Sharon Olds – Uma semana depois

Uma semana depois, eu disse a um amigo: acho que
nunca poderia escrever sobre isso.
Talvez daqui a um ano eu consiga escrever alguma coisa.
Há algo em mim que talvez algum
dia possa ser escrito; por ora está dobrado, e redobrado,
como um bilhete da escola. E em meu sonho
alguém jogava jacks1, e no ar havia um
jack arremessado, enorme, pairando
em chamas. E quando acordei, dei por mim
contando os dias desde a última vez que vira
meu marido – apenas dois anos, e algumas semanas
e horas. Tínhamos assinado os papéis e descido até o
térreo do Edifício Chrysler,
a beleza intacta de seu saguão ao nosso redor
como a tumba de um rei, no teto o pequeno
aeroplano pintado, no mural, voando. E
entrou em meu contrito coração, esta manhã,
suave e timidamente, de forma cautelosa,
indomável, uma visão mais ampla da doçura
e vastidão de sua vida que prossegue,
desconhecida e invisível para mim,
inaudível, intocada – mas conhecida, visível,
audível, palpável. E ocorreu-me,
por um momento, momento a momento,
ficar feliz por ele estar com aquela
que ele acredita ter sido feita para ele. E pensei em minha
mãe, a minutos de sua morte, oitenta e cinco
anos desde o nascimento, os ossos
de passarinho de seus ombros sob minha mão, a
casca de ovo da nuca, enquanto ela jazia em paz
nos lençóis limpos, e eu podia lhe falar com o melhor
do meu pobre e parcial amor, podia cantar para ela,
e percebia a sorte
e o privilégio daquela hora.

Trad.: Nelson Santander

  1. A autora se refere a um jogo infantil tradicional nos Estados Unidos, conhecido no Brasil como “jogo das cinco marias” ou “pedrinhas”. O jogo é composto por pequenas peças de metal ou plástico (chamadas jacks) e uma bolinha, e o objetivo é jogar a bolinha para o alto enquanto se recolhem os jacks do chão em sequência. ↩︎

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A week later

A week later, I said to a friend: I don’t
think I could ever write about it.
Maybe in a year I could write something.
There is something in me maybe someday
to be written; now it is folded, and folded,
and folded, like a note in school. And in my dream
someone was playing jacks, and in the air there was a
huge, thrown, tilted jack
on fire. And when I woke up, I found myself
counting the days since I had last seen
my husband – only two years, and some weeks,
and hours. We had signed the papers and come down to the
ground floor of the Chrysler Building,
the intact beauty of its lobby around us
like a king’s tomb, on the ceiling the little
painted plane, in the mural, flying. And it
entered my strictured heart, this morning,
slightly, shyly as if warily,
untamed, a greater sense of the sweetness
and plenty of his ongoing life,
unknown to me, unseen by me,
unheard, untouched-but known, seen,
heard, touched. And it came to me,
for moments at a time, moment after moment,
to be glad for him that he is with the one
he feels was meant for him. And I thought of my
mother, minutes from her death, eighty-five
years from her birth, the almost warbler
bones of her shoulder under my hand, the
eggshell skull, as she lay in some peace
in the clean sheets, and I could tell her the best
of my poor, partial love, I could sing her
out with it, I saw the luck
and luxury of that hour.

Billy Collins – Memento Mori

Não é preciso muito para me lembrar
que sou uma efêmera,
uma bolha de sabão flutuando sobre a festa das crianças.

Estar sob os ossos de um dinossauro
em um museu sempre cumpre o papel,
assim como ver uma rocha da lua em uma vitrine.

Até a Igreja de St. Anne serve,
uma estrutura que acabei de ver em uma revista –
construída em 1722 de arenito e calcário na cidade de Cork.

E a percepção de que ninguém
que já navegou pelas águas do tempo
descobriu um modo de evitar a morte

sempre me puxa pelas rédeas e me acomoda
à beira da estrada, grato pelas doces ervas daninhas
e pelas porções de flores silvestres coloridas.

Tantos lembretes de minha mortalidade
aqui, ali e em todo lugar, visíveis a qualquer hora,
praticamente em tudo que penso, exceto em você,

placa sobre a porta deste bar em Cocoa Beach
anunciando ter sido fundado –
embora fundado soe estranho – em 1996.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Memento Mori

It doesn’t take much to remind me
what a mayfly I am,
what a soap bubble floating over the children’s party.

