Werner Aspenström – Um momento na pizzaria

As lâmpadas têm o formato de capacetes.
Sua luz áspera pressiona contra as mesinhas
criando um círculo de semiescuridão
ao redor de cada cliente.
Os relógios de quartzo marcam segundo
a segundo. Levará no mínimo um mês
até que o rouxinol volte do equador.
Às vezes, recebo cartas de um engenheiro
que calculou a idade do universo em 14 bilhões
de anos. Não sou matemático,
terei que confiar apenas em suas equações.
Para mim, o tempo às vezes existe,
às vezes não.
A fruta dilacerada pelo vento hesita a meio caminho
entre o galho e a grama, e se pergunta:
onde estou?
Todos neste recinto, incluindo o proprietário
que amassa a massa branca da pizza,
são em parte recém-chegados e em parte imortais.
O rouxinol está em parte aqui
e em parte no equador.
Existe um instante assim?
Sim, existe tal instante, tal ponto no tempo.

Trad.: Nelson Santander (a partir da versão em inglês, vertida por Malena Mörling)

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A moment at the pizzeria

The lamps are shaped like crash helmets.
Their harsh light presses against the small tabletops
casting a ring of semidarkness
around each lunch guest.
The quartz watches sever second
after second. It will take at least a month
before the willow warbler returns from the equator.
Every so often I receive letters from an engineer
who has calculated the age of the universe at 14 billion
years. I am not a mathematician,
I’ll have to just trust his equations.
For me time exists sometimes,
sometimes not.
The wind-torn fruit hesitates halfway
between branch and grass and wonders:
Where am I?
Everyone in this room, including the owner
who is kneading the white pizza dough,
has partly just arrived and is partly immortal.
The willow warbler is partly here
and partly at the equator.
Is there such a time?
There is such a time, such a point in time.

Malena Mörling – Sem localização precisa

            À noite, 
o vento aprisionado
   agita os galhos
do olmo siberiano. Meu filho,
que nasceu recentemente,
dorme entre mim
e meu marido.
Onde ele estava antes?
Meu marido repousa
com seus pensamentos
imersos
em um sonho
sem localização precisa.
Nossos corpos
estão deitados aqui
nesta cama
na escuridão
de uma casa na terra —
Uma casa que flutua no espaço
tanto quanto a estrela mais
distante na galáxia de Andrômeda.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

No precise location


All night,
the caught wind
wrestles the limbs
of the Siberian Elm. My son,
who was recently born,
sleeps between me
and my husband.
Where was he before?
My husband sleeps
with his thoughts
deep
into a dream
that has no precise location.
Our bodies
are lying here now
on this bed
in the dark
of a house on the earth—
A house as much in space
as the farthest star
in the galaxy of Andromeda.

Malena Mörling – Viajando

Como postes de luz
ainda acesos
após o amanhecer,
os mortos
nos encaram
de fotografias
emolduradas.

Você pode discordar,
mas ali estão eles,
ainda presentes
viajando
incessantemente
para trás
sem um som
cada vez mais
para o passado.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: A temática deste poema pareceu-me muito semelhante à abordada por Carlos Drummond de Andrade em seu excepcional “Convívio”, publicado anteontem no site. Ambos refletem sobre a persistência dos que se foram, a presença contínua dos ausentes na vida dos que ficaram e como essa influência se manifesta de forma sutil, porém significativa, na existência cotidiana.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Traveling

Like streetlights
still lit
past dawn,
the dead
stare at us
from the framed
photographs.

You may say otherwise,
but there they are,
still here
traveling
continuously
backwards
without a sound
further and further
into the past.

Edith Södergran – Nada

Fique tranquilo, meu filho, não há nada,
e tudo é como parece: a floresta, a fumaça
e os trilhos que desaparecem.
Em algum lugar afastado, em países distantes,
existe um céu mais azul e uma parede coberta de rosas
ou uma palmeira e um vento suave —
e isso é tudo.
Não há nada além de neve no ramo do pinheiro.
Não há nada que possamos beijar para aquecer nossos lábios,
e todos os lábios ficarão frios com o tempo.
Mas o que você está dizendo, meu filho? Que seu coração é forte,
e viver em vão é pior do que morrer?
O que você queria da morte? Você sente o nojo que
suas roupas espalham e que
nada é mais repulsivo do que morrer pelas próprias mãos?
Na vida devemos amar as longas horas de enfermidade
e os limitados anos de saudade
assim como os breves momentos em que o deserto floresce.

