W.S. Merwin – Rio

Li Po1, já se foi o pequeno bote
que o levou dez mil li2 rio abaixo
passando pelos gibões que chamavam
das duas margens e eles também se foram
e as florestas de onde chamavam
também se foram e você se foi e cada
som que você ouviu se foi
agora resta apenas o rio
que sempre seguiu seu próprio curso

Trad.: Nelson Santander

  1. Li Po (ou Li Bai) foi um dos maiores poetas da dinastia Tang, conhecido por suas composições líricas sobre a natureza, o vinho e a transitoriedade da vida. Sua poesia é frequentemente associada à estética taoísta, marcada por uma visão de mundo que enfatiza o fluxo e a impermanência. No poema “River”, W. S. Merwin faz uma referência direta a um famoso poema de Li Po (abaixo, em inglês), que descreve uma viagem de barco pelo rio Yangtzé, capturando a sensação de movimento e efemeridade. Merwin dialoga com essa obra ao evocar o poeta chinês e sua travessia, explorando o tema do desaparecimento e da memória, num tributo à própria transitoriedade da vida e da natureza.

    White King City I left at dawn in the morning
    glow of the clouds,

    The thousand-mile journey to Jiang Ling,
    completed in a single day,

    On either shore the gibbons’ chatter sounds
    without pause,

    While my light boat skims past thousands of crags.

    Em tradução livre:

    Cidade do Rei Branco, deixei ao amanhecer
    no brilho das nuvens matinais,
    A viagem de mil milhas até Jiang Ling,
    concluída em um só dia,
    Nas margens, o tagarelar incessante dos gibões,
    Enquanto meu leve bote desliza por mil rochedos.
    ↩︎
  2. Uma antiga unidade de medida chinesa de distância, ainda utilizada na China hoje em dia, embora seu valor tenha variado ao longo da história. Na época de Li Po, um “li” correspondia aproximadamente a 500 metros. Portanto, “dez mil li” representaria uma extensão significativa, cerca de 5.000 quilômetros, sendo usado poeticamente para sugerir uma longa jornada, muitas vezes exagerada para enfatizar a grandiosidade da travessia. ↩︎

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

River

Li Po the little boat is gone
that carried you ten thousand li
downstream past the gibbons calling
all the way from both banks and they
too are gone and the forests they
were calling from and you are gone
and every sound you heard is gone
now there is only the river
that was always on its own way

W. S. Merwin – A estrada

Parece grande demais para que apenas um homem
Caminhe sobre ela Como se ela e o dia vazio
Fossem tudo o que existisse. E um cachorrinho
Trotando no compasso das ondas de calor, perto
Do horizonte, parecendo nunca avançar.
O sol e todas as coisas
Estão empoçados nos mesmos lugares, e a vala
É sempre a mesma, repleta de todo tipo de
Osso, enquanto o ar vazio continua a zumbir
Aquele som memorizado das coisas que por ali
Passaram. E as placas com cabeças enormes e corpos
Desnutridos, ensaiando passos de dança no calor,
E outras, grandes como casas, todas prometem,
Mas sem nada dentro, apenas uma parede,
E falam de outros lugares onde você pode comer,
Beber, tomar um banho, deitar-se numa cama
Ouvindo música, e sentir-se seguro. Se você
Olhar ao redor, verá que, em sentido contrário,
voltando, é igual; e que agora está mais distante
De onde veio, provavelmente,
Do que dos lugares que poderia alcançar prosseguindo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 06/04/2020

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Highway

It seems too enormous just for a man to be
Walking on. As if it and the empty day
Were all there is. And a little dog
Trotting in time with the heat waves, off
Near the horizon, seeming never to get
Any farther. The sun and everything
Are stuck in the same places, and the ditch
Is the same all the time, full of every kind
Of bone, while the empty air keeps humming
That sound it has memorized of things going
Past. And the signs with huge heads and starved
Bodies, doing dances in the heat,
And the others big as houses, all promise
But with nothing inside and only one wall,
Tell of other places where you can eat,
Drink, get a bath, lie on a bed
Listening to music, and be safe. If you
Look around you see it is just the same
The other way, going back; and farther
Now to where you came from, probably,
Than to places you can reach by going on.