Standing under the bones of a dinosaur
in a museum does the trick every time
or confronting in a vitrine a rock from the moon.

Even the Church of St. Anne will do,
a structure I just noticed in a magazine –
built in 1722 of sandstone and limestone in the city of Cork.

And the realization that no one
who ever breasted the waters of time
has figured out a way to avoid dying

always pulls me up by the reins and settles me down
by a roadside, grateful for the sweet weeds
and the mouthfuls of colorful wildflowers.

So many reminders of my mortality
here, there, and elsewhere, visible at every hour,
pretty much everything I can think of except you,

sign over the door of this bar in Cocoa Beach
proclaiming that it was established –
though established does not sound right – in 1996.

William Stafford – Uma cópia de arquivo

Deus tira seu retrato: não desvie o olhar –
agora, neste quarto, seu rosto inclinado
exatamente como é, antes de você pensar
ou controla-lo. Vá em frente, deixe-se trair por
todas as urgências secretas e ainda mantenha
aquele disfarce parcial que você chama de caráter.

Mesmo o seu lábio, dizem, o modo como ele arqueia
ou não, ou hesita, entregará
volumes de provas. A câmera, totalmente aberta,
está pronta; a exposição é de uns trinta e cinco anos
ou mais – depois disso você se torna
aquilo que verniz já era, por completo.

Agora você quer se explicar. Sua mãe
foi uma certa – como expressa-lo? – influência.
Sim. E seu pai, seja lá o que tenha sido,
não poderia mudar isso. Não. E sua cidade,
claro, tinha seus limites. Continue, siga falando:
Espere. Não se mexa. Esse é você para sempre.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 21/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

An archival print

God snaps your picture: don’t look away –
this room right now, your face tilted
exactly as it is before you can think
or control it. Go ahead, let it betray
all the secret emergencies and still hold
that partial disguise you call your character.

Even your lip, they say, the way it curves
or doesn’t, or can’t decide, will deliver
bales of evidence. The camera, wide open,
stands ready; the exposure is thirty-five years
or so – after that you have become
whatever the veneer is, all the way through.

Now you want to explain. Your mother
was a certain – how to express it? – influence.
Yes. And your father, whatever he was,
you couldn’t change that. No. And your town
of course had its limits. Go on, keep talking :
Hold it. Don’t move. That’s you forever.

José Infante – Corpo estranho

Corpo Estranho

Para Rafael Inglada,
Ele sabe por quê.

Como é lógico e natural que aconteça,
meu corpo vem mudando ao ritmo
implacável dos anos. Rugas, flacidez,
deterioração total por todos os lados, os olhos apagados
e sem brilho. E no olhar opaco nada
que anteveja o futuro. É estranho
este corpo que agora arrasto todos os dias
e cujo passo se torna cada vez mais lento
e sem destino. Não há nada esperando por mim.
Meu corpo, velho companheiro, o sabe,
e compartilha minha desilusão e minhas misérias.
Já não o reconheço. Nada nele é familiar
e antigo. Parece um corpo novo
mas desfeito e desgastado como se fosse
velho. Talvez ele seja mais velho do que eu.
Cheguei irremediavelmente à velhice,
embora por dentro me sinta mais jovem
do que os anos que completei
com uma precisão impressionante e pontual.
E me parece igualmente estranho e desconcertante
ter me tornado mais velho que meu pai,
que morreu aos sessenta e dois. Qual é
realmente o corpo que me abriga?
O deteriorado e velho ou o que jaz dentro dele,
ainda com a curiosidade e o coração despertos?
Em nenhum deles me encontro. Tudo parece estranho.
Alheio já à vida, que arrasto com desgosto
em direção a um outro corpo, que será o meu cadáver
transformado em cinzas e fumaça
espalhada entre as ondas dos mares.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Cuerpo Extraño

A Rafael Inglada,
Él sabe por qué.

