Dorianne Laux – Ray aos 14

Bendido seja este menino, nascido com as feições fortes
do meu irmão mais velho, aquele que eu mais amava,
que saltava comigo do telhado
da casa de brinquedos, minha mão em sua mão.
Nas noites de sexta, assistíamos Além da Imaginação
e ele me deixava segurar a tigela de pipoca,
um cobertor sobre os nossos ombros,
dizendo: Não tenha medo. Eu nunca tinha medo
quando estava com meu irmão mais velho,
que me deixava tocar os músculos do tamanho de uma bola de beisebol
que pulsavam em seus braços, que me carregava nas costas
pela vizinhança deserta,
segurava firme o para-lama da minha bicicleta
até que eu o fizesse soltar.
Aos quatorze, ele era igualzinho
ao Ray, e quando morreu
aos vinte e dois em uma estrada da Alemanha,
pensei que o tinha perdido para sempre.
Mas Ray entra correndo na cozinha: camiseta suja,
jeans rasgado, puxa a manga para cima.
Ele diz: Sente meus músculos, e eu sinto.

Trad.: Nelson Santander

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Ray at 14

Bless this boy, born with the strong face
of my older brother, the one I loved most,
who jumped with me from the roof
of the playhouse, my hand in his hand.
On Friday nights we watched Twilight Zone
and he let me hold the bowl of popcorn,
a blanket draped over our shoulders,
saying, Don’t be afraid. I was never afraid
when I was with my big brother
who let me touch the baseball-size muscles
living in his arms, who carried me on his back
through the lonely neighborhood,
held tight to the fender of my bike
until I made him let go.
The year he was fourteen
he looked just like Ray, and when he died
at twenty-two on a roadside in Germany
I thought he was gone forever.
But Ray runs into the kitchen: dirty T-shirt,
torn jeans, pushes back his sleeve.
He says, Feel my muscle, and I do.

Dorianne Laux – Apenas enquanto o dia durar

Em breve, ela não será mais que um pensamento fugaz,
uma pontada, um rufar de vento nos sinos, colheres tortas
penduradas nos beirais na primeira noite em uma nova casa
numa rua onde nenhum cachorro uiva, nenhum gato visita
um gato vizinho no meio da rua, serpenteando
e esfregando pelo com pelo, lançando faíscas.

Seus átomos estão lá fora, circulando a Terra, sem
sua felicidade, sem seu pesar, apenas os átomos
da água de seu corpo, os átomos de seus cabelos, ossos e dentes,
os átomos de sua carne, os átomos da embriaguez, de seus salgadinhos
e queijo e chá, mas não os átomos de seu concerto para
piano, os átomos de sua risada e da crueldade, os átomos de suas
mentiras, dos lírios ao longo da entrada da garagem e seus chinelos,
Senhor, os chinelos dela, onde estão eles agora?

Trad.: Nelson Santander

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Only as the Day Is Long

Soon she will be no more than a passing thought,
a pang, a timpani of wind in the chimes, bent spoons
hung from the eaves on a first night in a new house
on a street where no dog sings, no cat visits
a neighbor cat in the middle of the street, winding
and rubbing fur against fur, throwing sparks.

Her atoms are out there, circling the earth, minus
her happiness, minus her grief, only her body’s
water atoms, her hair and bone and teeth atoms,
her fleshy atoms, her boozy atoms, her saltines
and cheese and tea, but not her piano concerto
atoms, her atoms of laughter and cruelty, her atoms
of lies and lilies along the driveway and her slippers,
Lord her slippers, where are they now?

