Jeannie Prinsen – Ao encontrar uma pedra para colocar no caixão do pai

Na manhã do funeral, você dirige
até a fazenda. Melhor não incomodar

os novos donos, além disso a pista
está enlameada e esburacada, então você

sai da estrada, abre as portas,
e examina o chão cheio de poças.

Talvez a pedra certa se ofereça,
voluntarie-se para prestar um tributo

e voltar humildemente para debaixo da terra,
como ele está prestes a fazer. Mas

não, está tudo silencioso, só se ouve
o suave e sinuoso lamento da chuva.

O tempo se esvai, como sempre,
então você escolhe uma, pequena o suficiente

para o propósito. Você jamais pensou
que colocaria uma parte de seu lar,

de seu coração, em uma caixa forrada
de veludo, que ela tingiria

seus dedos de vermelho-ferrugem, pesaria quase
nada, significaria quase tudo.

Trad.: Nelson Santander

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On finding a stone to put in your father’s casket

Morning of the funeral, you drive out
to the farm. Best not to disturb

the new owners, also the lane
is muddy and rutted, so you pull in

off the road, open the doors,
scan the puddled ground.

Maybe the right stone will offer
itself, volunteer to stand tribute

and go humbly back under the earth
as he is about to do. But

no, all is quiet, just the soft
slant weeping of rain.

Time slips away, as it does,
so you pick one, small enough

for the purpose. Did you ever think
you’d place a piece of home,

of your heart, in a velvet-lined
drawer, that it would stain

your fingers rust-red, weigh nearly
nothing, mean almost everything.

Edna St. Vincent Millay – dois poemas de “A few Figs from Thistles”

“A few Figs from Thistles” (excertos)1

Primeiro Figo

Meu círio arde nas duas extremidades;
Não durará a noite inteira;
Mas ah, meus inimigos, oh, meus confrades –
Dá uma luz tão feiticeira! –

Segundo Figo

Sobre sólida rocha, a salvo, repousam as casas feias:
Venha e veja meu brilhante castelo erigido sobre a areia!

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 08/09/2020

  1. N. do T.: “A few Figs from Thistles” – título do livro do qual foram extraídos os dois poemas – é uma clara referência a um versículo do evangelho de Mateus: “Pelos seus frutos os conhecereis. É possível alguém colher uvas de um espinheiro ou figos das ervas daninhas?” (Mateus, 7:16). Aliás, uma outra passagem bíblica do mesmo apóstolo é aludido no “Segundo Figo”. Esta: “Pois, todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia.”(Mateus, 7:26). ↩︎

From “A few Figs from Thistles”

First Fig

My candle burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends –
It gives a lovely light! –

Second Fig

Safe upon the solid rock the ugly houses stand:
Come and see my shining palace built upon the sand!

Gary Snyder – Parta agora

Você não vai querer ler isso,
leitor,
esteja avisado, afaste-se
da escuridão,
parta agora.

— sobre a morte e a
morte da amada — não é meditação vaga
ou homilia, não se trata de ironia,
de deus ou de uma revelação ou
aceitação do — ou batalha contra o —
fim de nossa vida,
é sobre como os olhos
afundam e os dentes se destacam
depois de alguns dias quentes.
Seu último
suspiro, e eu ainda não estava pronto
para que aquele suspiro, o derradeiro, finalmente
chegasse. Após dez longos anos.
Tão magra que as articulações apareciam,
cada tendão e saliência.
Buda, descendo da montanha
depois de todo aquele jejum,
parecia mais rechonchudo que ela.
“I met a walking
skeleton, his name was Thomas Quinn”1
cantávamos
naquele tempo em que
ela mal conseguia andar, mas andava.
Eu lhe ministrava os remédios todas as noites e sempre
nos beijávamos doce e ferozmente depois da aplicação;
beijávamo-nos com força, e nossos dentes se chocavam, seus
lábios ressequidos, ferozes, ela era toda
ossos, respiração e olhos.

Não fazíamos amor há oito anos,
ela tinha orifícios que drenavam o tempo todo
em seus flancos, novos que surgiam,
fase final — e ela falava quando conseguia.

Filhas, mãe, irmã, primos, amigos
entravam e saíam do quarto. Até mesmo a
enfermeira calejada estava em lágrimas.

“Goodnight sweetheart, well it’s time to go.”2
nosso dueto, rostos colados,
nas últimas seis semanas

Ela observava os pássaros fazendo ninho
na árvore do lado de fora.
Então ela morreu.
Eu a limpei com uma esponja e vesti nela uma blusa
com mangas para cobrir os cotovelos descarnados,
um vestido longo e diáfano
como o de Mumtaz Mahal —

Eu estava só. Então eles vieram.
Uma filha exclamou:
“Ela é um cadáver!” e ficou paralisada
do lado de fora no deque. Fazia calor.
No terceiro dia
a van da funerária veio buscá-la,
recuando até perto da porta,
Ajudei a enrolá-la nos lençóis,
deslizei-a em uma maca e a levei até o carro,
e eles subiram a colina de cascalho áspero
nosso grupo familiar ali em silêncio
enquanto eu me virava, prendia a respiração
e fechava os olhos para o céu.

Cinco dias de calor e eles me chamaram,
apenas Kai3 e eu, para testemunhar a cremação.
Com custo extra. Só nós dois
queríamos estar lá, para ver.
Seguimos a limusine
por um pátio de concreto com caçambas de cascalho,
passamos por um portão e chegamos
a um galpão de chapas metálicas
coberto de mato que antes era uma oficina
até a sala da fornalha e da chaminé,
que parecia um forno de cerâmica,
onde caixões de papelão vazios
se espalhavam empilhados ao redor.

Havia um jovem em uma escrivaninha
preenchendo papéis, suando, enquanto
dispúnhamos o incenso e o sino, a vela;
e fui até o leve caixão de papelão
e abri a tampa. O cheiro me atingiu como um golpe.
Eu pensara que a funerária
tivesse algum tipo de refrigeração,
como uma câmara fria,
talvez tivesse. Mas isso não ajudou muito.
Seu rosto magro mais afundado, desidratado,
olhos ainda abertos mas opacos, dentes mais proeminentes, seu corpo,
seu corpo com certeza, o corpo da minha doce senhora
reduzido ao essencial, e coloquei dois livros sobre
seu peito, livros que ela escrevera,
para levá-los em sua jornada, olhei-a de novo
e mais uma vez,
fechei e assenti.

Ele a enrolou com cuidado, deslizou a
caixa para dentro da fornalha, fechou a porta com firmeza,
como quem carrega um torpedo,
queimamos incenso e entoamos os
sutras sobre a impermanência e por todos os seres que viveram
ou que ainda viverão; coisas escritas apenas em magia
e apenas para os mortos — não para você, caro leitor —
observando o medidor de temperatura da fornalha,
alimentada a propano, subir progressivamente.

Então agora podemos ir.
Talvez eu saiba para onde ela foi —

Kai e eu mais uma vez
demos um profundo suspiro
— este é o preço do apego —

“Valeu a pena. Sem dúvida, valeu a pena —”

Ainda apaixonado, estando ali,
vendo e cheirando e sentindo,
pensando em adeus,

valeu até mesmo pelo cheiro.

Trad.: Nelson Santander

  1. A menção a “Thomas Quinn” e a imagem do “esqueleto ambulante” foram extraídos da canção popular “The State of Arkansas”, dos Almanac Singers, e seus versos “Met a walking skeleton / Whose name was Thomas Quinn” (Conheci um esqueleto / ambulante, seu nome era Thomas Quinn). Essa canção, que retrata as duras condições de vida dos trabalhadores agrícolas do Arkansas, utiliza a metáfora do esqueleto para simbolizar a exaustão física e a desnutrição. ↩︎
  2. “Boa noite, querida; bem, é hora de ir”. Os versos se referem à canção “Goodnight Sweetheart, Goodnight”, uma das canções mais populares do grupo vocal britânico The Overtones. Essa balada atemporal, com melodias suaves e letras românticas, se tornou um clássico do repertório do grupo.” ↩︎
  3. Um dos filhos de Gary Snyder com Masa Uehara – terceira esposa do poeta – com quem foi casado de 1967 a 1989. ↩︎

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Go Now

You don’t want to read this,
reader,
be warned, turn back
from the darkness,
go now.

— about death and the
death of a lover — it’s not some vague meditation
or a homily, not irony,
no god or enlightenment or
acceptance — or struggle — with the
end of our life,
it’s about how the eyes
sink back and the teeth stand out
after a few warm days.
Her last
breath, and I still wasn’t ready
for that breath, that last, to come
at last. After ten long years.
So thin that the joints showed through,
each sinew and knob
Shakyamuni coming down from the mountain
after all that fasting
looked plumper than her.
“I met a walking
skeleton, his name was Thomas Quinn” —
we sang
back then
she could barely walk, but she did.
I gave her the drugs every night and we always
kissed sweetly and fiercely after the push;
kissed hard, and our teeth clacked, her
lips dry, fierce, she was all
bones, breath and eyes.

We hadn’t made love in eight years
she had holes that drained all the time
in her sides, new ones that came,
end game — and she talked when she could.

Daughters, mother, sister, cousins, friends
in and out of the room. Even the
hardened hospice nurse in tears.

“Goodnight sweetheart, well it’s time to go.”
our duet, cheek to cheek,
for that last six weeks

She watched the small nesting birds
in the tree just outside.
Then she died.
I sponged her and put on a blouse
with sleeves to cover gaunt elbows,
a long gauzy skirt
like Mumtaz Mahal —

I was alone. Then they came.
One daughter cried out
“She’s a corpse!” and stood fixed
outside on the deck. It was warm.
The third day
the van from the funeral home came for her,
backing up close to the door,
I helped roll her into the sheets
slid on a gurney and wheeled to the car
and they drove up the rough gravel hill
our family group standing there silent
as I turned, held my breath,
closed my eyes to the sky.

Five days of heat and they called me,
just Kai and me, to come witness cremation.
It cost extra. Only the two of us
wanted to be there, to see.
We followed the limousine
through a concrete-yard with hoppers of gravel
through a gate beyond that
to an overgrown
sheet metal warehouse that once was a body-shop
to the furnace and chimney room,
it looked like a kiln for a potter,
there were cardboard coffins
stacked up empty around.

The young man at a desk and a table
filling out papers, sweating, as we
set out the incense and bell, the candle,
and I went to the light cardboard coffin
and opened the lid. The smell hit like a blow.
I had thought that the funeral home
had some sort of cooling
like a walk-in
maybe they did. But it didn’t much help.
Her gaunt face more sunken, dehydrated,
eyes still open but dull, teeth bigger, her body,
her body for sure, my sweet lady’s body
down to essentials, and I placed two books on
her breast, books she had written,
to send on her way, looked again
and again,
and closed it and nodded.

He rolled it up close, slid the
box in the furnace, locked down the door,
like loading a torpedo
we burned incense and chanted the
texts for impermanence and all beings who have lived
or who ever will yet; things writ only in magic
and just for the dead — not for you dear reader
watching the temperature gauge on the furnace,
firing with propane, go steadily up.

So now we can go.
Maybe I know where she’s gone —

Kai and I one more time
take a deep breath
— this is the price of attachment —

“Worth it. Easily worth it —”

Still in love, being there,
seeing and smelling and feeling it,
thinking farewell,

worth even the smell.

Ted Kooser – Sobrevivendo

Há dias em que o medo da morte
é tão onipresente quanto a luz. Ele ilumina
tudo. Sem ele, talvez eu não
tivesse notado esta joaninha,
brilhante como uma gota de sangue
no peitoril branco da janela.
Sua cabeça não maior que um ponto final,
seus olhos como pontas de agulhas;
ela parou por um instante para descansar,
joelhos travados, élitros ocultando
a renda delicada de suas asas.
À medida que o medo da morte, tão atento
a tudo o que vive, dela se aproxima,
as minúsculas antenas param de se mover.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 06/09/2020

Surviving

There are days when the fear of death
is as ubiquitous as light. It illuminates
everything. Without it, I might not
have noticed this ladybird beetle,
bright as a drop of blood
on the window’s white sill.
Her head no bigger than a period,
her eyes like needle points,
she has stopped for a moment to rest,
knees locked, wing covers hiding
the delicate lace of her wings.
As the fear of death, so attentive
to everything living, comes near her,
the tiny antennae stop moving.

Clint Smith – Acima da terra

Por semanas, é impossível sair sem que o canto
das cigarras nos envolva, a nós três, como uma colcha.
A árvore em nosso quintal tornou-se o santuário delas,
um lugar onde todas parecem se reunir

e cantar suas primeiras e derradeiras canções.
Aproximamo-nos e vemos como seus exoesqueletos
adornam a casca como espectros dourados,
sombras abandonadas por seus corpos

em busca de nova vida.
Um de vocês tem quatro anos. A outra tem dois.
Na próxima vez que as cigarras emergirem da terra,
vocês terão vinte e um e dezenove.

Penso em quanto pode mudar entre esses ciclos.
Quanto do nosso planeta ainda estará intacto?
Que tipo de sociedade as cigarras encontrarão
quando novamente aflorarem da terra?

Quando elas chegam, vocês dois ficam assustados
com esse novo ruído que paira no ar,
com esses pequenos corpos alados laranja e pretos
que caem do céu como chuva nova.

Elas não picam, eu digo.
Mas vocês não acreditam.
Então, estendo a mão para um dos galhos
e permito que uma dessas criaturas de olhos alaranjados suba

em meu dedo. Vocês a observam explorar minha mão
familiarizando-se com a carne de minha palma,
seus olhos se arregalando com a revelação de que essa visitante
pouco frequente não tem interesse em perfurar minha pele.

E talvez isso seja o bastante, porque agora
vocês tentam pegar cigarras do chão
e coletá-las em baldes como se fossem tesouros.
E talvez sejam mesmo.

Talvez o tesouro esteja no que morre quase
tão rápido quanto se ergue da terra.
Talvez tesouro seja qualquer coisa que nos lembre
o milagre de estar vivo.

Trad.: Nelson Santander

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Above Ground

For weeks, we can’t go outside without the cicadas’
song wrapping itself around the three of us like a quilt.
The tree in our front yard has become their sanctuary,
a place where they all seem to congregate

and sing their first and final songs.
We get closer, and see the way their exoskeletons
ornament the bark like golden ghosts,
shadows abandoned by their bodies

searching for new life.
One of you is four years old. One of you is two.
The next time the cicadas rise out of the earth
you will be twenty-one and nineteen.

I think of how much might change between these cycles.
How much of our planet will still be intact?
What sort of societies will the cicadas return to
when they next make their way up from the earth?

When they first arrive, you are both frightened
of this new noise that hangs in the air,
of these small orange-and-black-winged bodies
that fall from the sky like new rain.

They don’t bite, I say.
But neither of you believes me.
So I reach out to one of the branches
and allow one of the orange-eyed creatures to climb

onto my finger. You both watch it roam around my hand
as it becomes familiar with the flesh of my palm,
your eyes widening at the revelation that this infrequent
visitor has no interest in piercing my skin.

And maybe that is enough, because now
you both try to pick up cicadas from the ground
and collect them in buckets as if they are treasure.
And maybe they are.

Maybe treasure is in what dies almost
as quickly as it rises from the earth.
Maybe treasure is anything that reminds you
what a miracle it is to be alive.

Walter de la Mare – Chapim

Se quiseres ganhar uma feliz companhia
Pendures em um tronco uma fendida noz
Futilmente verde, que balança e rodopia,
Seu níveo miolo como isca; e um veloz
Chapim irás testemunhar que nela se enfia.

Fora dos vastos domínios estranhos do ar,
Fora mesmo de todo verão, indo e voltando,
Ele pousa e brinca com as penas de encantar,
Faz ressoar seu acorde selvagem e brando,
E carrega todas as provisões para lá —

Esta pequena forma da vida; esta entida-,
de, por um momentâneo e humano pedido,
Emplumará sua asa, de clarão tingida,
Baterá seu tambor estridente e divertido —
E no Nada do Tempo, imensidão infinda,
Voará para muito longe, doce-nutrido.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 02/09/2020

Titmouse

If you would happy company win,
Dangle a palm-nut from a tree,
Idly in green to sway and spin,
Its snow-pulped kernel for bait; and see
A nimble titmouse enter in.

Out of earth’s vast unknown of air,
Out of all summer, from wave to wave,
He’ll perch, and prank his feathers fair,
Jangle a glass-clear wildering stave,
And take his commons there —

This tiny son of life; this spright,
By momentary Human sought,
Plume will his wing in the dappling light,
Clash timbrel shrill and gay —
And into Time’s enormous Nought,
Sweet-fed, will flit away.

Maya C. Popa – Tudo o que foi criado

As árvores estavam à beira de uma ressurreição tão repentina
que você não o perceberia de um dia para o outro,

ver-se-ia de repente dentro disso, o verde claro se abrindo
para revelar o que sempre suspeitamos ser verdade:

que cada coisa que brilha tem em seu âmago um ocultamento
que se oferece quando você está prestes a parar de procurar.

Em seu trigésimo ano, Juliana1 estava morrendo. Não há outro jeito
de descrever a sequência de eventos, a crescente lacuna

entre dois tipos de vida: a vivida e a
lembrada. E cristo veio até onde ela estava deitada,

febril e desamparada, sentou-se ao seu lado em vestes de veludo,
e abriu a palma para mostrar-lhe uma avelã

dizendo isso é tudo o que foi criado. Eu não saberia o que é a misericórdia
se não parecesse com isso, e a confundiria com amor,

embora ela também seja isso. Eu entendo
se você não está preparado para crer em milagres,

as horas passando de uma invisível mão para outra,
mas Juliana viveu até os setenta e três anos, no século quatorze.

Talvez a vida seja pouco mais do que a nossa própria cegueira diminuindo;
olhe, ele disse, continue olhando. Quão pequeno e redondo é o nosso sofrimento.

Trad.: Nelson Santander

  1. Juliana de Norwich (1342 – c. 1416) foi uma mística e anacoreta inglesa, amplamente reconhecida como uma das figuras mais importantes da literatura religiosa medieval. Autora de Revelations of Divine Love, a primeira obra escrita em inglês por uma mulher, Juliana era conhecida por suas visões espirituais, que experimentou durante uma grave enfermidade aos 30 anos de idade, acreditando estar à beira da morte. Uma de suas visões mais famosas é a de Cristo lhe mostrando uma pequena avelã na palma da mão, simbolizando o universo. Cristo teria dito a ela: “Isso é tudo o que foi criado”. A avelã representava a totalidade da criação, sustentada pelo amor divino, reforçando a ideia de que, apesar de sua pequenez e fragilidade, tudo o que existe é preservado pela misericórdia de Deus. Essa visão aparece no poema de Maya C. Popa como uma metáfora da percepção humana do mundo e da experiência do sofrimento. ↩︎

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All That Is Made

The trees were on the verge of rebirth so sudden
you’d miss it from one day to the next,

would be suddenly alive in it, the pale green bending open
to reveal what we’d always suspected was the case:

that every bright thing has at its heart a hiddenness
it offers when you’ve just about stopped looking.

In her thirtieth year, Julian was dying. No other way
to describe the proceeding of events, the widening gap

between two kinds of life: the one lived and the one
remembered. And Christ came to where she lay

fevered and helpless, sat by her bedside in velvet robes,
and opened his palm to show her a hazelnut

saying this is all that is made. I wouldn’t know mercy
unless it looked like this, and I’d mistake it for love,

though that, too, is what it is. I understand
if you’re not prepared to believe in miracles,

the hours passed from one invisible hand to the next,
but Julian lived to seventy-three in the fourteenth century.

Maybe life’s little more than our own blindness easing;
look, he said, keep looking. How small and round our suffering.

