Barbara Crooker – Natal sem você

Já não faço bolo de frutas — cerejas berrantes,
pedaços pegajosos de abacaxi glaceado,
casca cristalizada — aninhadas no leito de um
pão-de-ló escuro e especiado. Só você gostava disso.
E não consigo mais caminhar pelos bosques cobertos de gelo
para derrubar (ou melhor, serrar) uma árvore perfumada,
prendê-la no teto do carro, trazê-la para casa,
e ajoelhar-me todos os dias para regá-la. No lugar dela,
uma árvore artificial, já iluminada por pequeninas luzes,
faz o que pode para clarear essas noites escuras.
Em que me sento diante da lareira, sozinha,
com minha taça solitária de vinho. A meia
que você bordou para mim no nosso primeiro natal
pende vazia. Assim como a sua,
com recortes de feltro que sua mãe costurou quando você
tinha dois anos. Não há presentes para embrulhar
nem brindes a esconder. Os biscoitos estão por assar.
Os assados, intocados. Só o silêncio da neve,
a chama de uma única vela. A noite
mais longa do ano.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Christmas without you

I no longer make fruitcake—those garish
cherries, sticky chunks of glacéed pineapple,
candied peel—snug in their bed of dark spiced
cake. No one but you ever liked it. And I’m not
capable of walking in the ice-crusted woods
to chop down (really, saw) a fragrant tree,
wrestle it on top of the car, then lug it inside,
water it daily on hands and knees. Instead,
an artificial tree, pre-lit with tiny lights,
does its best to brighten these dark nights.
Where I sit in front of the fire, alone,
with my solitary glass of wine. The stocking
you sewed for me the first year we were
together hangs empty. As does yours,
felt cut-outs sewn by your mother when you
were two. There are no presents to wrap
or gifts to hide. The cookies are unbaked.
Roasts untrimmed. Just the silence of the snow,
the flame from a single candle. The longest
night of the year.

John N. Morris – A carta de natal

Onde quer que estejas ao receber esta carta,
Escrevo para dizer que ainda somos os mesmos
No mesmo lugar de sempre
E espero que assim esta também te encontre.

Como bem sabes, os mortos já morreram,
E jamais irão melhorar,
E as crianças são meninos e meninas
Em suas diversas idades e nomes.

Ao terminar, envio-te nosso amor
E espero ter notícias tuas em breve.
Não há um momento
Como o presente. Ele dura para sempre
Onde quer que estejamos. Permaneço, como sempre.1

Trad.: Nelson Santander

  1. O verso final faz referência a uma fórmula tradicional de encerramento em cartas escritas em inglês: “I remain, as ever, your most humble and obedient servant” (“Permaneço, como sempre, seu mais humilde e obediente servo”, em tradução livre). Essa expressão, comum em correspondências formais e familiares dos séculos XVIII e XIX, demonstrava deferência e cortesia ao destinatário. No poema, porém, a frase aparece “cortada” pela metade, o que, salvo melhor juízo, altera seu sentido original. Especialmente à luz dos versos anteriores, a expressão final parece dizer, de forma direta: “Olha, eu continuo aqui, como sempre estive”. Esse encerramento dialoga com o tom dos versos “Não há um momento / Como o presente. Ele dura para sempre / Onde quer que estejamos”, de modo que o que poderia ser apenas uma formalidade epistolar transforma-se em uma reflexão — ressentida? — sobre a continuidade da existência no eterno presente. ↩︎

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Christmas Letter

Wherever you are when you receive this letter
I write to say we are still ourselves
In the same place
And hope you are the same.

The dead have died as you know
And will never get better,
And the children are boys and girls
Of their several ages and names.

So in closing I send you our love
And hope to hear from you soon.
There is never a time
Like the present. It lasts forever
Wherever you are. As ever I remain.