Dorianne Laux – A vida das árvores

Os pinheiros esfregam seu alarido
na escuridão estrelada, roçam
seus galhos inquietos contra a casa,
e o mistério dessa queixa se traduz mais ou menos
no trabalho árduo da propriedade: hora
de arrastar a escada do galpão,
subir no telhado com uma serra
entre os dentes, e cortar
aqueles sacanas. O que é a realidade
senão uma longa e exaustiva retração
da lâmina, dos dentes? Quero dormir
e sonhar a vida das árvores, seres
de um mundo mudo que não se importam
com Dinheiro, Política, Poder,
Vontade ou Direito, que pouco querem da noite
além de umas escassas estrelas extintas se apagando, uma coruja branca
alçando voo de seus galhos, que querem apenas
mergulhar suas raízes no solo úmido
e aterrorizar as minhocas ou chacoalhar
suas cabeças cansadas como modelos
ou velhos hippies. Se as árvores pudessem falar,
não o fariam, apenas sussurrariam uma nota
verde baixa, rolariam suas pinhas
pelas ruas vazias e culpariam,
com um encolher de ombros, a brisa fria.
Durante o dia, elas dormem dentro
de suas cascas felpudas, nuvens desfiando
como renda antiga sobre suas copas.
Sol. Chuva. Neve. Vento. Elas nada
temem além do Furacão, e do Fogo,
aquele agressor açoitado que se levanta
e se torna seu próprio pai morto.
Nas tempestades, as jovens
se curvam e se dobram, e as mais velhas sabem
que podem não sobreviver, cair
com os cabos de energia faiscando,
partidas nos troncos. Elas arremessam
seus galhos, sacrifício bifurcado,
à terra batida. Elas não rezam.
Se fazem algum som, ele é devorado
pelo vento. E embora as estrelas
retornem, elas não dão graças, apenas
exsudam uma seiva pegajosa de suas arredondadas
feridas concêntricas, endireitam suas espinhas
e respiram, e respiram novamente.

Trad.: Nelson Santander

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The Life of Trees

The pines rub their great noise
into the spangled dark, scratch
their itchy boughs against the house,
and that moan’s mystery translates roughly
into drudgery of ownership: time
to drag the ladder from the shed,
climb onto the roof with a saw
between my teeth, cut
those suckers down. What’s reality
if not a long exhaustive cringe
from the blade, the teeth? I want to sleep
and dream the life of trees, beings
from the muted world who care
nothing for Money, Politics, Power,
Will or Right, who want little from the night
but a few dead stars going dim, a white owl
lifting from their limbs, who want only
to sink their roots into the wet ground
and terrify the worms or shake
their bleary heads like fashion models
or old hippies. If trees could speak
they wouldn’t, only hum some low
green note, roll their pinecones
down the empty streets and blame it,
with a shrug, on the cold wind.
During the day they sleep inside
their furry bark, clouds shredding
like ancient lace above their crowns.
Sun. Rain. Snow. Wind. They fear
nothing but the Hurricane, and Fire,
that whipped bully who rises up
and becomes his own dead father.
In the storms the young ones
bend and bend and the old know
they may not make it, go down
with the power lines sparking,
broken at the trunk. They fling
their branches, forked sacrifice
to the beaten earth. They do not pray.
If they make a sound it’s eaten
by the wind. And though the stars
return they do not offer thanks, only
ooze a sticky sap from their roundish
concentric wounds, straighten their spines
and breathe, and breathe again.

Dorianne Laux – A Fada dos Dentes

Eles pincelaram uma moeda com cola
e purpurina, entraram de pés
descalços, e sem me acordar
pintaram fileiras de delicadas pegadas
douradas em meus lençóis com um amor
tão silencioso que ainda não consigo ouvi-lo.

Minha mãe deve ter sido
uma beldade naquela época, sentada
à mesa da cozinha com ele,
uma brisa morna levantando suas
cortinas bordadas, esperando-me
adormecer.

É mais difícil de acreditar
nos anos que se seguiram, as mãos
fechadas em punhos, um chão
de pratos quebrados, ela fumando sem cessar
durante longos silêncios, ele
esburacando as paredes a socos.

Ainda me lembro dos vestidos
estampados dela, do táxi quadriculado dele, do dia
em que a encontrei no guarda-roupas
com uma faca de cozinha, da noite
em que ele chutou minha irmã nas costelas.

Ele vive sozinho no Oregon agora, morrendo
de uma rara doença óssea.
O rosto salpicado de cinzas, os tornozelos
inchados sob as meias de lã.

Ela trabalha como enfermeira no turno noturno,
chega em casa de manhã e me liga,
bebe sua cerveja escura e vai para a cama.

E eu ainda me pergunto como eles fizeram aquilo, deslizaram
aquela moeda sob o meu travesseiro, fizeram aquelas
pegadas perfeitas…

Sempre que a visito, pergunto de novo.
“Não sei”, diz ela, balançando, fechando
os olhos. “Ficamos tão surpresos quanto você”.

Trad.: Nelson Santander

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The Tooth Fairy

They brushed a quarter with glue
and glitter, slipped in on bare
feet, and without waking me
painted rows of delicate gold
footprints on my sheets with a love
so quiet, I still can’t hear it.

My mother must have been
a beauty then, sitting
at the kitchen table with him,
a warm breeze lifting her
embroidered curtains, waiting
for me to fall asleep.

It’s harder to believe
the years that followed, the palms
curled into fists, a floor
of broken dishes, her chain-smoking
through long silences, him
punching holes in his walls.

I can still remember her print
dresses, his checkered Taxi, the day
I found her in the closet
with a paring knife, the night
he kicked my sister in the ribs.

He lives alone in Oregon now, dying
of a rare bone disease.
His face stippled gray, his ankles
clotted beneath wool socks.

She’s a nurse on the graveyard shift,
Comes home mornings and calls me,
Drinks her dark beer and goes to bed.

And I still wonder how they did it, slipped
that quarter under my pillow, made those
perfect footprints…

Whenever I visit her, I ask again.
“I don’t know,” she says, rocking, closing
her eyes. “We were as surprised as you.”

Dorianne Laux – Antilamentação

Não se arrependa de nada. Nem dos romances terríveis que você leu
até o fim só para descobrir quem matou o cozinheiro, nem
dos filmes insossos que a fizeram chorar no escuro,
apesar de sua inteligência, sua sofisticação, nem
do amante que você deixou tremendo no estacionamento de um hotel,
aquele que você superou na brincadeira, à saída, ou aquele
que a deixou em seu vestido vermelho e sapatos, aqueles
que apertavam seus dedos, não se arrependa desses.
Nem das noites em que você injuriou deus e amaldiçoou
sua mãe, afundada como um cão no sofá da sala,
roendo as unhas e esmagada pela solidão.
Você estava destinada a inalar aquelas noites esfumaçadas
com uma garrafa de cerveja barata, a varrer rodelas de cebola
grudadas pelo chão sujo do restaurante, a vestir o casaco
puído com botões soltos e bolsos cheios de fósforos riscados.
Você caminhou por essas ruas milhares de vezes e ainda
assim sempre acaba aqui. Não se arrependa de nada, nem de um só
dos dias desperdiçados em que você não queria saber de nada,
quando as luzes dos brinquedos do parque de diversões
eram as únicas estrelas em que você acreditava, amando-as
por sua inutilidade, sem querer ser salva.
Você viajou até aqui em cima de cada erro,
cavalgando com olhos sombrios e melancólicos, mas calma como uma casa
depois que a TV foi jogada pela janela do andar de cima.
Inofensiva como um machado quebrado. Esvaziada de expectativas.
Relaxe. Não se incomode em se lembrar de nada disso. Vamos parar aqui,
sob o letreiro luminoso da esquina, e observar todas essas pessoas passando.