Mary Oliver – Nos bosques de Blackwater

Veja, as árvores
estão transformando
seus próprios corpos
em pilares

de luz,
exalando a rica
fragrância de canela
e completude,

as longas velas
de taboas
explodem e flutuam sobre
as orlas azuis

das lagoas,
e cada lagoa,
não importa seu
nome, nome

não tem agora.
A cada ano
tudo o que já
aprendi

em minha vida
me leva de volta a isto: os incêndios
e o rio negro da perda
cuja outra margem

é a salvação,
e cujo significado
nenhum de nós jamais saberá.
Para viver neste mundo

você deve ser capaz
de fazer três coisas:
amar o que é mortal;
cingi-lo

no peito, sabendo
que sua própria vida depende disso;
e, quando chegar a hora de deixa-lo ir,
deixa-lo ir.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 19/08/2020

In Blackwater Woods

Look, the trees
are turning
their own bodies
into pillars

of light,
are giving off the rich
fragrance of cinnamon
and fulfillment,

the long tapers
of cattails
are bursting and floating away over
the blue shoulders

of the ponds,
and every pond,
no matter what its
name is, is

nameless now.
Every year
everything
I have ever learned

in my lifetime
leads back to this: the fires
and the black river of loss
whose other side

is salvation,
whose meaning
none of us will ever know.
To live in this world

you must be able
to do three things:
to love what is mortal;
to hold it

against your bones knowing
your own life depends on it;
and, when the time comes to let it
go,
to let it go.

Dorianne Laux – Apenas enquanto o dia durar

Em breve, ela não será mais que um pensamento fugaz,
uma pontada, um rufar de vento nos sinos, colheres tortas
penduradas nos beirais na primeira noite em uma nova casa
numa rua onde nenhum cachorro uiva, nenhum gato visita
um gato vizinho no meio da rua, serpenteando
e esfregando pelo com pelo, lançando faíscas.

Seus átomos estão lá fora, circulando a Terra, sem
sua felicidade, sem seu pesar, apenas os átomos
da água de seu corpo, os átomos de seus cabelos, ossos e dentes,
os átomos de sua carne, os átomos da embriaguez, de seus salgadinhos
e queijo e chá, mas não os átomos de seu concerto para
piano, os átomos de sua risada e da crueldade, os átomos de suas
mentiras, dos lírios ao longo da entrada da garagem e seus chinelos,
Senhor, os chinelos dela, onde estão eles agora?

Trad.: Nelson Santander

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Only as the Day Is Long

Soon she will be no more than a passing thought,
a pang, a timpani of wind in the chimes, bent spoons
hung from the eaves on a first night in a new house
on a street where no dog sings, no cat visits
a neighbor cat in the middle of the street, winding
and rubbing fur against fur, throwing sparks.

Her atoms are out there, circling the earth, minus
her happiness, minus her grief, only her body’s
water atoms, her hair and bone and teeth atoms,
her fleshy atoms, her boozy atoms, her saltines
and cheese and tea, but not her piano concerto
atoms, her atoms of laughter and cruelty, her atoms
of lies and lilies along the driveway and her slippers,
Lord her slippers, where are they now?

Jane Kenyon – Poderia ter sido diferente

Levantei da cama
sobre duas pernas saudáveis.
Poderia ter sido
diferente. Nutri-me
de cereal, leite
açucarado, e um imaculado
pêssego maduro. Poderia
ter sido diferente.
Levei o cachorro morro acima,
até o bosque de bétulas.
Passei a manhã inteira
fazendo o trabalho que amo.

Ao meio dia, deitei
com meu companheiro. Poderia
ter sido diferente.
Jantamos juntos
à mesa com castiçais
de prata. Poderia
ter sido diferente.
Dormi numa cama
num quarto com quadros
nas paredes, e
planejei outro dia
igual a este.
Mas um dia, eu sei,
será diferente.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 17/08/2020

N. do T.: A poetisa e tradutora Jane Kenyon faleceu de leucemia, em abril de 1995, aos 47 anos de idade, pouco depois de escrever este poema. Mais do que ninguém, ela sabia que, em breve, tudo seria diferente.

Otherwise

I got out of bed
on two strong legs.
It might have been
otherwise. I ate
cereal, sweet
milk, ripe, flawless
peach. It might
have been otherwise.
I took the dog uphill
to the birch wood.
All morning I did
the work I love.

At noon I lay down
with my mate. It might
have been otherwise.
We ate dinner together
at a table with silver
candlesticks. It might
have been otherwise.
I slept in a bed
in a room with paintings
on the walls, and
planned another day
just like this day.
But one day, I know,
it will be otherwise.