Joseph Stroud – Primeira Canção

Naquela distante manhã na fazenda de Ruth
quando me escondi entre as glicínias
e observei os beija-flores. Eu pensei
que o rubi ou o ouro que reluzia em seus pescoços
fosse o sangue adocicado das flores.
Eles mergulhavam seus bicos perfurantes
em uma coroa de pétalas até suas cabeças
desaparecerem. As flores se confundiam com as asas,
e a respiração que eu ouvia
vinha das finas hastes das glicínias em movimento.
Naquela noite, meu rosto pressionado contra a janela,
olhei para fora na escuridão
onde a lua se afogava nos salgueiros
junto à lagoa. Meu coração, sanguíneo jaspe,
mudou. Aquela longa noite, a fazenda,
aqueles rútilos pássaros, todos esses anos idos.
Os cavalos em pé quietos e enormes
na escuridão trespassada pela lua.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 14/11/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

First Song

That long-ago morning at Ruth’s farm
when I hid in the wisteria
and watched hummingbirds. I thought
the ruby or gold that gleamed on their throats
was the honeyed blood of flowers.
They would stick their piercing beaks
into a crown of petals until their heads
disappeared. The blossoms blurred into wings,
and the breathing I heard
was the thin, moving stems of wisteria.
That night, my face pressed against the window,
I looked out into the dark
where the moon drowned in the willows
by the pond. My heart, bloodstone,
turned. That long night, the farm,
those jeweled birds, all these gone years.
The horses standing quiet and huge
in the moon-crossing blackness.

Joseph Stroud – Perdido

O cervo se distancia de mim e continua sem pressa
ao longo da colina sem sequer olhar para trás,
para onde estou, e de onde começo a cruzar
um campo de neve dentro do meu corpo e me perco
enquanto uma cinza branca cai do céu encobrindo meus rastros
e não há como encontrar o caminho de volta.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 16/08/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Lost

The deer turns his head away from me and casually
continues along the ridge not even glancing back
to where I stand, to where I begin to walk across
a field of snow inside my body and lose myself
as a white ash drifts from the sky filling my tracks
and there is no way to find my way back.

Joseph Stroud – Lázaro em Varanasi

De uma pira no flamejante ghat1,
um cadáver se ergue lentamente entre as chamas.
Como se lembrasse de algo importante.
Como se quisesse olhar ao redor uma última vez.
Como se finalmente tivesse algo a dizer.
Como se houvesse uma saída para isso.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 24/06/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Lazarus In Varanasi

From a pyre on the burning ghat
a corpse slowly sits up in the flames.
As if remembering something important.
As if to look around one more time.
As if he has something at last to say.
As if there might be a way out of this.

  1. Os ghats são conjuntos de degraus que levam à beira de rios sagrados na Índia, tradicionalmente usados para banhos rituais, cerimônias religiosas e cremações. Varanasi, mencionada no título do poema, é uma cidade situada às margens do rio Ganges (considerado sagrado pelos indianos), reconhecida por suas cerimônias de cremação e sua profunda ligação com a espiritualidade e os ritos mortuários. ↩︎

Joseph Stroud – Lendo Kaváfis sozinho na cama

Eu também me lembro do passado, meu quarto à luz de velas,
e da noite em que ela entrou e tocou meu rosto com o dela
com boca, língua e lábios,
da noite no pomar, do aroma das frutas,
seus seios – lembra, corpo?* – aquele quarto,
lembra? – nossos gritos, as velas bruxuleantes?

Trad.: Nelson Santander

* N. do T.: “Reading Cavafy Alone In Bed” faz referência ao poema “Lembra, corpo…” de Konstantinos Kaváfis, um dos mais conhecidos poetas gregos modernos. A citação é uma evocação lírica do tema da memória e da intimidade, presente tanto na obra de Kaváfis quanto na de Stroud.

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 23/06/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Reading Cavafy Alone In Bed

I, too, remember the past, my room lit by candles,
and the night she entered and touched my face
with her face, with mouth and tongue and lips,
in the orchard night, in the odor of fruit,
her breasts — remember, body? — that room,
remember? — our cries, the flickering candles?

