Mary Oliver – Hospital Universitário de Boston

As árvores no gramado do hospital
são frondosas e exuberantes. Elas também
recebem os melhores cuidados,
como você e os muitos anônimos,
nos quartos limpos acima desta cidade,
onde dia e noite os médicos continuam
chegando, onde máquinas intrincadas
registram com fria devoção
o sussurro do sangue,
o lento remendar dos ossos,
o desespero da mente.
Quando venho visitá-lo e saímos
à luz de um dia de verão,
sentamos sob as árvores —
castanheiras-da-índia, um sicômoro e uma
nogueira-preta que se inclina
sobre uma sebe de lilases,
tão antigas quanto o prédio de tijolos vermelhos
atrás delas, o hospital
original, construído antes da Guerra Civil.
Sentamos juntos no gramado, de mãos dadas,
enquanto você me diz que está melhor.
Quantos jovens, me pergunto,
vieram para cá, transportados em macas dos trens vagarosos
vindos dos rubros e horrendos campos de batalha
para passar deitados o verão inteiro nos quartos pequenos e abafados
enquanto os médicos faziam o que podiam, ansiando
por equipamentos ainda não imaginados, medicamentos ainda não descobertos,
saberes sequer pensados, e quantos morreram
olhando para as folhas das árvores, alheios
ao terrível esforço ao redor deles para mantê-los vivos?
Eu olho em seus olhos
que às vezes são verdes e às vezes cinzas,
e às vezes cheios de humores, mas muitas vezes não,
e digo a mim mesma que você está melhor,
porque minha vida sem você seria
um lugar de árvores ressequidas e despedaçadas.
Mais tarde, caminhando pelos corredores em direção à rua,
eu me viro e entro em um quarto vazio.
Ontem, alguém estava aqui com uma expressão ofegante.
Agora a cama está toda arrumada
e as máquinas foram retiradas. O silêncio
continua, profundo e neutro,
enquanto eu fico ali, amando você.

Trad.: Nelson Santander

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University Hospital, Boston

The trees on the hospital lawn
are lush and thriving. They too
are getting the best of care,
like you, and the anonymous many,
in the clean rooms high above this city,
where day and night the doctors keep
arriving, where intricate machines
chart with cool devotion
the murmur of the blood,
the slow patching-up of bone,
the despair of the mind.
When I come to visit and we walk out
into the light of a summer day,
we sit under the trees —
buckeyes, a sycamore and one
black walnut brooding
high over a hedge of lilacs
as old as the red-brick building
behind them, the original
hospital built before the Civil War.
We sit on the lawn together, holding hands
while you tell me: you are better.
How many young men, I wonder,
came here, wheeled on cots off the slow trains
from the red and hideous battlefields
to lie all summer in the small and stuffy chambers
while doctors did what they could, longing
for tools still unimagined, medicines still unfound,
wisdoms still unguessed at, and how many died
staring at the leaves of the trees, blind
to the terrible effort around them to keep them alive?
I look into your eyes
which are sometimes green and sometimes gray,
and sometimes full of humor, but often not,
and tell myself, you are better,
because my life without you would be
a place of parched and broken trees.
Later, walking the corridors down to the street,
I turn and step inside an empty room.
Yesterday someone was here with a gasping face.
Now the bed is made all new,
the machines have been rolled away. The silence
continues, deep and neutral,
as I stand there, loving you.

Bertrand Russell – de “No que acredito”

“Acredito que ao morrer apodrecerei e nada do meu eu sobreviverá. Não sou jovem e amo a vida. Mas desdenho tremer de terror à ideia do aniquilamento. A felicidade não se torna menos verdadeira por ter que chegar ao fim, e o pensamento e o amor não perdem o seu valor por não durarem para sempre. Muitos homens já se portaram orgulhosamente no cadafalso; certamente o mesmo orgulho deveria nos ensinar a pensar verdadeiramente sobre o posto do homem no mundo. Mesmo se inicialmente as janelas abertas da ciência fazem-nos tremer após o quente aconchego dos mitos antropomórficos tradicionais, no final o ar fresco revigora, e os grandes espaços têm o seu próprio esplendor.”

REPUBLICAÇÃO: citação originalmente publicada na página em 11/03/2020

Catulo – poema XLVI de “Carmina”

XLVI

Já a Primavera traz ameno calor sem réstia de frio,
já a sanha equinocial do céu
aos sopros prazenteiros de Zéfiro cede lugar.
Que fiquem para trás, Catulo, os campos da Frígia
e da tórrida Niceia a terra fértil.
Até às ilustres cidades da Ásia voemos!
Já meu pensamento impaciente anseia por vaguear,
já meus pés, animados com zelo, se revigoram.
O doces reuniões de companheiros, adeus!
Tendo vindo pela mesma estrada até tão longe de casa,
são várias e diferentes as que restituem ao lar.

Trad.: João Pedro Moreira e André Simões

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Carlos Drummond de Andrade – A bruxa

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto…
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que leem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse nesse minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 09/03/2020

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Roberto Juarroz – Assim como não conseguimos

Assim como não conseguimos
sustentar por muito tempo um olhar,
a alegria,
o turbilhão do amor,
o pensamento livre,
a terra suspensa no canto.

E sequer conseguimos manter por muito tempo
as proporções do silêncio
quando algo o perturba.
E menos ainda
quando nada o perturba.

O homem não consegue suportar o homem por muito tempo,
e nem aquilo que não é homem.

E, no entanto, é capaz
de suportar o fardo inexorável
do que não existe.

Trad.: Nelson Santander

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Así como no podemos

Así como no podemos
sostener mucho tiempo una mirada,
tampoco podemos sostener mucho tiempo la alegría,
la espiral del amor,
la gratuidad del pensamiento,
la tierra en suspensión del cántico.