Trad.: Nelson Santander

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Antilamentation

Regret nothing. Not the cruel novels you read
to the end just to find out who killed the cook, not
the insipid movies that made you cry in the dark,
in spite of your intelligence, your sophistication, not
the lover you left quivering in a hotel parking lot,
the one you beat to the punchline, the door, or the one
who left you in your red dress and shoes, the ones
that crimped your toes, don’t regret those.
Not the nights you called god names and cursed
your mother, sunk like a dog in the livingroom couch,
chewing your nails and crushed by loneliness.
You were meant to inhale those smoky nights
over a bottle of flat beer, to sweep stuck onion rings
across the dirty restaurant floor, to wear the frayed
coat with its loose buttons, its pockets full of struck matches.
You’ve walked those streets a thousand times and still
you end up here. Regret none of it, not one
of the wasted days you wanted to know nothing,
when the lights from the carnival rides
were the only stars you believed in, loving them
for their uselessness, not wanting to be saved.
You’ve traveled this far on the back of every mistake,
ridden in dark-eyed and morose but calm as a house
after the TV set has been pitched out the upstairs window.
Harmless as a broken ax. Emptied of expectation.
Relax. Don’t bother remembering any of it. Let’s stop here,
under the lit sign on the corner, and watch all the people walk by.

Dorianne Laux — A travessia

Os alces de Orick aguardam para atravessar a pista pacientemente,
e meu marido de seis meses, que pensa ser

o próprio São Francisco, desce do carro para ajudar.
Espírito de São Francisco, camiseta esvoaçante, pisa

o asfalto delicadamente e eles começam sua jornada,
cabeças erguidas, narinas dilatadas, cada passo

um testemunho do momentum interrompido, graciosamente
hesitantes, enquanto dois caminhões, alinhados, zumbindo,

ajustam o ar em seus freios. Eles cruzam as quatro pistas
como uma coroação, lentos como um friso grego, com o vento

que vem do rio agitando o capim sob suas caudas.
Mas meu marido fica ali para conversar com aquela

que não se movimenta, alheia a suas parentes,
com um longo talo de erva-doce rodopiando entre os dentes.

Vá em frente, ele suplica, Prossiga, mas a alce solitária
se mantém firme, seus narizes a menos de um metro de distância.

Uma criatura teimosa encarando a outra.
É assim que sei que o casamento vai durar.

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The Crossing

The elk of Orick wait patiently to cross the road
and my husband of six months, who thinks

he’s St. Francis, climbs out of the car to assist.
Ghost of St. Francis, his T-shirt flapping, step

tenderly onto the tarmac and they begin their trek,
heads lifted, nostrils flared, each footfall

a testament to stalled momentum, gracefully
hesitant, as a brace of semis, lined up, humming,

adjust the air in their brakes. They cross the four-lane
like a coronation, slow as a Greek frieze, river

wind riffling the wheat grass of their rumps.
But my husband stays on, to talk to the one

who won’t budge, oblivious to gher sisters,
a long stalk of fennel gyrating between her teeth.

Go on, he beseeches, Get going, but the lone elk
stands her ground, their noses less than a yard apart.

One stubborn creature staring down another.
This is how I know the marriage will last.

Dorianne Laux – Da gentileza de estranhos

Não importa a dor, seu peso,
somos obrigados a carregá-la.
Erguemo-nos e ganhamos impulso, a força monótona
que nos empurra através da multidão.
Mas então um garoto me dá instruções
com tanto entusiasmo. Uma mulher segura a porta de vidro aberta,
pacientemente esperando meu corpo vazio passar por ela.
Ao longo do dia, isso continua, cada ato de bondade
se estendendo em direção a outro — um estranho
cantando para ninguém enquanto passo pelo caminho, árvores
ofertando suas flores, uma criança
que ergue seus olhos amendoados e sorri.
De alguma forma, eles sempre me encontram, até parecem
estar à espera, determinados a me afastar
de mim mesma, daquilo que me chama,
como deve ter um dia chamado por eles —
esta tentação de afastar-me da borda
e cair sem peso, longe do mundo.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: a tradução literal do título do poema – “For the sake of strangers” – seria: “Pelo amor de estranhos” ou “Pela bondade de estranhos”. Optei por traduzi-lo como “Da gentileza de estranhos” por duas razões. Primeiro, porque analisando o poema como um todo, o título não se torna incorreto ao ser traduzido desta forma. Além disso, essa tradução possibilita uma referência direta à famosa frase “Whoever you are—I have always depended on the kindness of strangers” (“Seja você quem for, eu sempre dependi da gentileza de estranhos“, na tradução de Vadim Nikitin), proferida pela personagem Blanche DuBois na peça “Um bonde chamado desejo”, de Tennessee Williams. Explica-se: o poema e a peça possuem inúmeros pontos de convergência temática, tais como o isolamento e a busca por conexão humana, a ênfase na importância da gentileza e da compaixão nas interações humanas, as lutas mentais e emocionais travadas tanto pelo eu poético quanto pela personagem da peça, a jornada interna pela busca de significado e aceitação e a complexidade da natureza humana e das relações sociais, de modo que não me pareceu completamente desarrazoado cometer esse pequeno deslize.

