Louise Glück – A íris selvagem

No fim do meu sofrimento
havia uma saída.

Ouça-me: aquilo que você chama de morte
eu me recordo.

Acima, ruídos, ramos de pinheiros se movendo.
Depois, nada. O sol fraco
cintilava sobre a superfície ressequida.

É terrível sobreviver
como consciência
enterrada na terra escura.

E então acabou: aquilo que você teme, sendo
uma alma e incapaz
de falar, terminando abruptamente, a terra dura
cedendo um pouco. E o que tomei por
pássaros se movendo nos arbustos rasteiros.

Você, que não se lembra
da passagem do outro mundo,
eu lhe digo o que poderia falar vezes sem conta: o que quer que
retorne do esquecimento retorna
para encontrar uma voz:

do cerne da minha vida jorrou
uma grande fonte, sombras azuis
profundas na água azul do mar.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: Sobre este poema, a poeta Fleda Brown diz:

“Aqui está o poema do título. Você sabe como é uma íris selvagem?
(…) Essa [flor de] íris está descrevendo como é sair debaixo da terra escura. Está descrevendo o quão terrível é permanecer enterrado durante todo o inverno, estar consciente de estar enterrado, esperando. Então o surgimento da terra, o falar com a única voz que uma flor tem, sua flor. É estranho como Glück nos faz sentir como se fossemos a íris e, na verdade, percebemos que SOMOS, como a íris, a consciência que espera para falar com nossa própria voz.(…)”

E referindo-se aos versos finais do poema:

“Eu acho que ninguém jamais descreveu a flor de íris melhor do que isso: uma grande fonte, sombras azuis profundas na água do mar azul. Não posso olhar para uma íris agora sem ver uma fonte.”

http://fledabrown.com/columnist/michigan-writers-on-the-air/louise-gluck/

Uma coincidência(?) curiosa: o poema de Glück se assemelha a um dos poemas mais estudados de Carlos Drummond de Andrade: o enigmático “Áporo“, de “A Rosa do Povo”, publicado pela primeira vez em 1945.

Apesar das diferenças de época, contexto e origem dos autores, os poemas apresentam algumas semelhanças notáveis, tais como:

1. Perspectiva não humana: ambos os poemas são narrados por uma entidade não humana – um inseto em “Áporo” e uma flor em “The Wild Iris”;

2. Ciclo da vida: os dois poemas retratam o ciclo da vida, morte e renascimento. Em “Áporo”, o inseto cava na terra, morre e renasce como uma orquídea. Em “The Wild Iris”, a flor passa pelo ciclo de vida, morte e renascimento várias vezes.

3. Metáfora para a experiência humana: os poemas, cada um a seu modo, usam suas respectivas entidades não humanas como metáforas para a experiência humana. Uma possível interpretação de “Áporo” é que o inseto simboliza o cidadão oprimido pela ditadura Vargas. Em “The Wild Iris”, a flor parece simbolizar a alma humana passando por um renascimento mental ou emocional.

O poema de Louise Glück não tem a mesma carga política do admirável texto de Drummond, mas os aspectos que os aproximam revelam muito sobre a universalidade da experiência humana e da própria natureza da poesia, com seu poder de expressar emoções profundas e explorar temas universais.

The wild iris

At the end of my suffering
there was a door.

Hear me out: that which you call death
I remember.

Overhead, noises, branches of the pine shifting.
Then nothing. The weak sun
flickered over the dry surface.

It is terrible to survive
as consciousness
buried in the dark earth.

Then it was over: that which you fear, being
a soul and unable
to speak, ending abruptly, the stiff earth
bending a little. And what I took to be
birds darting in low shrubs.

You who do not remember
passage from the other world
I tell you I could speak again: whatever
returns from oblivion returns
to find a voice:

from the center of my life came
a great fountain, deep blue
shadows on azure seawater.