Como es lógico y natural que ocurra
mi cuerpo ha ido cambiando al paso
implacable de los años. Arrugas, flacidez,
deterioro total por todas partes, los ojos apagados
y sin brillo. Y en la mirada opaca nada
que presienta el futuro. Es extraño
este cuerpo que ahora aûastro cada día
y cuyo paso se hace cada vez más lento
y sin destino. No hay nada que me espere.
Mi cuerpo, antiguo compañero, lo sabe
y comparte mi desazón y mis miserias.
Ya no lo reconozco. Nada en él es familiar
y antiguo. Parece un cuerpo nuevo
pero deshecho y desgastado como si fuera
viejo. Tal vez sea más viejo que yo.
Llegué ya sin remedio hasta la ancianidad,
aunque dentro de mí me sienta más joven
que los años que he cumplido
con una precisión abrumadora y puntual.
Y me parece igualmente raro y desconcertante
haber llegado a ser más viejo que mi padre,
que murió a los sesenta y dos. ¿Cuál es
en realidad el cuerpo que me alberga?
¿El deteriorado y viejo o el que yace dentro de él,
aún con la curiosidad y el corazón despierto?
En ninguno me encuentro. Todo parece extraño.
Ajeno ya aIa vida, que arrastro con desgana
hacia otro cuerpo que será mi cadáver
convertido en ceniza y en humo
esparcido entre las olas de los mares.

Nicanor Parra – Último brinde

Querendo ou não,
só temos três alternativas:
o ontem, o presente e o amanhã.

E nem sequer três,
pois, como diz o filósofo,
ontem é ontem,
é nosso apenas na memória:
à rosa que já se desbastou
não se pode arrancar outra pétala.

As cartas por jogar
são apenas duas:
o presente e o dia de amanhã.

E nem sequer duas,
porque é um fato bem estabelecido
que o presente só existe
na medida em que se faz passado
e já passou…,
como a juventude.

Em suma,
só nos resta o amanhã:
levanto minha taça
para esse dia que nunca chega
mas que é o único
de que realmente dispomos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

.
Ultimo brindis

Lo queramos o no
sólo tenemos tres alternativas:
el ayer, el presente y el mañana.

Y ni siquiera tres
porque como dice el filósofo
el ayer es ayer
nos pertenece sólo en el recuerdo:
a la rosa que ya se deshojó
no se le puede sacar otro pétalo.

Las cartas por jugar
son solamente dos:
el presente y el día de mañana.

Y ni siquiera dos
porque es un hecho bien establecido
que el presente no existe
sino en la medida en que se hace pasado
y ya pasó…,
como la juventud.

En resumidas cuentas
sólo nos va quedando el mañana:
yo levanto mi copa
por ese día que no llega nunca
pero que es lo único
de lo que realmente disponemos.

Adam Zagajewski – Cidade submersa

Esta cidade deixará de existir, não haverá mais halos
nas manhãs de primavera, quando as colinas verdejantes
tremeluzem no meio e se elevam
como barreiras de dirigíveis —

e maio não cruzará suas ruas
com pássaros estridentes e promessas de verão.
Fim dos momentos de tirar o fôlego
e dos gélidos êxtases das águas da nascente.

Torres de igrejas repousam no fundo do oceano,
e vistas perfeitas de avenidas arborizadas
não atraem os olhares de ninguém.

E mesmo assim vivemos calma e
humildemente — com malas,
em salas de espera, nos aeroportos, trens,

e ainda, cega e obstinadamente, buscamos a imagem,
a forma final das coisas
entre inexplicáveis acessos
de mudo desespero —

como se vagamente nos lembrássemos
de algo que não pode ser recordado,
como se aquela cidade submersa nos acompanhasse,
sempre nos questionando,

e sempre insatisfeita com nossas respostas —
exigente e, à sua maneira, perfeita.

Trad.: Nelson Santander da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Submerged City

That city will be no more, no halos
of spring mornings when green hills
tremble in the midst and rise
like barrage balloons—

and May won’t cross its streets
with shrieking birds and summer’s promises.
No breathless spells,
no chilly ecstasies of spring water.

Church towers rest on the ocean’s floor,
and flawless views of leafy avenues
fix no one’s eyes.

And still we live on calmly,
humbly—from suitcases,
in waiting rooms, on airplanes, trains,

and still, stubbornly, blindly, we seek the image,
the final form of things
between inexplicable fits
of mute despair—

as if vaguely remembering
something that cannot be recalled,
as if that submerged city were traveling with us,
always asking questions,

and always unhappy with our answers—
exacting, and perfect in its way.

Lisel Mueller – Quando me perguntam

Quando me perguntam
como comecei a escrever poesia,
eu falo da indiferença da natureza.

Foi logo depois que minha mãe faleceu,
um dia radiante de junho
em que tudo florescia.