W. S. Merwin – Solstício

Dizem que apesar de tudo
o sol retornará
à meia-noite
meu único amor

mas sabemos como os minutos
voam pelas
árvores escuras
e desaparecem

como as majestosas ‘ohias e os saís-verdes
e sabemos como as semanas
caminham nas
sombras ao meio-dia

ao pensar nos meses toco sua mão
algo que não
se diz

observamos os pássaros vermelhos pela manhã
juntos esperamos
pelo silencioso dia
o ano se transforma em ar

mas permanecemos juntos durante toda a noite
com o sol ainda partindo
e o ano
retornando

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Solstice

They say the sun will come back
at midnight
after all
my one love

but we know how the minutes
fly out into
the dark trees
and vanish

like the great ‘ohias and the honey creepers
and we know how the weeks
walk into the
shadows at midday

at the thought of the months I reach for your hand
it is not something
one is supposed
to say

we watch the red birds in the morning
we hope for the quiet
daytime together
the year turns into air

but we are together in the whole night
with the sun still going away
and the year
coming back

W. S. Merwin – Agradecimentos

Ouça
com o cair da noite nós agradecemos
paramos nas pontes e nos inclinamos sobre as grades
saímos às pressas das salas envidraçadas
com as bocas cheias de comida para olhar o céu
e agradecer
junto à água agradecemos a ela
de pé junto às janelas que olham
em nossa direção

de volta de uma série de hospitais de volta de um assalto
após funerais, agradecemos
após as notícias sobre os mortos
quer os conhecêssemos ou não, agradecemos

por telefone, agradecemos
nas portas, nos bancos traseiros dos carros e nos elevadores
lembrando das guerras e da polícia à porta
e das surras nas escadas, agradecemos
nos bancos, agradecemos
nos rostos dos funcionários e dos abastados
e de todos que nunca mudarão
continuamos agradecendo

com os animais morrendo à nossa volta
e nossa perda de sensibilidade, agradecemos
com as florestas ficando menores mais rápido que os minutos
de nossas vidas, agradecemos
com as palavras se dissipando como células de um cérebro
com as cidades crescendo sobre nós
agradecemos cada vez mais rapidamente
com ninguém escutando, agradecemos
agradecemos e acenamos
por mais escuro que esteja

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Thanks

Listen
with the night falling we are saying thank you
we are stopping on the bridges to bow from the railings
we are running out of the glass rooms
with our mouths full of food to look at the sky
and say thank you
we are standing by the water thanking it
standing by the windows looking out
in our directions

back from a series of hospitals back from a mugging
after funerals we are saying thank you
after the news of the dead
whether or not we knew them we are saying thank you

over telephones we are saying thank you
in doorways and in the backs of cars and in elevators
remembering wars and the police at the door
and the beatings on stairs we are saying thank you
in the banks we are saying thank you
in the faces of the officials and the rich
and of all who will never change
we go on saying thank you thank you

with the animals dying around us
our lost feelings we are saying thank you
with the forests falling faster than the minutes
of our lives we are saying thank you
with the words going out like cells of a brain
with the cities growing over us
we are saying thank you faster and faster
with nobody listening we are saying thank you
we are saying thank you and waving
dark though it is

W. S. Merwin – Um retrato

Já é quase o dia do seu aniversário e
enquanto me visto sozinho em casa
um botão se solta e assim que encontro
uma agulha com um buraco suficientemente grande
para eu passar a linha
e finalmente costurar o botão
abro uma velha foto sua
que sempre fazia essas coisas por mágica
uma fotografia encontrada após a sua morte
de você aos vinte anos
bonita de uma maneira
que eu nunca veria
pois isso foi nove anos
antes de eu nascer
mas a imagem
desbotou de repente
manchas a macularam
talvez já esteja além de reparo
eu possuo apenas o que me lembro

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A Likeness

Almost to your birthday and as I
am getting dressed alone in the house
a button comes off and once I find
a needle with an eye big enough
for me to thread it
and at last have sewed the button on
I open an old picture of you
who always did such things by magic
one photograph found after you died
of you at twenty
beautiful in a way
I would never see
for that was nine years
before I was born
but the picture has
faded suddenly
spots have marred
maybe it is past repair
I have only what I remember

W. S. Merwin – Separação

Sua ausência me atravessou
Como linha em uma agulha.
Tudo o que faço é costurado com esta cor.

Trad.: Nelson Santander

Separation

Your absence has gone through me
Like thread through a needle.
Everything I do is stitched with its color.

