Koleka Putuma – Enterro

Nós nos revezávamos para enterrar uns aos outros, animados por estar sob o peso da areia em nossos trajes de banho, com apenas nossas cabecinhas espiando por cima. Quem fazia o papel da mãe do falecido chorava histericamente. Todos queríamos uma chance de interpretar a mãe do falecido, para que pudéssemos soluçar dramaticamente e lançar nossos pequenos corpos sobre a areia e o caixão de conchas. O falecido sempre ganhava vida de tanto rir, e todos nós ríamos durante o cortejo. No funeral, éramos tias, tios, primos e vizinhos que há muito não voltavam para casa. Discutíamos sobre quem seria o guardião dos castelos que construíamos. Aqueles que não recebiam partes da propriedade faziam birra, deixavam de brincar e iam nadar ou colher conchas, ou construir seus próprios castelos. Adquirir terras era fácil naquela época. Possuir algo que você construiu era simples naquela época. O castelo destruído pelo mar era algo que lamentávamos e esquecíamos de manhã. Deixar para trás o que achávamos ser nosso era fácil naquela época. Voltar para casa naquela época, como tias, tios, primos e vizinhos há muito perdidos às vezes faziam, não era complicado ou sobrecarregado por anos de perguntas sem respostas. Conversávamos sem sufocar. Conversávamos sem o fardo do luto ou das responsabilidades. Os caixões podiam ser desfeitos. Morríamos e ressuscitávamos. Éramos frágeis e imortais. Brincávamos de Deus. Íamos e vínhamos quando queríamos. A vida e a morte eram então um jogo para o qual tínhamos um controle remoto.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Burial

We took turns to bury each other, excited to be underneath the weight of sand in our bathing suits, with just our tiny heads peering through the top. Whoever played the mother of the deceased would wail hysterically. We all wanted a chance to play the mother of the deceased, so we could sob dramatically and throw our small bodies over the sand and seashell coffin. The deceased would always come to life from too much giggling, we all giggled through the procession. At the funeral we were long-lost aunties and uncles and cousins and neighbours who have not been home in years. We fought over who would be the custodians of the castles we built. Those who were not given property shares threw tantrums and dismissed playing altogether and went swimming or collecting shells, or went about building homes of their own. Acquiring land was easy then. Owning something you had built was simple then. The castle bulldozed by the sea was something we mourned and forgot in the morning. Letting go of what you believed belonged to you was easy then. Coming home then, as long-lost aunties, uncles, cousins and neighbours was not complicated or loaded with years of unanswered questions. We spoke without choking. We spoke without the burden of grief or responsibilities. Coffins could be dismantled. We died and rose again. We were fragile and immortal. We played God. Came and went as we pleased. Life and death then was a game we had a remote for.

Ruy Belo – Missa de aniversário

Há um ano que os teus gestos andam
ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
onde de novo a seara amadurece
donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
embora a mesa posta continue à tua espera
e lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez
florido?

Era esta a voz dele assim é que falava
dizem agora as giestas desta sua terra
que o viram passar nos caminhos da infância
junto ao primeiro voo das perdizes

Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No verão em que partiste bem me lembro
pensei coisas profundas
É de novo verão. Cada vez tens menos lugar
neste canto de nós donde anualmente
te havemos piedosamente de desenterrar
Até à morte da morte

Philip Levine – Nosso vale

Não vemos o oceano, nunca, mas em julho e agosto,
quando o pior do calor parece emanar da dura argila
deste vale, pode-se estar caminhando por um pomar de figueiras
quando de repente o tempo esfria, e, por um momento,
é possível sentir o aroma de sal, e nesse momento, quase se pode
crer que algo está esperando além da Pacheco Pass,
algo maciço, irracional, e tão poderoso que nem mesmo
as montanhas que se erguem a leste daqui têm uma palavra para isso.

Você provavelmente acha que estou louco ao dizer que as montanhas
não têm uma palavra para oceano, mas quando se mora aqui,
começa-se a crer que elas sabem tudo.
Elas mantêm aquele enorme silêncio que consideramos sagrado,
um silêncio que cresce no outono, quando a neve cai
lentamente entre os pinheiros, e o vento diminui
a menos do que um sussurro e mal conseguimos recuperar
o fôlego porque estamos emocionados e aterrorizados.