No podemos ni siquiera sostener mucho tiempo
las proporciones del silencio
cuando algo lo visita.
Y menos todavía
cuando nada lo visita.

El hombre no puede sostener mucho tiempo al hombre,
ni tampoco a lo que no es el hombre.

Y sin embargo puede
soportar el peso inexorable
de lo que no existe.

Joan Margarit – No museu

Agacha-se junto ao menino e aponta para o quadro.
Com um gesto solene, comprime o punho
e tenta explicar a força que
acredita ver na pintura.
Esta velha obsessão de transmitir
aos pequenos nossos pobres recursos.
Atento, o menino observa com temor.
Talvez pressinta a solidão que se oculta
nos gestos, na retórica da arte.
Temos sempre a verdade diante de nós,
mas, assim como ao contemplar o céu,
não conseguimos ver mais do que a grafia
de um poema em um idioma estranho.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 08/03/2020

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En el museo

Se agacha junto al niño y le señala el cuadro.
Con un grave ademán aprieta el puño
y trata de explicar aquella fuerza
que le parece ver en la pintura.
Esta vieja obsesión por transmitir
a los pequeños nuestras pobres armas.
Atento, el niño mira con temor.
Quizá intuye la soledad que ocultan
los gestos, la retórica del arte.
Siempre tenemos la verdad delante
pero, como al mirar el firmamento,
no podemos ver más que la grafía
de un poema en una lengua extraña.

Sharon Olds – Tudo

A maioria de nós jamais foi concebida.
Muitos de nós nunca nascemos —
sobrevivemos em um mar solitário por horas,
semanas, com membros extras ou ausentes,
ou segurando nos braços nossa pobre segunda cabeça,
que brota de nosso peito. E muitos de nós,
frutos do mar em seu caule, sonhando com algas
e búzios, somos eliminados em nossos primeiros meses.
E alguns que nascem, vivem apenas por minutos,
outros, por dois, três ou quatro verões,
e quando partem, tudo
se vai — a terra, o firmamento —
e o amor permanece, onde nada há, e busca.

Trad.: Nelson Santander

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Everything

Most of us are never conceived.
Many of us are never born —
we live in a private ocean for hours,
weeks, with our extra or missing limbs,
or holding our poor second head,
growing from our chest, in our arms. And many of us,
sea-fruit on its stem, dreaming kelp
and whelk, are culled in our early months.
And some who are born live only for minutes,
others for two, or for three, summers,
or four, and when they go, everything
goes — the earth, the firmament —
and love stays, where nothing is, and seeks.

Michael Krüger – Discurso do homem lento

A história acelera,
logo nos alcança,
precedendo-nos com passos ligeiros.
Vemos então por trás
a Era Glacial, Grécia,
Roma, a Revolução francesa,
a nuca de Stalin, as luzes traseiras
do carro de Hitler.
Estranho que não se canse
nem esmoreça.
Às vezes se vira
e nos mostra sua cara
com a boca escancarada
e os dentes podres.

Trad.: Nelson Santander (a partir de tradução para o italiano feita por Luigi Forte)

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 07/03/2020

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Discorso dell’uomo lento

La storia accelera,
presto ci raggiunge
precedendoci con passo rapido.
Allora vediamo l’epoca glaciale
da dietro, Grecia,
Roma, la Rivoluzione francese,
la nuca di Stalin, le luci posteriori
dell’automobile di Hitler.
Strano, che non si stanchi
e cada.
A volta sigira
e ci mostra il suo volto
con la bocca aperta
e i denti marci.

Raymond Carver – Luto

Acordei cedo esta manhã e da minha cama
olhei para longe através do Estreito e vi
um pequeno barco movendo-se na água agitada,
com uma única luz acesa. Lembrei-me
de um amigo que costumava gritar
o nome de sua falecida esposa do alto das colinas
ao redor da Perugia. Que colocava um prato
para ela em sua mesa simples muito tempo depois
que ela se fora. E que abria as janelas
para que ela pudesse ter ar fresco. Eu achava
embaraçosa tal demonstração. Assim como os outros
amigos dele. Eu não conseguia compreendê-la.
Não até esta manhã.

Trad.: Nelson Santander

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Grief

Woke up early this morning and from my bed
looked far across the Strait to see
a small boat moving through the choppy water,
a single running light on. Remembered
my friend who used to shout
his dead wife’s name from the hilltops
around Perugia. Who set a plate
for her at his simple table long after
she was gone. And opened the windows
so she could have fresh air. Such display
I found embarrassing. So did his other
friends. I couldn’t see it.
Not until this morning.

Louise Glück – Under Taurus

Estávamos no píer, e você desejava
que eu visse as Plêiades. Eu podia ver
tudo, menos o que você desejava.

Agora o seguirei. Não há uma única nuvem; as estrelas
aparecem, até mesmo a irmã invisível1. Mostre-me onde olhar,
como se elas fossem ficar onde estão.

Instrua-me na escuridão.

Trad.: Nelson Santander

  1. A “irmã invisível” se refere à sétima estrela das Plêiades, um aglomerado estelar na constelação de Touro. Na mitologia grega, as Plêiades eram sete irmãs, mas apenas seis são facilmente visíveis a olho nu. A sétima irmã – Mérope -, por ter-se relacionado com um mortal, foi condenada por Zeus a não ter seu brilho visto da Terra. ↩︎

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 06/03/2020

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Under Taurus

We were on the pier, you desiring
that I see the Pleiades. I could see
everything but what you wished.

Now I will follow. There is not a single cloud; the stars
appear, even the invisible sister. Show me where to look,
as though they will stay where they are.

Instruct me in the dark.