Luci Shaw – A canção de Maria

O rústico tecido azul e a curva do meu peito
mantém aquecida esta pequena estrela nua e quente
que caiu em meus braços (Descanse…
você que teve que vir de tão
distante). Agora a proximidade satisfaz
docemente o corpo de Deus. Tranquilo repousa
aquele cuja força fez jorrar
um universo. Ele dorme,
aquele cujas pálpebras nunca antes se fecharam.
Sua respiração (tão leve que mal parece
uma respiração) uma vez agitou as profundezas escuras
para fazer brotar um mundo.
Encantado com o arrulho das pombas e o sussurro da palha,
ele sonha,
sem ouvir a música de suas outras esferas.
Respiração, boca, ouvidos, olhos
ele se restringiu
aquele que transbordou todos os céus,
todos os anos.
Mais velho que a eternidade, agora ele
é novo. Agora um nativo da terra como eu, pregado
ao meu pobre planeta, preso para que eu possa ser livre,
cego em meu ventre para eu saber que minha escuridão terminou,
trazido a este nascimento
para que eu seja uma recém-nascida,
e para que ele me veja curada
eu devo vê-lo dilacerado.

Trad.: Nelson Santander

Mary’s Song

Blue homespun and the bend of my breast
keep warm this small hot naked star
fallen to my arms. (Rest…
you who have had so far
to come.) Now nearness satisfies
the body of God sweetly. Quiet he lies
whose vigor hurled
a universe. He sleeps
whose eyelids have not closed before.
His breath (so slight it seems
no breath at all) once ruffled the dark deeps
to sprout a world.
Charmed by dove’s voices, the whisper of straw,
he dreams,
hearing no music from his other spheres.
Breath, mouth, ears, eyes
he is curtailed
who overflowed all skies,
all years.
Older than eternity, now he
is new. Now native to earth as I am, nailed
to my poor planet, caught that I might be free,
blind in my womb to know my darkness ended,
brought to this birth
for me to be new-born,
and for him to see me mended
I must see him torn.

João Miguel Fernandes Jorge – Presépio Animado da Ribeira Grande

Ainda todos se lembram do dezembro de 96.
Era dia de natal. Na estrada que leva ao norte
da ilha, sob grande tempestade, trôpego, na
berma, um gato de pelagem branca. Parecia

ferido. Fêmea branca, a que chamariam persa
de pelo curto, tinha uma chaga na orelha
alastrava pelo crânio e pela face e
olho. Massa disforme de carne e sangue,

pancada de carro ou parede de muro desabado
a ferida. Animal muito manso, delicado e
tímido, deixou que me aproximasse
lhe pegasse e a trouxesse para dentro do

meu carro. Tremia de frio e também de medo e
dor. Enxuguei-a com um pedaço de
flanela, dei por mim chamando-lhe
Princesa: era muito nova, pequena,

de um branco que resistia ao lixo da terra
da quase sarjeta de onde a tirei; olhos
claros, amendoados. A mais
delicada e triste das gatas com a horrível

ferida a alastrar, implacável. Uma
gangrena que exalava cheiro pestilento
– a princesa branca apodrecia no dia
de natal. Havia uma caixa de cartão

no banco traseiro, coloquei-a dentro e
descobri a casa do veterinário. Era uma pasta
de sangue, carne e urina tão assustada
estava. O médico agarrou-a – eles já

cheiraram muita pestilência, os veterinários –
fez-lhe festas. Era muito meiga. Não
pude olhar enquanto a matava; meteu o
corpo branco, ainda quente, na caixa de

cartão. Levei-a, morta, e com aquele cheiro;
já quase noite. Enterrei-a num pequeno
jardim, bem perto do presépio animado da Ribeira
Grande, que nesse fim de dia de natal ainda

visitei. As lágrimas de nada servem, nem
por uma gata branca a que chamei Princesa,
durante uma escassa hora, a debater-se
com a morte. O sangue, a urina

o cheiro da gangrena. Este é o inferno
dos mortais, a sua beleza e fragilidade. A
morte é uma coisa e a vida, a mesma
coisa. A face da morte é o reflexo da

vida quando se debruça sobre a superfície
da ilha. Luze em todos os natais, suave,
esbatida de traços – palavra de traição
que rodeia o medo, o abandono.

Republicação: poema publicado no blog originalmente em 15/05/2018

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog