Nelson Santander – Chuva

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Escrito em 1993(?)

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/02/2016

Adam Zagajewski – O velho pintor em uma caminhada

Em seus bolsos, petiscos para os cães da vizinhança
Agora ele mal enxerga
Quase não nota as árvores, as casas suburbanas
Ele conhece cada pedra deste lugar
Pintei tudo tentei pintar meus pensamentos
E capturei tão pouco
O mundo ainda cresce, cresce incessantemente
E no entanto há sempre menos dele

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão em inglês vertida do Polonês por Clare Cavanagh

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The Old Painter on a Walk

In his pockets treats for local dogs
He sees almost nothing now
He almost doesn’t notice trees suburban villas
He knows every stone here
I painted it all tried to paint my thoughts
And caught so little
The world still grows it grows relentlessly
And yet there is always less of it

Philip Larkin – Este Seja o Poema

Teu pai e mãe fodem contigo.
Que não o queiram, tanto faz.
Passam-te cada podre antigo,
além de uns novos, especiais.

Mas de cartola e fraque, outrora,
fodera-os já do mesmo modo,
gente ora austero-piegas, ora
se engalfinhando cega de ódio.

Miséria é o que legamos: fossas
num mar que só fica mais fundo.
Dá o fora, pois, tão logo possas
sem pôr nenhum filho no mundo.

Trad.: de Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 19/02/2016

This be the Verse

They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
And half at one another’s throats.

Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
And don’t have any kids yourself.

Louise Bogan – Canção

Ama-me porque estou perdida;
Ama-me em minha ruína.
Isso é coragem, — nenhum homem,
Nem um sequer almejou tal sina.

Sê forte, olha para o meu coração
Como outros olham meu semblante.
Ama-me — digo-te: ali é um lugar
Terrível e decadente.

Trad.: Nelson Santander

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Song

Love me because I am lost;
Love me that I am undone.
That is brave,—no man has wished it,
Not one.

Be strong, to look on my heart
As others look on my face.
Love me,—I tell you that it is a ravaged
Terrible place.

Amadeu Amaral – Névoa

Tudo isto há de passar, decerto, muito em breve…
Branca névoa sutil, ir-se-á quando o sol nasça;
branco sonho de amor, passará, como passa
pelas ondas em fúria uma garça de neve.

Passará dentro em pouco, imitando a fumaça
que se evola e se esvai nas curvas que descreve.
Fumaça de ilusão, força é que o vento a leve,
força é que o vento a leve, e disperse, e desfaça.

Que importa! Uma ilusão que nos alegra e afaga
há de ser sempre assim, no mar bravo da vida,
como a espuma que fulge e morre sobre a vaga.

Esta me há de fugir, esta que hoje me inflama!
E antes vê-la fugir como uma luz perdida
que possuí-la na mão como um pouco de lama…

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/02/2016

Seamus Heaney – Uma ligação

‘Espere’, ela disse, ‘Vou lá fora chamá-lo.
O clima aqui está tão bom que ele aproveitou
Para capinar um pouco’.
Então eu o vi
Ajoelhado ao lado do canteiro de alho-poró,
Tocando, inspecionando, separando um
Talo do outro, delicadamente arrancando
Tudo o que não era afilado, frágil e sem folhas,
Satisfeito ao sentir cada pequena raiz de erva daninha se partir,
Mas pesaroso também…

Então me peguei ouvindo
O grave e amplificado tique-taque dos relógios no corredor,
Onde o telefone jazia esquecido em uma calma
De vidro espelhado e pêndulos ensolarados…

E me peguei então pensando: se fosse hoje,
É assim que a Morte convocaria o Homem Comum.

No instante seguinte ele falou, e eu quase disse que o amava.

Trad.: Nelson Santander

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A call

‘Hold on,’ she said, ‘I’II just run out and get him.
The weather here’s so good, he took the chance
To do a bit of weeding.’
So I saw him
Down on his hands and knees beside the leek rig,
Touching, inspecting, separating one
Stalk from the other, gently pulling up
Everything not tapered, frail and leafless,
Pleased to feel each little weed-root break,
But rueful also…

Then found myself listening to
The amplified grave ticking of hall clocks
Where the phone lay unattended in a calm
Of mirror glass and sunstruck pendulums …

And found myself then thinking: if it were nowadays,
This is how Death would summon Everyman.

Next thing he spoke and I nearly said I loved him.

Lêdo Ivo – Epitalâmio

A terra cessa de girar, para que eu te ame.
Não há mais Dia e Noite, meu amor.
Somos hóspedes do impossível. Tudo é verdade
e as horas irrompem como vulcões.
O mar não clama, embora ainda exista.

Para os que amam, como nós, as rotações foram

abolidas,

os séculos assumem a forma de um instante,
e os corpos giram, planetas nas almas imóveis.