É preciso lembrar que esta não é a sua terra.
Não pertence a ninguém, como o mar ao lado do qual você viveu
e pensou que fosse seu. Lembre-se dos pequenos barcos
que balançavam à medida que as ondas chegavam, e dos homens
que ganhavam a vida com isso, apenas para se verem
reduzidos a nada. Agora você diz que este é seu lar,
então vá em frente, venere as montanhas enquanto elas se dissolvem no pó,
espere pelo vento, sinta o cheiro do sal, chame isso de nossa vida.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Our Valley

We don’t see the ocean, not ever, but in July and August
when the worst heat seems to rise from the hard clay
of this valley, you could be walking through a fig orchard
when suddenly the wind cools and for a moment
you get a whiff of salt, and in that moment you can almost
believe something is waiting beyond the Pacheco Pass,
something massive, irrational, and so powerful even
the mountains that rise east of here have no word for it.

You probably think I’m nuts saying the mountains
have no word for ocean, but if you live here
you begin to believe they know everything.
They maintain that huge silence we think of as divine,
a silence that grows in autumn when snow falls
slowly between the pines and the wind dies
to less than a whisper and you can barely catch
your breath because you’re thrilled and terrified.

You have to remember this isn’t your land.
It belongs to no one, like the sea you once lived beside
and thought was yours. Remember the small boats
that bobbed out as the waves rode in, and the men
who carved a living from it only to find themselves
carved down to nothing. Now you say this is home,
so go ahead, worship the mountains as they dissolve in dust,
wait on the wind, catch a scent of salt, call it our life.

Ferreira Gullar – Aqui e agora

1

Que faz a defunta manhã
na manhã nova?

Que sois vós hoje
alegria de outrora
riso extinta palavra de afeto?

que sois vós
senão fantasmas
senão miasmas
a infectar
de morte
o que está vivo?

      2

Se há sol no pátio
e um carro penetra nele
e estaciona
e o chofer desce
bate a porta
e sai andando
    se isto é isto
    e nada mais
    que isto,
te manténs no que vês
e estás feliz:
    entendes finalmente
    que o passado
    é pura doença.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 04/09/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Rigoberto González – Casa

Não sou sua mãe, não me comoverei
com o sofrimento ou a gratidão de homens
que lamentam como órfãos à minha porta.
Não sou uma igreja. Não respondo às
orações, mas nunca as rejeito.

Entre e ajoelhe-se, sente-se ou fique de pé,
o peso de seu fardo não diminuirá,
não importa o tempo de sua permanência.
Diga-me o que quiser, eu tenho que ouvir,
mas não espere que eu responda

quando você me contar que perdeu o emprego
ou que sua esposa encontrou um outro amor
ou que seus filhos levaram seus risos
para outra cidade. Você se sente só e vazio?
Estou surpresa. Nem reparei que eles tinham partido.

Apesar da fila de faces fixadas como medalhas
em minhas paredes, eu não as mereci.
Os arranhões na madeira não são minhas cicatrizes.
Se houver um cheiro de especiarias no ar,
culpe os truques da cozinha

ou seu triste vício nos dias passados, que
nunca perduram, não importa o quanto você
acredite que sim. Não sou uma cápsula do tempo.
Não dou valor a coisas insignificantes como mechas
de cabelo, dentes de leite, canhotos de ingressos

e alianças de compromisso — meras partículas
de poeira que eu sopraria para a rua se pudesse
espirrar. Tire seu uniforme do colégio
e o vestido de noiva de sua mulher de perto
de mim. O apego sentimental me incomoda.

Então, vá embora, velho sofá que chora
moedas ao ser arrastado para a varanda.
Adeus, cama fria que quebra seus ossos
em protesto ao despejo, execução hipotecária ou
qualquer que seja a causa desse sinistro desfile

de partidas. Não sou um animal de estimação. Não sinto
o abandono. Às vezes, nem vejo você
chegar, sair ou ficar para trás. Minhas janelas
são seus olhos, não os meus. Se você morrer
dentro de mim, deixarei que você conte

aos vizinhos. Desligue os aquecedores,
não tenho medo do frio. Não sou aquela
que se encontra em um canto no chão
porque o que quer que tenha feito você pensar
que este era um lar caloroso não está mais aqui

para falar com você. Não me olhe
desta forma, não sou a culpada. Não concedi
nada ao imigrante ou ao exilado
que não tenha concedido a um coiote1 ou a um natural
da terra. Não sou um prêmio ou um desejo realizado.

Não sou um castelo de conto de fadas. Embora
já tenha sido, em alguma terra distante habitada
por sonhadores agora extintos. Quem sabe
o que aconteceu lá? Em todo caso, desejo-lhe
uma boa viagem, fantasias grotescas e alegria.

