Barbara Crooker – O luto

O luto

é um rio que atravessamos até chegar à outra margem.
Mas estou aqui, atolada no meio, com água dividindo-se
em torno dos tornozelos, seguindo rio abaixo
sobre pedras planas. Incapaz de levantar um pé,
de seguir em frente. Em vez disso, vou ficar aqui
nas águas rasas com a minha dor, nutrindo-a
como a um bebê rabugento, embalando-a nos braços.
Não quero que ela cresça, vá para a escola, se case.
A dor é minha. Sim, a luz do sol de outubro me envolve
em seu xale amarelo, e o ar é doce
como um Tokay dourado1. Na outra margem,
há maçãs, uvas, nozes,
e as pedras estão quentes com o sol.
Mas vou ficar aqui,
cada vez mais fria, até que cada centímetro
de minha pele esteja dormente. Não posso atravessar.
Pois, se o fizer, sua partida será definitiva.

Trad.: Nelson Santander

  1. Um vinho de sobremesa doce (licor), associado à região de Tokaj na Hungria. No poema, provavelmente simboliza uma memória de algo agradável e reconfortante para o falante. ↩︎

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Grief

is a river you wade in until you get to the other side.
But I am here, stuck in the middle, water parting
around my ankles, moving downstream
over the flat rocks. I’m not able to lift a foot,
move on. Instead, I’m going to stay here
in the shallows with my sorrow, nurture it
like a cranky baby, rock it in my arms.
I don’t want it to grow up, go to school, get married.
It’s mine. Yes, the October sunlight wraps me
in its yellow shawl, and the air is sweet
as a golden Tokay. On the other side,
there are apples, grapes, walnuts,
and the rocks are warm from the sun.
But I’m going to stand here,
growing colder, until every inch
of my skin is numb. I can’t cross over.
Then you really will be gone.

Barbara Crooker – Natal sem você

Já não faço bolo de frutas — cerejas berrantes,
pedaços pegajosos de abacaxi glaceado,
casca cristalizada — aninhadas no leito de um
pão-de-ló escuro e especiado. Só você gostava disso.
E não consigo mais caminhar pelos bosques cobertos de gelo
para derrubar (ou melhor, serrar) uma árvore perfumada,
prendê-la no teto do carro, trazê-la para casa,
e ajoelhar-me todos os dias para regá-la. No lugar dela,
uma árvore artificial, já iluminada por pequeninas luzes,
faz o que pode para clarear essas noites escuras.
Em que me sento diante da lareira, sozinha,
com minha taça solitária de vinho. A meia
que você bordou para mim no nosso primeiro natal
pende vazia. Assim como a sua,
com recortes de feltro que sua mãe costurou quando você
tinha dois anos. Não há presentes para embrulhar
nem brindes a esconder. Os biscoitos estão por assar.
Os assados, intocados. Só o silêncio da neve,
a chama de uma única vela. A noite
mais longa do ano.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Christmas without you

I no longer make fruitcake—those garish
cherries, sticky chunks of glacéed pineapple,
candied peel—snug in their bed of dark spiced
cake. No one but you ever liked it. And I’m not
capable of walking in the ice-crusted woods
to chop down (really, saw) a fragrant tree,
wrestle it on top of the car, then lug it inside,
water it daily on hands and knees. Instead,
an artificial tree, pre-lit with tiny lights,
does its best to brighten these dark nights.
Where I sit in front of the fire, alone,
with my solitary glass of wine. The stocking
you sewed for me the first year we were
together hangs empty. As does yours,
felt cut-outs sewn by your mother when you
were two. There are no presents to wrap
or gifts to hide. The cookies are unbaked.
Roasts untrimmed. Just the silence of the snow,
the flame from a single candle. The longest
night of the year.

Barbara Crooker – Vida comum

Este foi um dia em que nada aconteceu,
as crianças foram para a escola
sem esquecer de seus livros, lanches, luvas.
Por toda a manhã, o bebê e eu amontoamos pilhas de blocos
no chão de ladrilhos iluminados.
E ao almoço seguiu-se a hora da sesta,
limpei os armários da cozinha,
uma dessas tarefas que nunca realizamos,
e me sentei em um círculo de luz solar
e bebi chá de gengibre,
observando os pássaros no comedouro
disputando as sobras do almoço.
Um faisão desfilou na sebe,
limpou as penas e exibiu sua rútila cabeça.
Agora, um frango assa na panela,
e as crianças retornam,
o murmurar de suas histórias salpicando o ar.
Eu descasco cenouras e batatas sem cortar meu polegar.
Ouvimos juntos o som de seus pneus na entrada.
Damos graças antes do pão.
E, à mesa, conversa de verdade,
sem brigas ou empurrões.
E depois, a lição de casa.
O bebê vai aos seus carrinhos, impele-os
ao longo das serras e colinas do sofá.
Debruçando sobre o balcão, roubamo-nos um beijo longo e lento,
com gosto de creme e café
O frango está reduzido a pele e esqueleto,
a lua, a uma vírgula, uma lasca nevada,
mas este tem sido um dia abençoado
em pleno inverno,
a dura e fria junção do ano,
um dia que se desembrulha
como um inesperado presente,
e as estrelas se acendem,
e se auto-organizam
na noite de inverno.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: Poema vencedor do Byline Chapbook Prize, Byline Press, 2001

Ordinary Life

This was a day when nothing happened,
the children went off to school
remembering their books, lunches, gloves.
All morning, the baby and I built block stacks
in the squares of light on the floor.
And lunch blended into naptime,
I cleaned out kitchen cupboards,
one of those jobs that never gets done,
then sat in a circle of sunlight
and drank ginger tea,
watched the birds at the feeder
jostle over lunch’s little scraps.
A pheasant strutted from the hedgerow,
preened and flashed his jeweled head.
Now a chicken roasts in the pan,
and the children return,
the murmur of their stories dappling the air.
I peel carrots and potatoes without paring my thumb.
We listen together for your wheels on the drive.
Grace before bread.
And at the table, actual conversation,
no bickering or pokes.
And then, the drift into homework.
The baby goes to his cars, drives them
along the sofa’s ridges and hills.
Leaning by the counter, we steal a long slow kiss,
tasting of coffee and cream.
The chicken’s diminished to skin and skeleton,
the moon to a comma, a sliver of white,
but this has been a day of grace
in the dead of winter,
the hard cold knuckle of the year,
a day that unwrapped itself
like an unexpected gift,
and the stars turn on,
order themselves
into the winter night.

Barbara Crooker – No meio

de uma vida que é tão complicada quanto a de todo mundo,
batalhando por equilíbrio, equilibrando o tempo.
O relógio de lareira que foi do meu avô
parou às 9:20; não tivemos tempo
de conserta-lo. O pêndulo de bronze está imóvel,
os sinos não soam. Um dia eu olho pela janela,
verde verão, no outro, as folhas já caíram
e um céu cinza baixa no horizonte. Nossos filhos quase crescidos,
nossos pais se foram, aconteceu tão rápido. Diariamente, devemos aprender
novamente como amar, entre o célere café da manhã
e o demorado regresso da noite. Sobe o vapor de uma panela de sopa,
mesclando-se ao cheiro fermentado de pão de forno. Nossos corpos
se enroscam, e o grande cão preto pressiona sua grande cabeça entre eles;
sua cauda, um metrônomo, compasso ternário. Nós nunca chegaremos lá,
o Tempo está sempre à nossa frente, correndo pela praia, impelindo-
nos a ir mais rápido, mais rápido, mas, às vezes, despimo-nos de nossos relógios,
às vezes deitamos na rede, aprisionados entre a malha
de corda e a rede de estrelas, suspensos, enredados
no amor, esgotando o tempo.

Trad.: Nelson Santander

In the Middle

of a life that’s as complicated as everyone else’s,
struggling for balance, juggling time.
The mantle clock that was my grandfather’s
has stopped at 9:20; we haven’t had time
to get it repaired. The brass pendulum is still,
the chimes don’t ring. One day I look out the window,
green summer, the next, the leaves have already fallen,
and a grey sky lowers the horizon. Our children almost grown,
our parents gone, it happened so fast. Each day, we must learn
again how to love, between morning’s quick coffee
and evening’s slow return. Steam from a pot of soup rises,
mixing with the yeasty smell of baking bread. Our bodies
twine, and the big black dog pushes his great head between;
his tail, a metronome, 3/4 time. We’ll never get there,
Time is always ahead of us, running down the beach, urging
us on faster, faster, but sometimes we take off our watches,
sometimes we lie in the hammock, caught between the mesh
of rope and the net of stars, suspended, tangled up
in love, running out of time.