abstinência, que sentem,
como Ele, que também
seu reino não é deste mundo —.

Os tambores lembram
que estão indo para o patíbulo.
Diante de virgens chorosas,
com despudor, os deuses

que vão morrer se beijam
— como os deuses que ontem fomos —,
sem remédio nem culpa,
na cruz dos anos.

Trad.: Nelson Santander

Jueves Santo

La misma luna, el mismo
perfume del naranjo
aromando las calles,
donde la vida estalla

en multitud de cuerpos
que se atraen y se buscan.
Calor de primavera
en la piel y en el aire.

Jóvenes incansables,
como entonces nosotros,
recorren la ciudad
borrachos de deseo

— jóvenes con inviernos
de abstinencia, que sienten,
como Aquél, que tampoco
su reino es de este mundo —.

Los tambores recuerdan
que se marcha al patíbulo.
Ante llorosas vírgenes,
con descaro, se besan

dioses que morirán
— como el dios que ayer fuimos —,
sin remedio ni culpa,
en la cruz de los años.

Javier Salvago – Retrato

Fala pouco, e a bem poucos
se permite chamar de amigos,
segue adiante se há tumulto,
não visita os vizinhos,

cruza a rua fumando,
sempre voltado para dentro,
vendo o mundo de fora
como quem lê um livro,

enredado – sem saída –
no próprio labirinto,
mas nem surdo nem cego
nem indiferente nem frio:

um solitário que vive
com uma mulher e um filho.

Trad.: Nelson Santander

Retrato

Habla poco, y a muy pocos
se atreve a llamar amigos,
pasa de largo si hay bulla,
no visita a sus vecinos,

cruza la calle fumando,
siempre dentro de sí mismo,
viendo el mundo desde fuera
igual que quien lee un libro,

atrapado — sin salida —
en su propio laberinto,
pero ni sordo ni ciego
ni indiferente ni frío:

un solitario que vive
con una mujer y un niño.

Javier Salvago – No verso de uma velha fotografia

Os Beatles ainda não tinham surgido, nem haviam abatido Che Guevara.

Nat King Cole cantava ansiedad de tenerte en mis brazos ou solamente una vez se entrega el alma.

e no cinema talvez exibissem Sete noivas para sete irmãos.

O comandante Armstrong ainda não havia deixado sua profana pegada no rosto esburacado da lua.

Os velhos seguiam contando histórias da guerra ao calor da fogueira.

Estavam longe o Vietnã, os hippies, a Primavera, Maio1 e esta discreta liberdade… para fazer o quê?

Trad.: Nelson Santander

  1. O autor se refere provavelmente à “Primavera de Praga”, evento social ocorrido na antiga Tchecoslováquia entre janeiro e agosto de 68, e ao movimento havido no mês de maio de 68 na França que ficou conhecido como o “Maio de 68”. ↩︎

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Al dorso de una vieja fotografía

Todavía no habían llegado los Beatles, ni habían acribillado a Che Guevara.

Nat King Cole cantaba por la radio ansiedad de tenerte en mis brazos o solamente una vez se entrega el alma.

y en el cine tal vez ponían Siete novias para siete hermanos.

Todavía el comandante Armstrong no había dejado su profana huella sobre el picado rostro de la luna.

Todavía los viejos seguían contando historias de la guerra al calor de la lumbre.

Quedaban lejos Vietnam, los hippies, la Primavera, el Mayo y esta discreta libertad… ¿para hacer qué?

Javier Salvago – Ano Novo

Como as coisas não podiam
ficar pior
– escreveu Kafka,
em seu Diário – melhoraram.

Como eu gostaria, ante este negro
e inóspito horizonte que se abre,
diante de mim – como mais um ano,
ou como menos um ano -,
de poder dizer o mesmo.
Mas sinto
que ainda não cheguei ao fundo,
que há mais miséria, mais dor, mais tédio
mais adiante, que as coisas
podem piorar.
Que o pior, por assim dizer,
ainda está por vir.

Trad.: Nelson Santander

Javier Salvago – Año Nuevo

Como las cosas no podían
ir a peor
— escribió Kafka,
en su Diario —, mejoraron.

Cómo me gustaría, ante este negro
e inhóspito horizonte que se abre,
ante mí — como un año más,
o como un año menos —,
poder decir lo mismo.
Pero siento
que no he tocado fondo,
que hay más miseria, más dolor, más tedio
más adelante, que las cosas
pueden empeorar.
Que lo peor, como quien dice,
aún está por llegar.

Nota do tradutor: 1º de janeiro de 2019: o dia em que Jair Messias Bolsonaro tomou posse como o 38º Presidente da República Federativa do Brasil. Ano novo?

Javier Salvago – Um pouco mais sábios, um pouco mais cegos

Quando você não é mais jovem, se convence
de que o diabo sabe mais porque é velho
e admite que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
Talvez não. Talvez a vida só
se nos mostre uma vez – quando temos
olhos para aprecia-la – e depois vamos
esquecendo seu rosto e seu segredo.

Trad.: Nelson Santander

Javier Salvago – Un poco más sabios, un poco más ciegos

Cuando uno ya no es joven, se convence
de que el diablo sabe más por viejo,
y admite que los años nos enseñan
a distinguir la realidad del sueño.
Y, acaso, no. Quizá la vida sólo
se nos muestra una vez — cuando tenemos
ojos para apreciarla — y luego vamos
olvidando su rostro y su secreto.

Javier Salvago – Convém não esquecer

Por esta via
que chamam vida, vamos
com cautela devida,

tal qual um cego.
Mas em cinzas termina
todo e qualquer fogo.

Trad.: Nelson Santander

Javier Salvago – Conviene no Olvidarlo

Por esta senda,
que llaman vida, todos
vamos a tientas,

igual que un ciego.
En ceniza terminan
todos los fuegos.

Javier Salvago – Fim de Festa

Enfim sós, vida. A festa acabou
e não há mais ninguém que possa nos obrigar
a forçar sorrisos, ou a inventar incômodas
mentiras piedosas. Todos sumiram.

Despe-te sem medo. Conheço
as velhas rugas de tua carne triste.
Acariciei-as. Sei o que teu rosto
oculta por baixo da maquiagem.

Enfim sós, vida. A casa em silêncio
e tu e eu nus, calados e ausentes,
– juntos por rotina, mais que por desejo –
como dois amantes cansados de se verem.

Trad.: Nelson Santander

Javier Salvago – Fin de Fiesta

Al fin solos, vida. Terminó la fiesta
y no queda nadie que pueda obligarnos
a forzar sonrisas, ni a inventar molestas
mentiras piadosas. Todos se han marchado.

Vete desnudando sin miedo. Conozco
las viejas arrugas de tu triste carne.
Las he acariciado. Sé lo que tu rostro
oculta debajo de ese maquillaje.

Al fin solos, vida. La casa en silencio
y tú y yo desnudos, callados y ausentes
— juntos por rutina, más que por deseo —
como dos amantes cansados de verse.