Até mais, disfarce de parede a parede em camurça
vulgar e chita. Cuide-se, seu tolo,
e não se esqueça de que sou apenas uma casa,
uma estrutura sem alma para aqueles cujos
santos padroeiros são a saudade e o desespero.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: 1. “Coiotes” são traficantes de pessoas que operam, frequentemente em redes criminosas, ajudando indivíduos a atravessar ilegalmente fronteiras, especialmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Essas atividades são ilegais e podem ser perigosas para os migrantes, envolvendo riscos significativos. O termo é amplamente utilizado para descrever aqueles que facilitam a migração ilegal, muitas vezes cobrando somas substanciais em troca de seus serviços.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Casa

I am not your mother, I will not be moved
by the grief or gratitude of men
who weep like orphans at my door.
I am not a church. I do not answer
prayers but I never turn them down.

Come in and kneel or sit or stand,
the burden of your weight won’t lessen
no matter the length of your admission.
Tell me anything you want, I have to listen
but don’t expect me to respond

when you tell me you have lost your job
or that your wife has found another love
or that your children took their laughter
to another town. You feel alone and empty?
Color me surprised! I didn’t notice they were gone.

Despite the row of faces pinned like medals
to my walls, I didn’t earn them.
The scratches on the wood are not my scars.
If there’s a smell of spices in the air
blame the trickery of kitchens

or your sad addiction to the yesterdays
that never keep no matter how much you believe
they will. I am not a time capsule.
I do not value pithy things like locks
of hair and milk teeth and ticket stubs

and promise rings—mere particles
of dust I’d blow out to the street if I could
sneeze. Take your high school jersey
and your woman’s wedding dress away
from me. Sentimental hoarding bothers me.

So off with you, old couch that cries
in coins as it gets dragged out to the porch.
Farewell, cold bed that breaks its bones
in protest to eviction or foreclosure or
whatever launched this grim parade

of exits. I am not a pet. I do not feel
abandonment. Sometimes I don’t even see you
come or go or stay behind. My windows
are your eyes not mine. If you should die
inside me I’ll leave it up to you to tell

the neighbors. Shut the heaters off
I do not fear the cold. I’m not the one
who shrinks into the corner of the floor
because whatever made you think
this was a home with warmth isn’t here

to sweet-talk anymore. Don’t look at me
that way, I’m not to blame. I granted
nothing to the immigrant or exile
that I didn’t give a bordercrosser or a native
born. I am not a prize or a wish come true.

I am not a fairytale castle. Though I
used to be, in some distant land inhabited
by dreamers now extinct. Who knows
what happened there? In any case, good
riddance, grotesque fantasy and mirth.

So long, wall-to-wall disguise in vulgar
suede and chintz. Take care, you fool,
and don’t forget that I am just a house,
a structure without soul for those whose
patron saints are longing and despair.

Javier Salvago – No verso de uma velha fotografia

Os Beatles ainda não tinham surgido, ninguém havia abatido Che Guevara.

Nat King Cole cantava ansiedad de tenerte en mis brazos ou solamente una vez se entrega el alma.

e no cinema talvez exibissem Sete noivas para sete irmãos.

O comandante Armstrong ainda não havia deixado sua profana pegada no rosto esburacado da lua.

Os velhos seguiam contando histórias da guerra ao calor da fogueira.

Estavam longe o Vietnã, os hippies, a Primavera, Maio e esta discreta liberdade… para fazer o quê?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 05/09/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Al dorso de una vieja fotografía

Todavía no habían llegado los Beatles, ni habían acribillado a Che Guevara.

Nat King Cole cantaba por la radio ansiedad de tenerte en mis brazos o solamente una vez se entrega el alma.

y en el cine tal vez ponían Siete novias para siete hermanos.

Todavía el comandante Armstrong no había dejado su profana huella sobre el picado rostro de la luna.

Todavía los viejos seguían contando historias de la guerra al calor de la lumbre.

Quedaban lejos Vietnam, los hippies, la Primavera, el Mayo y esta discreta libertad… ¿para hacer qué?

Pattiann Rogers – Expressão Cósmica

Quase tudo o que conheço se regozija
em nascer — não apenas a orangetip do deserto1,
na flor entrelaçada ou na tansy2, sacudindo
de suas asas a umidade do parto, mas também a toutinegra
descoberta fazendo seu ninho, a cabeça inclinada para o céu,
e o gambá-do-mel, o gambá pigmeu,
polegares cegos e sem pelos de avançar,
pressionar e separar.

