Nada acontecerá
Arredores de Atenas, 404 BCE
Enquanto os espartanos celebravam a vitória suada,
um de seus jovens entoou um canto de Eurípides –
versos para os derrotados, os mortos, os desaparecidos…
(Plutarco, Vida de Lisandro, 15)
Meio bêbado, meio atordoado, quase decidido
a ser zombado, recitei versos do inimigo.
Tínhamos votado para destruir Atenas. Converter
suas ruas fervilhantes em pasto, grama. O clamor da caterva
em crocitar de corvos. O contrário de uma cidade.
Escravizá-los, como haviam escravizado outros.
Mas quando minha canção se dissipou como uma dor mal cicatrizada,
nossa determinação esmoreceu; a vingança perdeu sua forma.
Vi embrutecidos hoplitas espartanos, soldados,
baixarem suas cabeças, como se envergonhados, os rostos riscados
por lágrimas afiadas. Agora todos nós concordávamos:
não poderíamos, em sã consciência, obliterar
uma cidade que nos dera tanta beleza;
poetas para registrar nossa perda acumulada.
Por fim, a carnificina poderia cessar. Nada de guerra,
selvageria, escravidão. A poesia
não faria nada acontecer. Não é pra isso que ela serve?
Trad.: Nelson Santander
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Make Nothing Happen
Outside Athens, 404 BCE
As the Spartans celebrated hard-fought victory
one of their youths sung a song by Euripides –
lines for the defeated, the dead, the disappeared…
(Plutarch, Life of Lysander, 15)
Half-drunk, half-dazed, half-decided to be jeered,
at the feast I recited enemy verse.
We’d voted to destroy Athens. To scorch
its teeming streets to pasture, grass. Crowd cry
to crow call. The opposite of city.
To enslave them as they’d enslaved others.
But as my song faded like a half-healed ache,
our resolve bruised; revenge bent out of shape.
I watched hardened Spartan hoplites, soldiers,
bow their heads as if in shame, faces scraped
by razored tears. Now all of us concurred:
we could not, in conscience, obliterate
a city that had given us such beauty;
poets to score our accumulated loss.
At last the butchery could stop. No war.
No savagery. No slavery. Poetry
would make nothing happen. What it’s for.