Giuseppe Ungaretti – Peso

    Mariano, 29 de junho de 1916

Aquele camponês
se fia na medalha
de Santo Antonio
e segue tranquilo

Mas bem só e bem nua
sem qualquer miragem
carrego minha alma

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Georg Trakl – Ocaso

A Karl Borromäus Heinrich

Por sobre o lago branco
Partiram os pássaros selvagens.
No crepúsculo sopra de nossas estrelas um vento gelado.

Por sobre os nossos túmulos
Inclina-se a fronte despedaçada das trevas.
Sob carvalhos, balançamos numa barca prateada.

Sempre ressoam os muros brancos da cidade.
Sob arcos de espinhos
Oh, irmão, ponteiros cegos, escalamos rumo à meia-noite.

Georg Trakl – Olhando um velho álbum

Sempre voltas, melancolia,
Mansidão da alma solitária.
Por fim arde um dia dourado.

Com humildade curva-se à dor o paciente
Ressoando harmonia e suave loucura.
Olha! Já escurece.

Volta de novo a noite e um mortal lamenta-se
E com ele sofre um outro.

Arrepiada sob estrelas de outono,
A cabeça mais baixa a cada ano.

Federico García Lorca – E Depois…

Os labirintos
que criam o tempo
se desvanecem.

  (Só fica
o deserto.)

  O coração,
fonte do desejo,
se desvanece.

  (Só fica
o deserto)

  A ilusão da aurora
e os beijos
se desvanecem.

  Só fica
o deserto.
Um ondulado
deserto.

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Eugénio de Andrade – Adágio

O Outono é isto –
apodrecer de um fruto
entre folhas esquecido.
Água escorrendo,
quem sabe donde,
ocasional e fria
e sem sentido.

José Saramago – É tão fundo o silêncio…

É tão fundo o silêncio entre as estrelas.
Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.
Mas lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas.

José Saramago – Diz tu por mim, silêncio

Não era hoje um dia de palavras,
Intenções de poemas ou discursos,
Nem qualquer dos caminhos era nosso.
A definir-nos bastava um acto só,
E já que nas palavras me não salvo,
Diz tu por mim, silêncio, o que não posso. 

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José Saramago – As Palavras de Amor

Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.

Deixemos que o silêncio dê sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia

Dizer amar na língua da semente? 

Ronaldo Costa Fernandes – Férias

Aqui, quieto em meu canto
sem mexer-me, olhando a luz higiênica do sol,
penso na inutilidade cansativa de malas e hotéis
para divertir-me nas férias estrangeiras.
Não, só preciso da vontade,
nem sempre firme,
um vento estradeiro,
um alarde distante de pássaros
e nada além do meu corpo.

Dylan Thomas – E a Morte não terá nenhum Domínio

E a morte não terá nenhum domínio.
Nus, os mortos irão se confundir
Com o homem no vento e a lua no poente;
Quando seus alvos ossos descarnados se tornarem pó,
Haverão de brilhar as estrelas em seus pés e cotovelos;
Ainda que enlouqueçam, permanecerão lúcidos,
Ainda que submersos pelo mar, haverão de ressurgir;
Ainda que os amantes se percam, o amor persistirá;
E a morte não terá nenhum domínio.

E a morte não terá nenhum domínio.
Aqueles que há muito repousam sob as dobras do mar
Não morrerão com a chegada do vento;
Contorcendo-se em martírios quando romperem os tendões,
Acorrentados à roda da tortura, jamais se partirão;
Em suas mãos, a fé irá fender-se em duas,
E as maldades do unicórnio os atravessarão;
Espedaçados por completo, eles não se quebrarão.
E a morte não terá nenhum domínio.

E a morte não terá nenhum domínio.
Não mais irão gritar as gaivotas aos seus ouvidos
Nem se quebrar com fragor as ondas nas areias;
Onde uma flor desabrochou não poderá nenhuma outra
Erguer sua corola para as rajadas da chuva;
Ainda que estejam mortas e loucas, suas cabeças
Haverão de enterrar-se como pregos através das margaridas,
Irrompendo no sol até que o sol se ponha.
E a morte não terá nenhum domínio.

Trad.: Ivan Junqueira

And death shall have no dominion

And death shall have no dominion.
Dead man naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan’t crack;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.