Trad.: Nelson Santander (a partir de tradução do sueco para o inglês por Malena Mörling e Jonas Ellerström)

Nothing

Be calm, my child, there’s nothing,
and everything is as it appears: the forest, the smoke
and the vanishing rails.
Somewhere far off in distant countries
there’s a bluer sky and a wall with roses
or a palm tree and a tepid wind—
and that’s all.
There’s nothing besides the snow on the branch of the pine tree.
There’s nothing to kiss with warm lips,
and all lips will grow cool with time.
But you’re saying, my child, that your heart is strong,
and to live without meaning is worse than dying.
What do you want from death? Do you feel the disgust
his clothes are spreading
and nothing is more repulsive than death by your own hand.
We should love life’s long hours of illness
and confined years of longing
as much as the brief moments the desert blooms.

Malena Mörling – Do trem

Pouco antes do sol desaparecer
atrás de uma fileira de armazéns
e antes que ele voltasse à tona
para lavar nossas roupas
das sombras, eu notei algo —
Era apenas um pedaço de papel,
mas estava pendurado em uma das paredes expostas
de um dos prédios parcialmente demolidos
que passavam flutuando.
Notei também o contorno
de uma velha escada
e o desgastado papel de parede verde florido
subindo pelo menos três lances
até onde o papel pendia logo
abaixo da alta curva estriada
do céu à luz do sol quase
horizontal do crepúsculo.
E pensei como quem
um dia viveu naquele espaço
deve ter escrito algo nele.
Algo importante.
E o pregou na parede.
E mais tarde à esquerda.
E o modo como todos nós vamos
partir de onde estamos agora.
E então imaginei que até
pudesse ser um poema que
só o vento estava lendo.
E pensei como no final
tudo o que resta é o espaço.
Porque não podemos destruí-lo.
E talvez uns poucos poemas
em certos lugares insuspeitos
que estão lá porque estão.

Trad.: Nelson Santander

From the Train

Just before the sun vanished
behind a row of warehouses
and before it came flooding
back to rinse the shadows
off our clothes I noticed something—
It was only a scrap of paper,
but it hung on the exposed wall
of one of the partially demolished buildings
that floated past.
I also noticed the outline
of an old stairway
and worn florid green wallpaper
going up at least three flights
to where the paper hung
below the high streaked curve
of the sky in the almost horizontal
sunlight of the evening.
And I thought how whoever
once lived in that space
must have written something on it.
Something important.
And nailed it up on the wall.
And later on left.
The way we all will leave
where we are now.
And then I imagined
it was even a poem
only the wind was reading.
And I thought how in the end
all that will be left is space.
Because we can’t destroy it.
And perhaps a few poems
in certain unsuspected
places that are there because they are.

Malena Mörling – Simplesmente iluminado

Muitas vezes no fim da tarde,
depois de outro dia, depois de
mais um ano de dias,
no meio da noite a caminho de casa
eu paro na loja de conveniência
e, aguardando na fila, me pego
perguntando sobre as pessoas. Eu me pergunto
se elas também se perguntam como é
estranho que estejamos
aqui na terra.
E como, para poder viver,
todos temos que dormir.
E como temos camas para isto
(a não ser que estejamos sem)
e quartos inteiros para onde vamos
no final do dia para desabar.
E penso em como mesmo as pessoas
mais animadas ficam desoladas
quando estão sozinhas
porque elas também precisam dormir
e, mais cedo ou mais tarde, morrer.
Estamos sempre procurando adquirir
mais comida para outras excelentes refeições.
Temos que ter excelentes refeições.
Não é o suficiente ser uma pessoa comprando
uma caixa de leite? Uma simples
latinha de manteiga
e um pão integral?
Não basta só ficar aqui
enquanto a doce caixa de meia-idade
registra as compras?
Olho para fora,
mas não consigo ver muito ali
porque está escuro agora, exceto
por um solitário letreiro de neon vermelho
flutuando sobre o posto de combustível
como um templo em miniatura simplesmente
iluminado contra a noite.

Trad.: Nelson Santander

Simply Lit

Often toward evening,
after another day, after
another year of days,
in the half dark on the way home
I stop at the food store
and waiting in line I begin
to wonder about people. I wonder
if they also wonder about how
strange it is that we
are here on the earth.
And how in order to live
we all must sleep.
And how we have beds for this
(unless we are without)
and entire rooms where we go
at the end of the day to collapse.
And I think how even the most
lively people are desolate
when they are alone
because they too must sleep
and sooner or later die.
We are always looking to acquire
more food for more great meals.
We have to have great meals.
Isn’t it enough to be a person buying
a carton of milk? A simple
package of butter and a loaf
of whole wheat bread?
Isn’t it enough to stand here
while the sweet middle-aged cashier
rings up the purchases?
I look outside,
but I can’t see much out there
because now it is dark except
for a single vermilion neon sign
floating above the gas station
like a miniature temple simply lit
against the night.