Quase tudo o que vi avança
para esse estado, como se não houvesse outro
destino conhecido — o estalo violento
e o lançamento da semente da vagem da hamamélis,
a filosofia implícita no impulso de dentro para fora
da semente do trevo-azedo3. Todas as pilosas
sementes de tamargueira são obstinadas
em se prender ao vento e girar
buscando a sorte para nascer na água.

E surpreendo-me bastante ao considerar
todas as incessantes pancadas e espancamentos,
os golpes na cabeça, o furor das asas,
e os estalos de bicos, lutando para se libertar
de cascas gelatinosas, couro,
cálcio ou conchas ásperas e córneas. Pernas
e ombros, joelhos e cotovelos agitam-se igualmente
contra as paredes de seus úteros por toda parte, em nichos
de florestas de pinheiros, barrancos de infiltração e pantanosas
pradarias, entre gramíneas da savana, em esteiras
tecidas e lençóis perfumados de linho.

Fanáticos frenéticos, todos, mesmo antes do
início eles são poeira escura e congelada
de puro frenesi para vir à luz.

Quase tudo o que conheço anseia por nascer,
a obsessão se funda explicitamente
nas harpas e escadas de ossos,
no coração pulsante, vasos e vozes
de todos aqueles que aceleram com ímpeto
inequívoco e absoluto em direção a esta honra indescritível.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.:

1. Trata-se de uma borboleta, a Desert Orangetip, também conhecida como Anthocharis cethura. Essa borboleta é uma espécie nativa do sudoeste dos Estados Unidos e norte do México. Possui uma aparência marcante, com asas brancas translúcidas e bordas alaranjadas, destacando-se contra os cenários desérticos.

2. O tansy (Tanacetum vulgare) é uma planta herbácea e perene da família das asteráceas, nativa da Europa e Ásia temperadas.

3. A azedinha (wood sorrel ou Oxalis) é uma erva daninha comestível selvagem com um sabor cítrico e brilhante.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Opus from Space

Almost everything I know is glad
to be born—not only the desert orangetip,
on the twist flower or tansy, shaking
birth moisture from its wings, but also the naked
warbler nesting, head wavering toward sky,
and the honey possum, the pygmy possum,
blind, hairless thimbles of forward,
press and part.

Almost everything I’ve seen pushes
toward the place of that state as if there were
no knowing any other—the violent crack
and seed-propelling shot of the witch hazel pod,
the philosophy implicit in the inside out
seed-thrust of the wood sorrel. All hairy
saltcedar seeds are single-minded
in their grasping of wind and spinning
for luck toward birth by water.

And I’m fairly shocked to consider
all the bludgeonings and batterings going on
continually, the head-rammings, wing-furors,
and beak-crackings, fighting for release
inside gelatinous shells, leather shells,
calcium shells or rough, horny shells. Legs
and shoulder, knees and elbows flail likewise
against their womb walls everywhere, in pine
forest niches, seepage banks and boggy
prairies, among savannah grasses, on woven
mats and perfumed linen sheets.

Mad zealots, every one, even before
beginning they are dark dust-congealings
of pure frenzy to come into light.

Almost everything I know rages to be born,
the obsession founding itself explicitly
in the coming bone harps and ladders,
the heart-thrusts, vessels and voices
of all those speeding with clear and total
fury toward this singular honor.

Joan Margarit – No álbum

És tu antes de partir,
quando ainda vivias em casa.
O olhar brilhante que nos recompensava.
Teu nome foi ficando para trás,
na foto de onde ainda nos sorris
como se tudo fosse para sempre
e nada tivesse acontecido em outro lugar,
nem no sorriso que hoje desconhecemos,
longe do que teu rosto exibe neste álbum.
Este sorriso, agora, é só para nós:
convive com cartas, bonecas e desenhos,
suvenires que desvelam a manhã
que entra pela tua varanda. Às vezes pronunciamos
teu nome de um jeito mais jovial, como antes.
Talvez assim continues aqui
e teu nome preserve as memórias mais fiéis
para seguir contigo ao nosso lado.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 02/09/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

En El Álbum

Eres tú antes de irte,
cuando vivías todavía en casa.
La mirada brillante que nos recompensó.
Tu nombre se nos fue quedando atrás,
en la fotografía donde aún nos sonríes
como si todo fuese para siempre
y nada sucediera en otro sitio,
ni en la sonrisa que hoy desconocemos,
lejos de la que tiene tu cara en este álbum.
Esta sonrisa, ahora, sólo es para nosotros:
convive con las cartas, muñecas y dibujos,
recuerdos que desvela la mañana
que entra por tu balcón. A veces pronunciamos
tu nombre de una forma más joven, como antes.
Quizá de esta manera continúas aquí
y tu nombre protege los recuerdos más fieles
para vivir contigo a nuestro lado.

