David Ignatow – Para a minha filha

Quando eu morrer, escolhe uma estrela
e dá-lhe o meu nome
para que saibas que
não te abandonei
nem te esqueci.
Foste para mim uma estrela,
guiando-me pelo teu nascimento
e infância, minha mão
na tua mão.

Quando eu morrer,
escolhe uma estrela e dá-lhe
o meu nome para que eu possa brilhar
sobre ti, até que te juntes a mim
na escuridão e no silêncio
juntos.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 09/06/2020

For My Daughter

When I die choose a star
and name it after me
that you may know
I have not abandoned
or forgotten you.
You were such a star to me,
following you through birth
and childhood, my hand
in your hand.

When I die
choose a star and name it
after me so that I may shine
down on you, until you join
me in darkness and silence
together.

Jack Gilbert – Dali até aqui

De minha colina, avisto a rodovia e uma gaivota
que alça voo, negra contra o cume cinza.
Ela sobe lentamente e se dissolve no céu luminoso.
Certamente, nossa lenta e inexorável extinção nos leva a um estado
de graça. Como nomear tal perplexidade?

Aqui, confronto-me com minha irrelevância perante o amor,
com a ternura desconcertante de que
sou feito. O sol se põe e renasce.
A lua surge e se oculta. Eu vivo
com o ar matinal e as nuances do ar noturno.
Começo a envelhecer.

Os navios zarpam e se perdem.
Zarpam e se perdem.
Deixando-me com sua assombrosa estranheza
e a imperfeição dos pássaros. Enquanto o tempo todo
me esforço por compreender essa felicidade que alcancei.

O que lembro de minha queda de nove andares
através do grande abeto é a torrente de verde.
E a suavidade do meu pesar na ambulância, rumo
à morte iminente, olhando para as árvores que se afastavam.

O que lembro da espinha esmagada
é ver Linda desmaiar, repetidas vezes,
deslizando pela parede branca da sala de raios X
enquanto meu doce corpo se debatia sobre a maca de aço
incapaz de suportar tanta dor. Isso,
e esperar, nos anos seguintes, pela ardência
nas pontas dos dedos, que anunciaria,
segundo os médicos, o início da paralisia.

O que mais lembro dos quatro anos de convalescença
na Grécia, Dinamarca, Londres e Grécia, é Linda
preparando o almoço. Seu loiro e marfim emergindo
do azul do Egeu. Linda caminhando comigo diariamente
pela ilha, de Monolithos a Thíra, e voltando.
É disso que mais lembro sobre a morte:
a gentileza que compartilhamos naquele Éden grego selvagem,
a beleza enquanto o casamento fracassava lentamente.

Trad.: Nelson Santander

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All the way from there to here

From my hill I look down on the freeway and over
to a gull lifting black against the grey ridge.
It lifts slowly higher and enters the bright sky.
Surely our long, steady dying brings us to a state
of grace. What else can I call this bafflement?

From here I deal with my irrelevance to love.
With the bewildering tenderness of which I am
composed. The sun goes down and comes up again.
The moon comes up and goes down. I live
with the morning air and the different airs of night.
I begin to grow old.

The ships put out and are lost.
Put out and are lost.
Leaving me with their haunting awkwardness
and the imperfection of birds. While all the time
I work to understand this happiness I have come into.

What I remember of my nine-story fall
down through the great fir is the rush of green.
And the softness of my regret in the ambulance going
to my nearby death, looking out at the trees leaving me.

What I remember of my crushed spine
is seeing Linda faint again and again,
sliding down the white X-ray room wall
as my sweet body flailed on the steel table
unable to manage the bulk of pain. That
and waiting in the years after for the burning
in my fingertips, which would announce,
the doctors said, the beginning of paralysis.

What I remember best of the four years of watching
in Greece and Denmark and London and Greece is Linda
making lunch. Her blondeness and ivory coming up
out of the blue Aegean. Linda walking with me daily
across the island from Monolithos to Thíra and back.
That’s what I remember most of death:
the gentleness of us in that bare Greek Eden,
the beauty as the marriage steadily failed.

Robinson Jeffers – Falcões feridos

Falcões Feridos

I

A coluna partida da asa se projeta da espádua coagulada,
A asa arrasta-se como um estandarte na derrota,
Não mais para usar o céu, apenas para viver com fome
E dor por uns poucos dias: nem gato nem coiote
Abreviarão a semana de espera pela morte: há caça sem garras.
Ele posta-se sob o carvalho e espera
Os pés capengas da salvação; à noite, lembra-se da liberdade
E voa em sonho – que a aurora arruína.
Ele é forte e a dor e a impotência são piores para os fortes.
Os vira-latas do dia vêm e o atormentam
À distância; ninguém senão a morte redentora humilhará aquela cabeça,
A prontidão intrépida, os olhos terríveis.
O Deus selvagem do mundo às vezes é clemente com os
Que pedem clemência – raramente com os arrogantes.
Vocês não O conhecem, povo comunal, ou já se esqueceram Dele;
Intemperante e feroz, o falcão se lembra;
Belos e selvagens, os falcões – e os moribundos – se lembram.

II

Não fosse a punição, eu preferiria matar um homem a um falcão; mas o grande cauda-vermelha
Nada mais tinha além da miséria incapacitante
De ossos estilhaçados para além da cura, a asa que se arrastava sob suas garras
Quando ele se movia.
Nós o alimentamos por seis semanas, eu lhe dei liberdade,
Ele vagueou sobre o promontório da colina e voltou ao entardecer, pedindo a morte,
Não como um mendigo – nos olhos ainda a velha
E implacável arrogância. Ao crepúsculo, dei-lhe a dádiva de chumbo almejada. O que caiu estava relaxado,
Macio como pluma de coruja, suaves penas femininas. Mas o que

Alçou voo: a investida feroz: as garças-reais junto ao rio alagado gritaram de medo ao vê-lo erguer-se
Antes mesmo de estar completamente desembainhado da realidade.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 08/06/2020

Hurt Hawks

I

The broken pillar of the wing jags from the clotted shoulder,
The wing trails like a banner in defeat,
No more to use the sky forever but live with famine
And pain a few days: cat nor coyote
Will shorten the week of waiting for death, there is game without talons.
He stands under the oak-bush and waits
The lame feet of salvation; at night he remembers freedom
And flies in a dream, the dawns ruin it.
He is strong and pain is worse to the strong, incapacity is worse.
The curs of the day come and torment him
At distance, no one but death the redeemer will humble that head,
The intrepid readiness, the terrible eyes.
The wild God of the world is sometimes merciful to those
That ask mercy, not often to the arrogant.
You do not know him, you communal people, or you have forgotten him;
Intemperate and savage, the hawk remembers him;
Beautiful and wild, the hawks, and men that are dying, remember him.

II

I’d sooner, except the penalties, kill a man than a hawk; but the great redtail
Had nothing left but unable misery
From the bones too shattered for mending, the wing that trailed under his talons when he moved.
We had fed him six weeks, I gave him freedom,
He wandered over the foreland hill and returned in the evening, asking for death,
Not like a beggar, still eyed with the old
Implacable arrogance. I gave him the lead gift in the twilight. What fell was relaxed,
Owl-downy, soft feminine feathers; but what
Soared: the fierce rush: the night-herons by the flooded river cried fear at its rising
Before it was quite unsheathed from reality.

Eliza Griswold – Tigres

O que somos agora senão vozes
que prometem uma à outra uma vida
que nenhuma pode entregar,
não por falta de querer, mas porque
só querer não faz acontecer?
Agarramo-nos a uma videira
na beira do penhasco.
Há tigres1 acima
e abaixo. Vamos nos amar
um ao outro e nos soltar.

Trad.: Nelson Santander

  1. Os tigres referidos no poema são uma alusão a uma parábola zen-budista, frequentemente atribuída à tradição chinesa ou japonesa, chamada “A Parábola do Tigre”. Na parábola, um homem está sendo perseguido por um tigre feroz. Em sua fuga, ele se depara com um penhasco e, sem saída, se agarra a uma videira que cresce na beira do precipício. Abaixo dele, há outro tigre, esperando para devorá-lo se ele cair. Para piorar, dois ratos (um branco e um preto, simbolizando o dia e a noite) começam a roer a videira, ameaçando sua única chance de sobrevivência. Nesse momento de aparente desespero, o homem nota um morango selvagem crescendo na parede do penhasco, ao alcance de sua mão. Ele estende a mão, colhe o morango e o come, saboreando-o completamente. A lição moral da história varia conforme a interpretação, mas geralmente se concentra em apreciar o momento presente, mesmo em meio às dificuldades e incertezas da vida. O morango simboliza a beleza e a doçura da vida, que pode ser experimentada mesmo em situações desesperadoras. ↩︎

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Tigers

What are we now but voices
who promise each other a life
neither one can deliver
not for lack of wanting
but wanting won’t make it so
We cling to a vine
at the cliff’s edge.
There are tigers above
and below. Let us love
one another and let go.

Jacques Prévert – Bárbara

Lembra-te Bárbara
Chovia em Brest
sem cessar naquele dia
Caminhavas à chuva
sorridente
radiosa encantadora deslumbrante
Lembra-te Bárbara
chovia em Brest
sem cessar
e eu passei por ti
na Rua do Sião.
Sorrias
e eu sorria
Lembra-te Bárbara
tu a quem não conhecia
tu que não me conhecias
Lembra-te
Lembra-te mesmo assim
daquele dia
Não te esqueças
Sob um pórtico
abrigava-se um homem
que gritou o teu nome
Bárbara
Correste para ele
à chuva
deslumbrante encantadora
radiosa
lançaste-te nos seus braços
Lembra-te Bárbara
E não me queiras mal
se te trato por tu
trato assim todos os que amo
mesmo se os vi só uma vez
trato assim todos os que se amam
mesmo até se os não conheço
Lembra-te Bárbara
Não te esqueças
essa chuva sábia e feliz
nesse teu rosto feliz
nessa cidade feliz
essa chuva sobre o mar
sobre o arsenal
sobre o barco para Ouessant
Ó Bárbara
que estupidez é a guerra
o que é feito de ti
agora
sob esta chuva de ferro
de fogo de aço de sangue
e daquele que te apertava nos braços
amorosamente
Morreu desapareceu
está vivo ainda
Ó Bárbara
Chove em Brest sem cessar
como chovia então
mas já nada é o mesmo
e tudo se estragou
É uma chuva de luto
de terrível desalento
Já não é sequer
o temporal
de ferro de aço de sangue
não passa agora de nuvens
que rebentam como cães
os cães que desaparecem
nessas torrentes de Brest
e apodrecerão lá longe
longe bem longe de Brest
onde já não resta nada.

Trad.: Anthero Monteiro

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 07/06/2020

Barbara

Rappelle-toi Barbara
Il pleuvait sans cesse sur Brest ce jour-là
Et tu marchais souriante
Épanouie ravie ruisselante
Sous la pluie
Rappelle-toi Barbara
Il pleuvait sans cesse sur Brest
Et je t’ai croisée rue de Siam
Tu souriais
Et moi je souriais de même
Rappelle-toi Barbara
Toi que je ne connaissais pas
Toi qui ne me connaissais pas
Rappelle-toi
Rappelle-toi quand même ce jour-là
N’oublie pas
Un homme sous un porche s’abritait
Et il a crié ton nom
Barbara
Et tu as couru vers lui sous la pluie
Ruisselante ravie épanouie
Et tu t’es jetée dans ses bras
Rappelles-toi cela Barbara
Et ne m’en veux pas si je te tutoie
Je dis tu à tous ceux que j’aime
Même si je ne les ai vus qu’une seule fois
Je dis tu à tous ceux qui s’aiment
Même si je ne les connais pas
Rappelle-toi Barbara
N’oublie pas
Cette pluie sage et heureuse
Sur ton visage heureux
Sur cette ville heureuse
Cette pluie sur la mer
Sur l’arsenal
Sur le bateau d’Ouessant
Oh Barbara
Quelle connerie la guerre
Qu’es-tu devenue maintenant
Sous cette pluie de fer
De feu d’acier de sang
Et celui qui te serrait dans ses bras
Amoureusement
Est-il mort disparu ou bien encore vivant
Oh Barbara
Il pleut sans cesse sur Brest
Comme il pleuvait avant
Mais ce n’est plus pareil et tout est abîmé
C’est une pluie de deuil terrible et désolée
Ce n’est même plus l’orage
De fer d’acier de sang
Tout simplement des nuages
Qui crèvent comme des chiens
Des chiens qui disparaissent
Au fil de l’eau sur Brest
Et vont pourrir au loin
Au loin très loin de Brest
Dont il ne reste rien