W.S. Merwin – Desejo

Por favor, um último
beijo na cozinha
antes de apagarmos as luzes

Trad.: Nelson Santander

Nota sobre o poema: Merwin escreveu este pequeno poema imediatamente após a morte de sua esposa. Como é simples o desejo… de experimentar uma vez mais essa ocorrência aparentemente comum e cotidiana. Imagino isso como uma rotina noturna, um beijo ligeiro antes de preparar a casa para dormir. Mas, neste caso, acho que este “apagarmos as luzes” é mais, muito mais do que pressionar um interruptor. Essas são as coisas, talvez as mais ínfimas das pequenas coisas, que se transformam no que queremos experimentar apenas mais uma vez depois que não é mais possível tê-las. As que fazem de nossos relacionamentos uma parte tão completa de nós e que representam o quanto toda a nossa vida é tingida com aqueles que amamos. As coisas que mal percebemos como belas e maravilhosas em sua simplicidade, mas que se acumulam em pilhas de momentos que representam tão plenamente aqueles que somos forçados a abandonar. Talvez eventualmente elas se tornem as memórias que aliviam nossa carga à medida que avançamos. Sim, acho que é assim. In: http://merwinandmerwin.blogspot.com/2018/03/a-poem-for-wednesday.html?m=1

Wish

Please one more
kiss in the kitchen
before we turn the lights off

W. S. Merwin – Para o aniversário da minha morte

Todo ano, sem perceber, passo pelo dia
Em que as últimas chamas acenarão para mim
E o silêncio colocar-se-á a caminho
Infatigável viajante
Como os feixes de uma estrela sem luz

Então, não me encontrarei
Na vida como em um estranho traje
Surpreso com a terra
E o amor de uma mulher
E a desfaçatez dos homens
Como hoje escrevendo após três dias de chuva
Ouvindo a curruíra cantar e o cessar da precipitação
E reverenciando sem saber a quê

Trad.: Nelson Santander

For the Anniversary of My Death

Every year without knowing it I have passed the day
When the last fires will wave to me
And the silence will set out
Tireless traveler
Like the beam of a lightless star

Then I will no longer
Find myself in life as in a strange garment
Surprised at the earth
And the love of one woman
And the shamelessness of men
As today writing after three days of rain
Hearing the wren sing and the falling cease
And bowing not knowing to what

W. S. Merwin — Um aniversário

Algo continua e     eu não sei como chamá-lo
embora o idioma esteja cheio de sugestões
em termos de linguagem
mas elas todas são anônimas
e é quase seu aniversário música junto aos meus ossos

nestas noites ouvimos os cavalos correndo na chuva
ao parar a lua aparece e nós ainda estamos aqui
as goteiras no telhado continuam pingando depois que a chuva passa
o cheiro das flores de gengibre se espalha pela casa escura
perto do mar o lento coração do farol pisca

o longo caminho até você ainda está atado a mim mas isso me trouxe até você
continuo querendo lhe dar o que já é seu
esta é a manhã das manhãs juntas
alento de verão oh meu achado
o sono na mesma corrente e cada despertar é para você

quando abro os meus olhos você é quem eu queria ver.

Trad.: Nelson Santander
A Birthday

Something continues and     I don't know what to call it
though the language is full of suggestions
in the way of language
                                     but they are all anonymous
and it's almost your birthday     music next to my bones

these nights we hear the horses     running in the rain
it stops and the moon comes out     and we are still here
the leaks in the roof go on dripping     after the rain has passed
smell of ginger flowers     slips through the dark house
down near the sea     the slow heart of the beacon flashes

the long way to you is still tied to me     but it brought me to you
I keep wanting to give you     what is already yours
it is the morning     of the mornings together
breath of summer     oh my found one
the sleep in the same current     and each waking to you

when I open my eyes     you are what I wanted to see.

W. S. Merwin – Juventude

Durante toda a juventude estive procurando por você
sem saber o que eu procurava

ou de como chama-la acho que eu nem
mesmo sabia o que estava procurando como

poderia reconhece-la quando a visse como fiz
vezes sem conta quando você apareceu para mim

como apareceu nua oferecendo-se
inteiramente naquele momento e deixou-

me respira-la toca-la prova-la sabendo
não mais do que eu sabia e somente quando

comecei a pensar em perde-la é que eu a
reconheci quando você já era

parte lembrança parte a distância que resta
minha nas maneiras em que aprendi a sentir sua falta

do que não conseguimos reter as estrelas são feitas

Trad.: Nelson Santander

Youth

Through all of youth I was looking for you
without knowing what I was looking for

or what to call you I think I did not
even know I was looking how would I

have known you when I saw you as I did
time after time when you appeared to me

as you did naked offering yourself
entirely at that moment and you let

me breathe you touch you taste you knowing
no more than I did and only when I

began to think of losing you did I
recognize you when you were already

part memory part distance remaining
mine in the ways that I learn to miss you

from what we cannot hold the stars are made