Joseph Stroud – Primeira Canção

Naquela distante manhã na fazenda de Ruth
quando me escondi entre as glicínias
e observei os beija-flores. Eu pensei
que o rubi ou o ouro que reluzia em seus pescoços
fosse o sangue adocicado das flores.
Eles mergulhavam seus bicos perfurantes
em uma coroa de pétalas até suas cabeças
desaparecerem. As flores se confundiam com as asas,
e a respiração que eu ouvia
vinha das finas hastes das glicínias em movimento.
Naquela noite, meu rosto pressionado contra a janela,
olhei para fora na escuridão
onde a lua se afogava nos salgueiros
junto à lagoa. Meu coração, sanguíneo jaspe,
mudou. Aquela longa noite, a fazenda,
aqueles rútilos pássaros, todos esses anos idos.
Os cavalos em pé quietos e enormes
na escuridão trespassada pela lua.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

First Song

That long-ago morning at Ruth’s farm
when I hid in the wisteria
and watched hummingbirds. I thought
the ruby or gold that gleamed on their throats
was the honeyed blood of flowers.
They would stick their piercing beaks
into a crown of petals until their heads
disappeared. The blossoms blurred into wings,
and the breathing I heard
was the thin, moving stems of wisteria.
That night, my face pressed against the window,
I looked out into the dark
where the moon drowned in the willows
by the pond. My heart, bloodstone,
turned. That long night, the farm,
those jeweled birds, all these gone years.
The horses standing quiet and huge
in the moon-crossing blackness.

Joseph Stroud – A mais difícil tradução do amor

Após cinco anos de casamento
ele achou que seu coração finalmente havia traduzido o matrimônio.
Mas foi como aquela noite no Festival de Filmes Estrangeiros
quando, quase na metade, o filme de repente
mudou de legendado para dublado
& por um instante ele achou que entendia romeno.

Trad.: Nelson Santander

Love’s More Difficult Translation

About five years into the marriage
he thought his heart had finally translated it.
But it was like that night at the Foreign Film Festival
halfway through a movie when suddenly
it switched from subtitles to dubbed English
& for an instant he thought he understood Romanian.

Joseph Stroud – Perdido

O cervo se distancia de mim e continua sem pressa
ao longo da colina sem sequer olhar para trás,
para onde estou, e de onde começo a cruzar
um campo de neve dentro do meu corpo e me perco
enquanto uma cinza branca cai do céu encobrindo meus rastros
e não há como encontrar o caminho de volta.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Lost

The deer turns his head away from me and casually
continues along the ridge not even glancing back
to where I stand, to where I begin to walk across
a field of snow inside my body and lose myself
as a white ash drifts from the sky filling my tracks
and there is no way to find my way back.

Joseph Stroud – Tributo a Rolf Jacobsen

A jaqueta amarela fica batendo contra a vidraça
tentando sair. Desde o começo era apenas uma questão
de abrir a janela, encontrar as palavras,
e você por aí – em um outro, maior mundo.
Para os mortos, o paraíso é a calçada na qual você caminha
olhando as janelas, cantarolando, parando para um café.

Trad.: Nelson Santander

Homage To Rolf Jacobsen

The yellow jacket keeps crashing against the pane
trying to get out. All along it’s only a matter
of opening the window, finding the words,
and you’re out there — in the other, larger world.
To the dead, paradise is the sidewalk you stroll down
looking in windows, humming, stopping for coffee.

Joseph Stroud – Lázaro em Varanasi

De uma pira no flamejante ghat1,
um cadáver se ergue lentamente entre as chamas.
Como se lembrasse de algo importante.
Como se quisesse olhar ao redor uma última vez.
Como se finalmente tivesse algo a dizer.
Como se houvesse uma saída para isso.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Lazarus In Varanasi

From a pyre on the burning ghat
a corpse slowly sits up in the flames.
As if remembering something important.
As if to look around one more time.
As if he has something at last to say.
As if there might be a way out of this.

  1. Os ghats são conjuntos de degraus que levam à beira de rios sagrados na Índia, tradicionalmente usados para banhos rituais, cerimônias religiosas e cremações. Varanasi, mencionada no título do poema, é uma cidade situada às margens do rio Ganges (considerado sagrado pelos indianos), reconhecida por suas cerimônias de cremação e sua profunda ligação com a espiritualidade e os ritos mortuários. ↩︎

Joseph Stroud – Lendo Kaváfis sozinho na cama

Eu, também, me lembro do passado, meu quarto iluminado por velas,
e da noite em que ela entrou e tocou meu rosto
com seu rosto, com boca e língua e lábios,
do pomar à noite, do odor das frutas,
seus seios – lembra, corpo? – aquele quarto,
lembra? – nossos gritos, as velas bruxuleantes?

Trad.: Nelson Santander

Reading Cavafy Alone In Bed

I, too, remember the past, my room lit by candles,
and the night she entered and touched my face
with her face, with mouth and tongue and lips,
in the orchard night, in the odor of fruit,
her breasts — remember, body? — that room,
remember? — our cries, the flickering candles?