Kim Addonizio – O momento

O jeito como minha mãe se inclinou diante da porta do carro, remexendo as chaves,
demorando uma eternidade
para encontrar a certa, alinhá-la com a fechadura, empurrá-la debilmente
e girar,
o jeito como abriu a porta tão lentamente, curvando-se um pouco mais,
acomodando-se finalmente no assento de couro – ela havia machucado as costelas,
explicou, mas não foi uma lesão
o que eu vi, não o contratempo temporário seguido pela cura,
a obstinada renovação do corpo;
o que vi pela primeira vez foi a velhice, o declínio, a inexorável
aproximação da morte. Mas uma vez no carro,
acomodada atrás do volante, dando ré e se dirigindo para o tráfego
constante na rodovia,
ela voltou a ser ela mesma, minha mãe como eu sempre a conheci:
envelhecendo, sem dúvida,
na casa dos setenta agora, mas ainda cheia de vida, ainda a atleta que ela foi
a vida toda; corrida, golfe
e especialmente tênis – o esporte em que ela se destacou, acumulando
campeonatos – eram tão naturais
para ela como respirar. Durante toda minha vida, ela tinha sido a definição da graça, de uma
confiança inabalável e serena
no corpo; impossível imaginá-la indefesa, frágil, confinada
a um andador ou uma cadeira de rodas.
Agora ela estava cantarolando enquanto dirigia, aquela hesitação momentânea
apagada, sem deixar vestígios.
Nenhum sinal de dor, da dor que ela devia estar sentindo
em seu flanco. Minha mãe
recusava tudo isso, e continuaria recusando. Ela olhava para frente para
a estrada movimentada, o passado praticamente esquecido –
em algum lugar atrás de nós, tristezas, perdas, o terrível conhecimento, mas à nossa frente
um dia que passaríamos juntas,
estávamos indo para lá agora, enquanto ainda havia tempo, nada disso
seria desperdiçado.

Trad.: Nelson Santander

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The Moment

The way my mother bent to her car door, fumbling the keys,
taking forever it seemed
to find the right one, line it up with the lock and feebly push it in
and turn,
the way she opened the door so slowly, bending a bit more, easing
herself finally into the leather seat - She'd hurt her ribs, she
explained, but it wasn't injury
that I saw, not the temporary setback that's followed by healing,
the body's tenacious renewal;
I saw for the first time old age, decline, the inevitable easing
toward death. Once in the car, though,
settled behind the wheel, backing out and heading for the steady
traffic on the highway,
she was herself again, my mother as I'd always known her: getting
older, to be sure,
in her seventies now, but still vital, still the athlete she'd been all
her life; jogging, golf,
tennis especially - the sport she'd excelled at, racking up
championships - they were as natural
to her as breath. All my life she'd been the definition of grace, of a
serenely unshakable confidence
in the body; impossible ever to imagine her helpless, frail, confined
to walker or wheelchair.
She was humming now as she drove, that momentary fumbling
erased, no trace of it.
No acknowledgment of pain, of the ache she must be feeling
in her side. My mother
refused all that, she would go on refusing it. She peered ahead at
the busy road, the past all but forgotten -
somewhere behind us griefs, losses, terrible knowledge, but ahead
of us a day we'd spend together,
we were going there now, while there was still time, non of it was
going to be wasted.

Horácio – Ode 1/11

Não busques (é tabu!) saber que fim, Leucónoe,
os deuses nos reservam. Põe de lado o horoscopo
da babilônia e aceita: o que há de ser, será,
quer nos dê Jove mais invernos, quer só este
que em rochas quebra o mar Tirreno. Vive, bebe
teu vinho e talha, ao curto prazo, anseios longos.
Enquanto eu falo, o tempo evade-se invejoso.
Apanha o dia e não confies no amanhã.

Trad.: Nelson Ascher

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 24/05/2020

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1/11

Tu ne quaesieris (scire nefas) quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati!
Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum, sapias, uina liques et spatio breui
spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit inuida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.

Kay Ryan – As coisas não deveriam ser tão difíceis

Uma vida deveria deixar
rastros profundos:
sulcos onde ela
foi e voltou
para pegar a correspondência
ou mover a mangueira
pelo jardim;
onde ela costumava
ficar em frente à pia,
um lugar desgastado;
sob sua mão,
os puxadores de porcelana
gastos até virarem
pastilhas brancas;
o interruptor quase apagado
que ela costumava
procurar no escuro.
Suas coisas deveriam
guardar suas marcas.
A passagem
de uma vida deveria ser visível,
causar abrasão.
E quando a vida terminasse,
um certo espaço —
por menor que fosse —
deveria ficar marcado
pelo grandioso e
devastador desfile.
As coisas não deveriam
ser tão difíceis.

Trad.: Nelson Santander

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Things Shouldn’t Be So Hard

A life should leave
deep tracks:
ruts where she
went out and back
to get the mail
or move the hose
around the yard;
where she used to
stand before the sink,
a worn-out place;
beneath her hand
the china knobs
rubbed down to
white pastilles;
the switch she
used to feel for
in the dark
almost erased.
Her things should
keep her marks.
The passage
of a life should show;
it should abrade.
And when life stops,
a certain space—
however small —
should be left scarred
by the grand and
damaging parade.
Things shouldn’t
be so hard.

