Indrė Valantinaitė – Provavelmente serei uma velha magra

Provavelmente serei uma velha magra

Rasgando seus beijos e seus medos
Ela acorda à noite
Para se maravilhar com tudo que a substituiu.
Paul Éluard

Em 2055, provavelmente serei uma velha magra
que ocupa pouco espaço nos ônibus e nas filas.

Daqui a meio século, apenas o espelho do banheiro
e os médicos olharão para o meu corpo.

Apenas me roçarão
as suadas camisolas
rasgadas nas axilas.

Então, antes de dormir, me lembrarei
da língua do meu amado e do sabor de sua saliva.
E de todos os outros homens
que um dia me desejaram.

E do rangido da cama
onde nos deitávamos
juntos.

Trad.: Nelson Santander

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Greičiausiai būsiuliesa senė

Prapl ė šdama savo bu č inius ir baimes
Ji atsibunda naktį,
Kad stebėtųsi viskuo, kas ją pakeitė.
Paulo Éluard

Kokiais 2055 greičiausiai būsiu liesa senė
ir užimsiu mažai vietos autobusuose ir eileėse.

Už pusės amžiaus į mano kūną
Težiūrės vonios veidrodis ir daktarai.

Prie manęs liesis
tik prakaituoti naktiniai marškiniai
praplyšusia pažastim.

Tada prieš užmigdama prisiminsiu
mylimojo liežuvį ir jo seilių skonį.
Ir visus kitus vyrus,
kurie manęs kadaise geidė.

Ir dar – kaip girgžda lova
Į kurią sugulama
po du.

Dan Fante – [Agora que eu já escrevi]

Agora que eu já escrevi
dez anos de livros e peças
e abandonei álcool e cigarros
e a gloriosa pornografia suja
e minhas roupas não fedem por passar a noite dormindo no velho Pontiac
e meu cabelo está caindo e estou dez quilos mais gordo
Aos meus cinquenta anos com ligações a retornar e responsabilidades
e as discussões que tenho com policiais não são mais sobre fiança
ou inadimplência
ou onde escondi minha arma
Agora eu me sinto capaz de comprovar que o tempo não muda nada
que esta coisa que toda minha vida vem pulsando e se contorcendo dentro de mim
– este buraco vazio
Esta necessidade de gritar e mudar coisas e nunca estar satisfeito –
Esta voz que sobreviveu a psiquiatras e prisões e 3 divórcios
e suicídio e falência e cursos de auto-ajuda aos finais de semana
Esta raiva
ainda guia minha visão
e exige que eu vá de cabeça contra minha vida
como um tolo
em
busca
de
uma
chama
pura e branca

Trad.: Edivaldo Ferreira

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 05/03/2020

Joy Sullivan – Compaixão

Um dia, grelhávamos abobrinhas
no quintal. Era verão
e eu estava prestes a deixá-lo.
Um louva-a-deus pousou na grelha.
Ele era belo e brilhante,
mesmo enquanto crepitava e eu queimava
todas as pontas dos dedos tentando salva-lo.
Não se sabe ao certo se um inseto está sofrendo,
mas ele devia estar, e você o colocou
gentilmente na grama, onde
o encontrei e o esmaguei com o pé.
E acho que nos surpreendemos com o
que cada um de nós entendia por compaixão.

Trad.: Nelson Santander

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Mercy

Once, we were grilling zucchini
from the garden. It was summertime
and I was about to leave you.
A praying mantis landed on the grill.
He was bright and beautiful
even as he fizzled and I burned
all my fingertips trying to save him.
You can’t tell when an insect is in pain
but he must have been and you put him
in the grass so softly
where I found and stomped him.
And I think it surprised us
what we each defined as mercy.

Merrit Malloy – Epitáfio

Quando eu morrer
Doa o que restar de mim
Às crianças
E aos idosos que esperam para morrer.

E se precisares chorar,
Chora por teu irmão
Que caminha pela rua ao teu lado.
E quando precisares de mim,
Põe teus braços
Em volta de alguém
E dá-lhe o que tens a me oferecer.

Quero deixar-te algo,
Algo melhor
Que palavras
Ou sons.

Busca por mim
Nas pessoas que conheci
Ou amei,
E se não puderes me doar
Ao menos deixa-me viver em teus olhos
E não em teus pensamentos.

Podes me amar mais
Permitindo que as mãos
Toquem as mãos,
Que os corpos toquem os corpos,
E deixando ir
As crianças
Que precisam ser livres.

O amor não morre,
As pessoas sim.
Portanto, quando tudo que restar de mim
For amor,
Doa-me.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 02/03/2020

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Epitaph

When I die
Give what’s left of me away
To children
And old men that wait to die.

And if you need to cry,
Cry for your brother
Walking the street beside you.
And when you need me,
Put your arms
Around anyone
And give them
What you need to give to me.

I want to leave you something,
Something better
Than words
Or sounds.

Look for me
In the people I’ve known
Or loved,
And if you cannot give me away,
At least let me live on in your eyes
And not your mind.

You can love me most
By letting
Hands touch hands,
By letting bodies touch bodies,
And by letting go
Of children
That need to be free.

Love doesn’t die,
People do.
So, when all that’s left of me
Is love,
Give me away.

Maria do Rosário Pedreira – ouvidos

ouvidos

Quando estou sozinha,
sento os mortos à mesa
e dou-lhes de comer –
um prato a cada um, em

troca dessas histórias que
morro de saudades de os
ouvir contar. E escuto-os

com a velha paixão – tal
qual estivessem vivos –
para não me fugirem as
suas vozes da memória.

Às vezes choro, claro –
e nem é por eles já não
terem dentes e me
deixarem quase tudo no

prato; mas por os ver ali,
ao pé de mim, e me sentir
na mesma tão sozinha.

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José Emílio Pacheco – Crianças e adultos

Aos dez anos, acreditava
que o mundo era dos adultos.
Podiam fazer amor, fumar, beber à vontade,
ir aonde quisessem.
Sobretudo, nos esmagar com seu poder indomável.

Agora sei, por vasta experiência, o lugar-comum:
em verdade, não há adultos,
apenas crianças envelhecidas.

Desejam o que não têm:
o brinquedo do outro.
Sentem medo de tudo.
Obedecem sempre a alguém.
Não governam a própria existência.
Choram por qualquer motivo.

Mas não são valentes como eram aos dez anos:
fazem-no à noite e em silêncio e sozinhos.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 01/03/2020

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Niños y adultos

A los diez años creía
que la tierra era de los adultos.
Podían hacer el amor, fumar, beber a su antojo,
ir a donde quisieran.
Sobre todo, aplastarnos con su poder indomable.

Ahora sé por larga experiencia el lugar común:
en realidad no hay adultos,
sólo niños envejecidos.

Quieren lo que no tienen:
el juguete del otro.
Sienten miedo de todo.
Obedecen siempre a alguien.
No disponen de su existencia.
Lloran por cualquier cosa.

Pero no son valientes como lo fueron a los diez años:
lo hacen de noche y en silencio y a solas.

Juana Bignozzi – [agora que estou velha]

agora que estou velha
e és um senhor idoso
gostaria que recordasses apenas
das fotos das viagens
dos vestidos leves e floridos
que eu usava entre os opulentos jardins
e entre as ruínas
agora que antes de adormecer
sem que percebas te toco para ver se ainda respiras

Trad.: Nelson Santander

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ahora que soy vieja
y vos un señor mayor
quisiera que sólo recordaras
las fotos de los viajes
aquellos livianos vestidos de flores
que usaba entre los jardines lujosos
y entre las ruinas
ahora que antes de dormirme
sin que lo notes te toco para saber si aún respirás

Juan Vicente Piqueras – Ristorante dal 1882–

Ristorante dal 1882–
leio no cardápio e me ponho a pensar
que numa noite, há mais de um século,
numa noite igual a esta,
houve um grupo de amigos que aqui jantou,
como nós fazemos agora,
e riram, conversaram, passaram o sal,
mais ou menos felizes, fugazes, encantados
de estarem juntos rindo
como nós fazemos agora,
e que nenhum deles vive mais
e agora somos nós,
os que reservamos esta grande mesa
neste restaurante
que tanto apreciamos por ser antigo,
o ar fantasma do garçom,
e o cozinheiro que nunca vimos
e que tanto admiramos
por seu saber nos fazer esquecer
com sabores sagrados, requintados,
que esta poderia ser perfeitamente
nossa última ceia.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 16/02/2020

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Ristorante dal 1882-

Ristorante dal 1882-
leo en la carta y me da por pensar
que en una noche de hace más de un siglo,
en una noche que era igual a ésta,
hubo un grupo de amigos que cenaron aquí,
como ahora nosotros,
y rieron, charlaron, se pasaron la sal,
más o menos felices, fugaces, encantados
de estar juntos riendo
como ahora nosotros,
y que ninguno de ellos vive ya
y ahora son nosotros,
los que hemos reservado esta gran mesa
en esto restaurante
del que tanto nos gusta que sea antiguo,
el aire fantasma del camarero,
y el cocinero que nunca hemos visto
y al que admiramos tanto
por su saber hacernos olvidar
con sabores piadosos, exquisitos,
que ésta podría ser perfectamente
nuestra última cena.

Adam Zagajewski – Uma chama

Senhor, dai-nos um longo inverno
música suave, bocas pacientes,
e um pouco de orgulho — antes
que nossa era termine.
Dai-nos assombro
e uma chama, alta e brilhante.

Trad.: Nelson Santander a partir da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

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A Flame

God, give us a long winter
and quiet music, and patient mouths,
and a little pride – before
our age ends.
Give us astonishment
and a flame, high, bright.

Alfonso Brezmes – Notas marginais

Às vezes, voltamos às páginas
onde outrora fomos felizes.

É tão fácil quanto deixá-las correr
para trás por entre os dedos,
voltar às páginas marcadas,
àquelas breves notas com as quais
quisemos indicar a outro leitor
que ali deveria se deter.

Basta examina-las para ver
que já não são as mesmas:
algo mudou neste breve
intervalo em que nos ausentamos.

Voltar é outra forma de medir
a magnitude incerta da ferida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 14/02/2020

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Notas marginales

A veces volvemos a las páginas
donde una vez fuimos felices.

Es tan fácil como dejar que corran
hacia atrás entre los dedos,
volver a las marcas que dejamos,
a esas breves notas con las que
quisimos indicar a otro lector
que allí debiera detenerse.

Basta con buscarlas para ver
que ya no son las mismas:
algo ha cambiado en este corto
intervalo en que nos fuimos.

Volver es otra forma de medir
la magnitud incierta de la herida.