 

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/02/2016

Seamus Heaney – Recesso escolar

Passei a manhã toda na enfermaria da escola1
Contando os sinais que marcavam o fim das aulas.
Às duas horas, os vizinhos me levaram para casa.

Na varanda, encontrei meu pai chorando —
Ele que sempre enfrentara funerais com serenidade —
E Big Jim Evans dizendo que fora um duro golpe.

O bebê balbuciava e sorria balançando o carrinho
Quando entrei, e me senti constrangido
Com os velhos que se levantavam para apertar minha mão

E dizer que ‘lamentavam minha perda’.
Sussurros informavam aos estranhos que eu era o mais velho,
E estudava fora, enquanto minha mãe segurava minha mão

na dela e soltava suspiros secos e raivosos.
Às dez horas, a ambulância chegou
Com o corpo, já limpo e enfaixado pelas enfermeiras.

Na manhã seguinte, subi até o quarto. Campainhas-brancas
E velas suavizavam a cabeceira; vi-o
Pela primeira vez em seis semanas. Mais pálido agora,

Com um hematoma de papoula na têmpora esquerda,
Jazia em uma caixa de quatro pés, como em seu berço.
Sem cicatrizes evidentes, o para-choque o arremessara longe.

Uma caixa de quatro pés, um pé para cada ano.

Trad.: Nelson Santander

  1. O poema foi inspirado pela morte do irmão mais novo de Heaney, Christopher, que faleceu tragicamente aos quatro anos de idade, após ser atropelado por um carro. O evento ocorreu quando Heaney estava no internato, e a experiência de retornar para casa e confrontar o luto familiar moldou a carga emocional e reflexiva do poema. ↩︎

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Mid-Term Break

I sat all morning in the college sick bay
Counting bells knelling classes to a close.
At two o’clock our neighbours drove me home.

In the porch I met my father crying—
He had always taken funerals in his stride—
And Big Jim Evans saying it was a hard blow.

The baby cooed and laughed and rocked the pram
When I came in, and I was embarrassed
By old men standing up to shake my hand

And tell me they were ‘sorry for my trouble’.
Whispers informed strangers I was the eldest,
Away at school, as my mother held my hand

In hers and coughed out angry tearless sighs.
At ten o’clock the ambulance arrived
With the corpse, stanched and bandaged by the nurses.

Next morning I went up into the room. Snowdrops
And candles soothed the bedside; I saw him
For the first time in six weeks. Paler now,

Wearing a poppy bruise on his left temple,
He lay in the four-foot box as in his cot.
No gaudy scars, the bumper knocked him clear.

A four-foot box, a foot for every year.

Domingos Carvalho da Silva – Mensagem

Longe, muito longe, um país nos contempla.
Um país de silício e saibro, de água salgada e sol
Onde os peixes não chegam, os corvos não assistem.
Onde os náufragos se afogam no incêndio
do solitário dia
eterno.

Longe, muito longe, onde a areia reflete
as escamas da lua;
onde só os mortos vão beijar a praia,
estaremos um dia.

Nas impassíveis furnas há de reinar o vácuo.
Nossa voz secará como crestada
haste de palha.

Lá estaremos, amiga, e, em odres de óleo ardente,
entraremos no mundo mineral. E então
a terra florescerá. E do teu corpo
germinarão gardênias e andorinhas
e o mundo ressurgirá da abolição da morte.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/02/2016

Gerard Fanning – Ala St Charles

Os notívagos arrastam contágio
Pelos longos corredores.
Fitando o barco postal de Dublin,
Eles imaginam as bandeiras do Titanic,
Ou sua flotilha fantasmagórica,
Deslizando para dar forma
Ao naufrágio do meridiano de Greenwich.
Por mais que o mundo opere de forma confiante,
Os dias se confundem aqui,
O crepúsculo funde-se à fosforescência desbotada,
Torneiras imitam cachoeiras sem nomes,
E, no canto do quarto,
Perto da sala de desinfecção acortinada,
Algo luminoso evolui,
Nosso leitor de cardápio tropeça nas palavras,
Meu velho amigo é auxiliado a descer
Para a ala de transplantes,
E um a um nos despedimos
Com um aceno de cabeça e um sorriso.

Trad.: Nelson Santander

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St Charles Ward

The nightwalkers drag contagion
Down the long corridors.
Staring at Dublin’s mailboat
They imagine the flags of the Titanic,
Or its ghostly flotilla,
Gliding out to formulize
The wreck of the Greenwich meridian.
However confident the world works,
Days blur here,
Twilight fuses the bleached phosphorescence,
Taps mimic the unnamed waterfalls,
And in the corner of the room,
Near the curtained sluice alcove
Something bright evolves,
Our menu reader slurs his lines,
My old friend is helped down
To the transplant ward,
And one by one we sign off
With a nod and a smile.