Anne Alexander Bingham – É suficiente

Saber que os átomos
do meu corpo
perdurarão

pensar neles subindo
pelas raízes de um grande carvalho
para viver em
folhas, ramos, galhos
talvez para nutrir a
peônia carmesim
a íris anil
o brócolis

ou repousar na água
congelar e derreter
com as estações

alguns átomos podem se tornar um
pouco de penugem na asa
de um chapim
sentir a brisa
conhecer o suporte do ar

e alguns podem
flutuar para o espaço
poeira estelar retornando

para o lugar de onde veio
é suficiente saber que
enquanto houver um universo
eu sou parte dele.

Trad.: Nelson Santander

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It Is Enough

To know that the atoms
of my body
will remain

to think of them rising
through the roots of a great oak
to live in
leaves, branches, twigs
perhaps to feed the
crimson peony
the blue iris
the broccoli

or rest on water
freeze and thaw
with the seasons

some atoms might become a
bit of fluff on the wing
of a chickadee
to feel the breeze
know the support of air

and some might drift
up and up into space
star dust returning from

whence it came
it is enough to know that
as long as there is a universe
I am a part of it.

José Infante – Não sei se é um sonho

Aparece, sempre aparece, quando menos o esperas.
Imaginas que morreste e, no entanto, quem se levanta
todos os dias em teu próprio leito, depois das insônias
e dos pesadelos, és tu mesmo, que por alguma razão
que não entendes continuas vivo, como em um filme
de Coixet1, minha vida sem mim, ou a vida secreta
das palavras, que são agora a única coisa que tens.
Sempre aparece, aquele fútil fantasma que atende
pelo teu nome, e se comporta com certa naturalidade
e independência. Outros diriam sensatez. Tu
sabes, somente tu, que é falsa essa vida que o personagem finge,
que vai e que vem e que às vezes não atende ao telefone
dos amigos, se é que algum liga, para que pensem
que morreu. A verdade é conhecida apenas por ti, mas o outro,
que não és tu, mas pode parecer, tem vida própria,
às vezes se comporta como tu antes de morrer,
e pode até ser brilhante em uma conversa
banal ou talvez em um jantar formal.
Tu o conheces porque é tu mesmo
quando ainda estavas vivo e circulavas pela cidade,
tomavas o metrô, ias ao cinema,
escrevias em fotologs e comentavas, sempre com acidez,
tua vida e a vida do mundo dos outros. Agora eles
creem que ainda estás vivo, mas tu sabes
a verdade: já faz muito tempo
que morreste, embora
alguém com o mesmo corpo que o teu ainda habite
tua casa, mal se alimente e espere, sempre espere
que a dignidade o impeça de morrer de velhice,
sem memória, como um brinquedo quebrado e inútil
que o tempo pisoteia e abandona.

Trad.: Nelson Santander

  1. Isabel Coixet é uma renomada diretora e roteirista espanhola, conhecida por seu estilo intimista e introspectivo. Seus filmes frequentemente exploram temas de solidão, identidade e comunicação, o que se alinha com a reflexão profunda e melancólica do eu lírico no poema. ↩︎

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No sé si será un sueno

Acude, siempre acude, cuando menos lo esperas.
Imaginas que has muerto y sin embargo el que se levanta
cada día en tu propio lecho, después de los insomnios
y de las pesadillas, eres tú mismo, que por alguna razón
que no entiendes sigues vivo, como en una película
de la Coixet, mi vida sin mí, o la vida secreta
de las palabras, que son ahora lo único que tienes.
Siempre acude ese vano fantasma que atiende
por tu nombre y se comporta con cierta naturalidad
e independencia. Otros dirían cordura. Tú
sabes, solo tú, que es mentira esa vida que finge el personaje,
que va y que viene y que a veces no coge el teléfono
a los amigos, si es que alguno llama, para que crean
que ha muerto. La verdad solo la sabes tú, pero el otro,
que no eres tú, pero puede parecerlo, tiene vida propia,
a veces se comporta como tú antes de morir,
y puede ser hasta brillante en una conversación
banal o acaso en una cena de compromiso.
Tú lo conoces porque eres tú mismo
cuando aún estabas vivo y paseabas por la ciudad,
tomabas el metro, acudías a las salas de cine,
escribías en fotologs y comentabas, siempre con acidez,
tu vida y la vida del mundo de los otros. Ahora ellos
creen que aún sigues vivo, pero tú sabes
la verdad: hace ya mucho tiempo
que te has muerto, a pesar que todavía
alguien con tu mismo cuerpo sigue habitando
tu casa, apenas se alimenta y espera, siempre espera
que la dignidad le impida morir de viejo,
sin memoria? como un juguete roto e inservible
que el tiempo pisotea y abandona.