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For the Sake of Strangers

No matter what the grief, its weight,
we are obliged to carry it.
We rise and gather momentum, the dull strength
that pushes us through crowds.
And then the young boy gives me directions
so avidly. A woman holds the glass door open,
waiting patiently for my empty body to pass through.
All day it continues, each kindness
reaching toward another—a stranger
singing to no one as I pass on the path, trees
offering their blossoms, a child
who lifts his almond eyes and smiles.
Somehow they always find me, seem even
to be waiting, determined to keep me
from myself, from the thing that calls to me
as it must have once called to them—
this temptation to step off the edge
and fall weightless, away from the world.

Dorianne Laux – Eu te desafio

É outono, e estamos nos livrando
dos livros, nos preparando para aposentar e
mudar para um lugar menor, mais
gerenciável. Vivendo ao contrário,
na nova casa à prova de idade, nada
no chão para tropeçar, nenhum obstáculo
para os vagarosos mecanismos de nossos corpos,
uma mesinha para dois. Nosso mundo está
encolhendo, nossos armários, quase vazios,
se foram as saias justas e os sapatos de dança,
os badulaques e bugigangas. Agora, quando
alguém nos visita e admira
nossas obras completas de Shakespeare,
a pena de falcão no dicionário aberto,
o anjo de ferro na estante, dizemos:
leve-os. Este é o momento mais importante
de todos, a era do desapego,
sabendo que o que deixamos para trás é
como o aroma das árvores em flor
que se intensifica depois
que as atravessamos, inspirando-as
por um instante antes de
exalá-las. Uma terça-feira
comum em que um de vocês diz
eu te desafio, e o outro
apenas ri.

Trad.: Nelson Santander

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I Dare You

It’s autumn, and we’re getting rid
of books, getting ready to retire,
to move some place smaller, more
manageable. We’re living in reverse,
age-proofing the new house, nothing
on the floors to trip over, no hindrances
to the slowed mechanisms of our bodies,
a small table for two. Our world is
shrinking, our closets mostly empty,
gone the tight skirts and dancing shoes,
the bells and whistles. Now, when
someone comes to visit and admires
our complete works of Shakespeare,
the hawk feather in the open dictionary,
the iron angel on a shelf, we say
take them. This is the most important
time of all, the age of divestment,
knowing what we leave behind is
like the fragrance of blossoming trees
that grows stronger after
you’ve passed them, breathing
them in for a moment before
breathing them out. An ordinary
Tuesday when one of you says
I dare you, and the other one
just laughs.

Dorianne Laux – De qualquer forma

Se estamos fraturados,
assim o estamos
como estrelas
feitas para brilhar
em todas as direções,
por qualquer dimensão,
bilhões de anos
desde então.

Não lamentarei
o humano, ainda não.
Há algo mais
por vir, nossos corações
são como uma mina de ouro
inexplorada,
um mar desconhecido.

Nada se foi para sempre.
Se viemos do pó
e ao pó voltaremos,
então podemos descobrir o
caminho para qualquer coisa.

Ainda não se sabe
do que somos capazes,
por isso, agora mesmo, eu nos elogio
antecipadamente.