Sentei-me em um banco de pedra acinzentado
em um jardim carinhosamente cultivado,
mas os lírios eram tão surdos
quanto os bêbados adormecidos
e as rosas curvadas para dentro.
Nada estava enlutado ou quebrado,
nem uma folha caiu
e o sol ressoava infindos comerciais
de férias de verão.

Sentei-me em um banco de pedra acinzentado
cercado das ingênuas faces
das não-me-toques rosas e brancas
e depositei minha dor
na boca da linguagem,
a única coisa que sofreria comigo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 15/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

When I am asked

When I am asked
how I began writing poems,
I talk about the indifference of nature.

It was soon after my mother died,
a brilliant June day,
everything blooming.

I sat on a gray stone bench
in a lovingly planted garden,
but the day lilies were as deaf
as the ears of drunken sleepers
and the roses curved inward.
Nothing was black or broken
and not a leaf fell
and the sun blared endless commercials
for summer holidays.

I sat on a gray stone bench
ringed with the ingenue faces
of pink and white impatiens
and placed my grief
in the mouth of language,
the only thing that would grieve with me.

Adam Zagajewski – Improviso

Você deve carregar todo o peso do mundo
e torná-lo mais suportável.
Jogue-o como uma mochila
sobre seus ombros e siga em frente.
O melhor momento é à tardinha, na primavera, quando
as árvores respiram suavemente e a noite promete
ser boa, os ramos dos olmos estalando no jardim.
Todo o peso? Sangue e feiura? Impossível.
Um traço de amargura permanecerá em seus lábios,
assim como o desespero contagiante daquela velha
que você viu no bonde.
Por que mentir? Afinal, o êxtase
existe apenas na imaginação e depressa se dissipa.
Improviso – sempre apenas improviso,
grande ou pequeno, é tudo o que sabemos,
na música, como um trompete de jazz chora alegremente,
ou quando você encara a página em branco
ou tenta ludibriar
a tristeza abrindo seu livro de poemas favorito;
é nesse momento que o o telefone geralmente toca,
alguém perguntando se você gostaria de experimentar
o modelo mais recente. Não, obrigado.
Prefiro as marcas consagradas.
Cinza e monotonia permanecem; tristeza
que a melhor elegia não pode curar.
Mas talvez haja coisas ocultas de nós,
onde tristeza e entusiasmo se amalgamam
constantemente, no dia a dia, como o amanhecer
à beira-mar, não, espere,
como o riso daqueles coroinhas
em vestes brancas, na esquina da St. John com a Mark,
lembra?

Trad.: Nelson Santander a partir da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Improvisation

You must take up the world’s whole weight
and make it easier to bear.
Toss it like a knapsack
on your shoulders and set out.
The best time is evening, in spring, when
trees breathe calmly and the night promises
to be fine, elm twigs crackle in the garden.
The whole weight? Blood and ugliness? Can’t be done.
A trace of bitterness will linger on your lips,
and the contagious despair of the old woman
you spotted in the tram.
Why lie? After all rapture
exists only in imagination and leaves quickly.
Improvisation – always just improvisation,
great or small, that’s all we know,
in music, as a jazz trumpet weeps happily
or when you stare at the blank page
or try to outwit
sorrow by opening a favorite book of poems;
just then the phone usually rings,
someone asking, would you like to try
the latest model? No thank you.
I prefer the proven brands.
Grayness and monotony remain; grief
the finest elegy can’t heal.
But perhaps there are things hidden from us,
in which sorrow and enthusiasm mix
non-stop, on a daily basis, like the dawn’s birth
above the seashore, no, wait,
like the laughter of those little altar boys
in white vestments, on the corner of St. John and Mark,
remember?

