O luto
é um rio que atravessamos até chegar à outra margem.
Mas estou aqui, atolada no meio, com água dividindo-se
em torno dos tornozelos, seguindo rio abaixo
sobre pedras planas. Incapaz de levantar um pé,
de seguir em frente. Em vez disso, vou ficar aqui
nas águas rasas com a minha dor, nutrindo-a
como a um bebê rabugento, embalando-a nos braços.
Não quero que ela cresça, vá para a escola, se case.
A dor é minha. Sim, a luz do sol de outubro me envolve
em seu xale amarelo, e o ar é doce
como um Tokay dourado1. Na outra margem,
há maçãs, uvas, nozes,
e as pedras estão quentes com o sol.
Mas vou ficar aqui,
cada vez mais fria, até que cada centímetro
de minha pele esteja dormente. Não posso atravessar.
Pois, se o fizer, sua partida será definitiva.
Trad.: Nelson Santander
- Um vinho de sobremesa doce (licor), associado à região de Tokaj na Hungria. No poema, provavelmente simboliza uma memória de algo agradável e reconfortante para o falante. ↩︎
Grief
is a river you wade in until you get to the other side.
But I am here, stuck in the middle, water parting
around my ankles, moving downstream
over the flat rocks. I’m not able to lift a foot,
move on. Instead, I’m going to stay here
in the shallows with my sorrow, nurture it
like a cranky baby, rock it in my arms.
I don’t want it to grow up, go to school, get married.
It’s mine. Yes, the October sunlight wraps me
in its yellow shawl, and the air is sweet
as a golden Tokay. On the other side,
there are apples, grapes, walnuts,
and the rocks are warm from the sun.
But I’m going to stand here,
growing colder, until every inch
of my skin is numb. I can’t cross over.
Then you really will be gone.