Trad.: Nelson Santander

In Any Event

If we are fractured
we are fractured
like stars
bred to shine
in every direction,
through any dimension,
billions of years
since and hence.

I shall not lament
the human, not yet.
There is something
more to come, our hearts
a gold mine
not yet plumbed,
an uncharted sea.

Nothing is gone forever.
If we came from dust
and will return to dust
then we can find our way
into anything.

What we are capable of
is not yet known,
and I praise us now,
in advance.

Dorianne Laux – Os amantes

Ela está quase lá. Desta vez, eles
estão sentados, unidos abaixo dos ventres,
os pés em concha como macias mãos orando
na base da coluna vertebral um do outro.
E quando algo se eleva dentro dela
em direção a uma luz, ela está certa, uma vez mais,
de que não pode suportar, ela abre os olhos
e vê o rosto dele voltado para o lado,
um braço para trás, as mãos espalmadas
sobre o colchão, de modo a se segurar
para poder alavancar seus quadris, tocar
com a ponta brilhante o ponto mais profundo.
E ela descobre que não pode suportar —
não seu belo pescoço, esticado e enfeitado,
nem seus cabelos caídos de um lado como relva de praia,
ou a asa curva de sua orelha, levemente lavada
pela luz do dia, rosa profundo do corpo interno —
o que ela não suporta é não poder ver sua face,
não que ela pense precisamente isso — ela está se movendo
e ofegando — é mais o pensamento sobre o corpo dela,
abrindo-se, como está, em sua própria pura verdade.
Então, quando sua mão se ergue de sua própria violação
e o esbofeteia, duas vezes no peito,
naquela almofada de carne musculosa logo acima do mamilo,
duas vezes, rápido, como um lactente
tentando chamar a atenção da mãe,
ela se assusta com o som,
contudo, quando ele vira o rosto em direção ao dela —
que é o que o seu corpo quer, seus olhos
se abrem, como se ela tivesse mordido —
ela o alcança e o morde, no ombro,
não com força, mas com o poder que têm as crianças
sobre aqueles que os sustentam, ligados como são
ao corpo, e portanto, presos ao prazer,
à requintada dor deste mundo.
E quando ela levanta o rosto, ele vê
para onde ela foi e que não consegue falar,
está viajando em direção a algo essencial,
ao cerne de suas necessidades, então ele simplesmente
observa, detidamente, com uma calma animal
enquanto ela arqueia e grita, observa o rosto que,
se ela pudesse ver, jamais deixaria que ele o visse.

Trad.: Nelson Santander

The Lovers

She is about to come. This time,
they are sitting up, joined below the belly,
feet cupped like sleek hands praying
at the base of each other’s spines.
And when something lifts within her
toward a light she’s sure, once again,
she can’t bear, she opens her eyes
and sees his face is turned away,
one arm behind him, hands splayed
palm down on the mattress, to brace himself
so he can lever his hips, touch
with the bright tip the innermost spot.
And she finds she can’t bear it—
not his beautiful neck, stretched and corded,
not his hair fallen to one side like beach grass,
not the curved wing of his ear, washed thin
with daylight, deep pink of the inner body—
what she can’t bear is that she can’t see his face,
not that she thinks this exactly—she is rocking
and breathing—it’s more her body’s though,
opening, as it is, into its own sheer truth.
So that when her hand lifts of its own violation
and slaps him, twice on the chest,
on that pad of muscled flesh just above the nipple,
slaps him twice, fast, like a nursing child
trying to get a mother’s attention,
she’s startled by the sound,
though when he turns his face to hers—
which is what her body wants, his eyes
pulled open, as if she had bitten—
she does reach out and bite him, on the shoulder,
not hard, but with the power infants have
over those who have borne them, tied as they are
to the body, and so, tied to the pleasure,
the exquisite pain of this world.
And when she lifts her face he sees
where she’s gone, knows she can’t speak,
is traveling toward something essential,
toward the core of her need, so he simply
watches, steadily, with an animal calm
as she arches and screams, watches the face that,
if she could see it, she would never let him see.