Matt W. Miller – Clube Ícaro

Não estamos no ar por mais do que alguns
segundos prateados quando aquele rapaz
alado e arrogante é sugado
por uma das turbinas, iniciando um incêndio
que arranca a asa de estibordo
da fuselagem, arremessando
passageiros, fazendo-nos chover
sobre o norte da Califórnia, dezenas
de nós caindo em direção à baía
e você pode imaginar os gritos,
tenho certeza, as preces lançadas
para todas as direções no céu rodopiante,
e apesar disso, aqui está minha filha,
rindo durante toda a descida
seus cabelos loiros chicoteando
em torno de seus primeiros dentes
sorridentes enquanto ela se diverte com a
maravilha desequilibrada do que está acontecendo,
girando no ar repetidamente,
enquanto todos nós caímos como sacos de argila
molhada e por um segundo eu quero agarra-la,
mostrar-lhe o quão assustada
ela deveria estar, para que eu possa abriga-la
nos braços uma última vez, mas o jeito
que ela parece rir me impede de conseguir;
daí, enquanto o bloco da baía
se ergue para beijar minhas costas, observo
minha garotinha rindo, rindo
com as bochechas ao vento,
e então, maldição, se meus olhos não me enganam,
pouco antes do mundo me dividir ao meio,
asas como raquetes
saem de suas costas e a levantam
rindo de volta ao azul.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Club Icarus

We’re no more than a few silver
seconds in the air when that winged
and cocky boy gets sucked
into a turbine sparking off a fire
that rips the starboard wing
away from the fuselage, shucking
passengers out and raining
us over Northern California, dozens
of us dropping towards the bay
and you can imagine the screams,
I’m sure, the prayers cast up
then down the twirling sky,
and yet here’s my daughter
laughing the whole way
down, her yellow hair whipping
around her first teeth smile
as she titters at the tilted
wonder of what was happening,
rolling airborne over and over,
as we all drop like sacks of wet
clay and for a second I want to snag
her, to show her how frightened
she should be, so I can hug
her safe one last time, but the way
she looks laughing I just can’t
and so as the brick of the bay
comes up to kiss my back I watch
my little girl giggling, grinning
floppy-cheeked into the wind
and then, damn, if I don’t see, right
before the world splits my sides,
wings like blades butterfly
from her back and lift her
laughing back into the blue.

Danusha Laméris – Pequenas Gentilezas

Estive pensando na maneira como, quando você caminha
por um corredor lotado, as pessoas recolhem suas pernas
para deixar você passar. Ou como estranhos ainda dizem “Deus te abençoe”
quando alguém espirra, um resquício
da Peste Bubônica. “Não morra”, estamos dizendo.
E das vezes que, ao derrubar limões
de sua sacola de compras, outra pessoa o ajuda
a recolhê-los. Na maioria das vezes, não queremos magoar uns aos outros.
Queremos receber nossa xícara de café quente,
e agradecer à pessoa que a entregou. Sorrir
para ela e esperar que ela sorria de volta. Para que a garçonete
nos chame de querido quando colocar na mesa a tigela de sopa de mariscos,
e para que o motorista da picape vermelha nos deixe passar.
Temos tão pouco uns dos outros agora. Estamos tão distantes
da tribo e do fogo. Apenas esses breves momentos de partilha.
E se eles forem a verdadeira morada do sagrado, estes
templos fugazes que construímos juntos quando dizemos “Aqui,
pegue o meu lugar”, “Por favor, você primeiro”, “Bonito o seu chapéu”?

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 21/08/2019

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Small Kindnesses

I’ve been thinking about the way, when you walk
down a crowded aisle, people pull in their legs
to let you by. Or how strangers still say “bless you”
when someone sneezes, a leftover
from the Bubonic plague. “Don’t die,” we are saying.
And sometimes, when you spill lemons
from your grocery bag, someone else will help you
pick them up. Mostly, we don’t want to harm each other.
We want to be handed our cup of coffee hot,
and to say thank you to the person handing it. To smile
at them and for them to smile back. For the waitress
to call us honey when she sets down the bowl of clam chowder,
and for the driver in the red pick-up truck to let us pass.
We have so little of each other, now. So far
from tribe and fire. Only these brief moments of exchange.
What if they are the true dwelling of the holy, these
fleeting temples we make together when we say, “Here,
have my seat,” “Go ahead—you first,” “I like your hat.”