Lawrence Ferlinghetti – Allen Ginsberg morrendo

Allen Ginsberg está morrendo
Está em todos os jornais
Está no noticiário noturno
Um grande poeta está morrendo
Mas sua voz
não vai morrer
Sua voz está na terra
No Baixo Manhattan
na sua cama
ele está morrendo
Não há nada
a fazer sobre isso
Ele está morrendo a morte que todos enfrentam
Ele está morrendo a morte do poeta
Ele tem um telefone em sua mão
e liga para todo mundo
de sua cama no Baixo Manhattan
Em todo o mundo
na calada da noite
os telefones estão tocando
É o Allen
diz a voz
Allen Ginsberg chamando
Quantas vezes eles ouviram isso
ao longo dos grandes anos
Ele não precisa dizer Ginsberg
Em todo o mundo
no mundo dos poetas
há apenas um Allen
Eu queria lhes dizer, ele diz
Ele lhes conta o que está acontecendo
o que vem se aproximando
dele
A Morte, amante sombria,
se abate sobre dele
Sua voz vai por satélite
sobre a terra
sobre o Mar do Japão
onde certa vez ele posou nu
tridente na mão
como um jovem Netuno
um homem jovem com barba negra
em pé numa praia de pedras
É maré alta e as aves marinhas choram
As ondas quebram sobre ele agora
e as aves marinhas choram
na orla de São Francisco
Há um vento forte
Grandes ondas brancas
flagelam o embarcadouro
Allen está ao telefone
Sua voz está nas ondas
Eu estou lendo poesia grega
E nela o mar
Nela os cavalos lamentam
Nela choram
os cavalos de Aquiles
aqui, à beira-mar,
em São Francisco
onde as ondas choram
Elas fazem um som sibilante
um som sibilino
Allen
elas sussurram
Allen

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 14/03/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

.
Allen Ginsberg dying

Allen Ginsberg is dying
It’s in all the papers
It’s on the evening news
A great poet is dying
But his voice
won’t die
His voice is on the land
In Lower Manhattan
in his own bed
he is dying
There is nothing
to do about it
He is dying the death that everyone dies
He is dying the death of the poet
He has a telephone in his hand
and he calls everyone
from his bed in Lower Manhattan
All around the world
late at night
the telephone is ringing
This is Allen
the voice says
Allen Ginsberg calling
How many times have they heard it
over the long great years
He doesn’t have to say Ginsberg
All around the world
in the world of poets
there is only one Allen
I wanted to tell you he says
He tells them what’s happening
what’s coming down
on him
Death the dark lover
going down on him
His voice goes by satellite
over the land
over the Sea of Japan
where he once stood naked
trident in hand
like a young Neptune
a young man with black beard
standing on a stone beach
It is hightide and the seabirds cry
The waves break over him now
and the seabirds cry
on the San Francisco waterfront
There is a high wind
There are great whitecaps
lashing the Embarcadero
Allen is on the telephone
His voice is on the waves
I am reading Greek poetry
The sea is in it
Horses weep in it
The horses of Achilles
weep in it
here by the sea
in San Francisco
where the waves weep
They make a sibilant sound
a sibylline sound
Allen
they whisper
Allen

Sharon Olds – Sexo sem amor

Como conseguem fazer isso, os que fazem amor
sem amor? Belos como bailarinos,
deslizando um sobre o outro como patinadores
no gelo, dedos enganchados
nos corpos um do outro, rostos
vermelhos como carne, vinho, molhados como as
crianças recém-nascidas que serão entregues pelas
mães. Como eles conseguem chegar a
chegar a chegar a Deus chegar às
águas calmas e não amar
aquele que chegou até lá com eles, a luz
se elevando lentamente como vapor saindo de suas peles
unidas? Esses são os verdadeiros devotos,
os puristas, os profissionais, os que não
aceitam falsos profetas e amam o
sacerdote em vez de Deus. Eles não
confundem o amante com seu próprio prazer,
são como grandes corredores: sabem que estão sozinhos
com a estrada, o frio, o vento,
o ajuste dos tênis, e sua saúde cárdio-
vascular – apenas fatores, como o parceiro
na cama, e não a verdade, que é o
corpo único e solitário no universo
contra seu próprio melhor tempo.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Sex Without Love

How do they do it, the ones who make love
without love? Beautiful as dancers,
gliding over each other like ice-skaters
over the ice, fingers hooked
inside each other's bodies, faces
red as steak, wine, wet as the
children at birth whose mothers are going to
give them away. How do they come to the
come to the come to the God come to the
still waters, and not love
the one who came there with them, light
rising slowly as steam off their joined
skin? These are the true religious,
the purists, the pros, the ones who will not
accept a false Messiah, love the
priest instead of the God. They do not
mistake the lover for their own pleasure,
they are like great runners: they know they are alone
with the road surface, the cold, the wind,
the fit of their shoes, their over-all cardio-
vascular health--just factors, like the partner
in the bed, and not the truth, which is the
single body alone in the universe
against its own best time.