Sean Thomas Dougherty – Os aposentos familiares da dor

Ocasionalmente, estou bem,
embora, quando chego em casa

do trabalho,
ainda me sente em sua poltrona por horas

sem tirar o casaco,
puxando os botões

que não são respostas —

Trad.: Nelson Santander

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Grief’s Familiar Rooms

Sometimes I am ok
even though when I come home

from work,
I still sit in your chair for hours

without taking my coat off
pulling at its buttons

that are not answers—

José Paulo Paes – De malas prontas

Vários dos seus amigos mortos dão hoje nome a ruas e praças.
Ele próprio se sente um pouco póstumo quando conversa com gente
  jovem.
Dos passeios, raros, a melhor parte é a volta para casa.
As pessoas lhe parecem barulhentas e vulgares. Ele sabe de
  antemão tudo quanto possam dizer.
Nos sonhos, os dias da infância são cada vez mais nítidos e fatos
  aparentemente banais do seu passado assumem uma
  significância que intriga.
O vivido e o sonhado se misturam agora sem lhe causar
  espécie.
É como se anunciassem um estado de coisas cuja possível iminência
  não traz susto.
Só curiosidade. E um estranho sentimento de justeza.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 08/10/2019

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Sarah Freligh – Maravilhoso

Estou voltando da escola quando o rádio
fala de E.B. White1, seu aniversário, e eu saio
do aqui e agora da rodovia na hora do rush,

e viajo de volta ao passado, onde minha mãe está lendo
para mim e minha irmã a parte em que Charlotte2 põe seus ovos
e morre, e embora esta seja a quinta vez que Charlotte

morre, minha mãe está chorando novamente, e estamos rindo
dela porque não sabemos nada sobre a perda e sua triste matemática,
como cada subtração é exponencial, como cada dor

multiplica a anterior, como o autor tentou
dezessete vezes gravar as palavras Ela morreu sozinha
sem chorar, dezessete tentativas e uma curta caminhada durante

a qual ele chamou a si mesmo de ridículo, um homem adulto chorando
por uma aranha que ele havia tecido a partir do fio de seda da invenção —
é maravilhoso como essas palavras voltariam para fazê-lo

chorar, e, sim, é maravilhoso ouvir a voz de minha mãe
dez anos depois que ela morreu — o engasgo, a aspereza,
o esforço antes que ela pudesse nos dizer: Estou bem.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: 1) E.B. White foi um escritor, ensaísta e estilista literário americano, autor de vários livros populares para crianças, incluindo Stuart Little, A Teia de Charlotte e O Cisne e seu Trompete. Ele também foi editor e colaborador da revista The New Yorker e coautor do guia de estilo The Elements of Style.

2) Charlotte é a aranha protagonista do livro A Teia de Charlotte, de E.B. White. Ela se torna amiga de Wilbur, um porquinho que está em perigo de ser abatido pelo fazendeiro. Para salvá-lo, ela tece palavras e frases elogiosas a Wilbur em sua teia, para convencer o fazendeiro a deixá-lo viver. Ela também ajuda Wilbur a se tornar famoso e respeitado pelos outros animais.

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Wondrous

I’m driving home from school when the radio talk
turns to E.B. White, his birthday, and I exit
the here and now of the freeway at rush hour,

travel back into the past, where my mother is reading
to my sister and me the part about Charlotte laying her eggs
and dying, and though this is the fifth time Charlotte

has died, my mother is crying again, and we’re laughing
at her because we know nothing of loss and its sad math,
how every subtraction is exponential, how each grief

multiplies the one preceding it, how the author tried
seventeen times to record the words She died alone
without crying, seventeen takes and a short walk during

which he called himself ridiculous, a grown man crying
for a spider he’d spun out of the silk thread of invention —
wondrous how those words would come back and make

him cry, and, yes, wondrous to hear my mother’s voice
ten years after the day she died — the catch, the rasp,
the gathering up before she could say to us, I’m OK.

Ivan Junqueira – Estamos indo embora

Estamos indo embora. Sobre o piso de ardósia,
por entre caules e corolas que exalam um perfume exótico,
os gatos deslizam. São espíritos leves e sóbrios,
com suas patas de veludo, silenciosas,
que arranham a lombada dos livros e o verniz dos móveis.
Os tapetes abafam seus passos ociosos,
como se faz quando se acolhem os órfãos.

Doze anos se passaram, e estamos indo embora.
A brisa do mar, com seus úmidos braços, nos envolve
e empurra para um outro promontório,
uma outra dimensão de nossa breve história,
de que somos, se tanto, transitórios hóspedes,
peças de um tabuleiro onde o tempo as desloca,
alheio à inútil engrenagem dos relógios,
cujas horas se dissolvem numa névoa incorpórea.

Tanto aqui se escreveu em verso e prosa:
romances, elegias, baladas, novelas e toda uma prole
de rascunhos que iam da perífrase ao apólogo.
Tanto aqui se ouviram o lamento de um fagote,
uma ária de ópera, a lenta pulsação de um órgão,
a inquieta truta de um quinteto de cordas,
essa insistente música que ecoa na memória
e que não pode (nem quer) ir-se embora.
Como estancar as vozes e os acordes
do Réquiem em que Mozart brindou à própria morte?
Como esquecer, Palestrina, teu Kyrie, teu Sanctus, teu Gloria?
Como calar esse jorro de notas, essa clave de sol
na partitura de uma noite em que faz frio e chove?

Estamos indo embora. Passem o trinco nas portas
e tranquem as janelas pelas quais rompia a aurora.
Apaguem-se a lua e as estrelas, o monólogo
do sabiá na varanda, as nervosas
mãos do vento a sacudir os vitrais da abóbada.
Levem tudo: quadros, taças, santos barrocos, oratórios,
todo esse insólito e cediço espólio.
Bebeu-se aqui o álcool da vida até o último gole.
Não se esqueçam da arca que ficou no sótão.
Desliguem a luz (e o gás, senão tudo explode).
Que fique o resto como esmola. Paguem um óbolo
ao barqueiro que nos leva rio afora.
               Estamos indo embora.

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 07/10/2019

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Katie Ford – Terra

Se você honrasse os mortos,
lembrando onde eles morreram,
a esta hora, amanhã,
não haveria por onde andar.

Trad.: Nelson Santander

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Earth

If you respect the dead
and recall where they died
by this time tomorrow
there will be nowhere to walk.

Ferreira Gullar – Fim

Como não havia ninguém
na casa aquela
terça-feira tudo
é suposição: teria
tomado seu costumeiro
banho
de imersão por volta
de meio-dia e trinta e
de cabelos ainda
úmidos
deitou-se na cama para
descansar não
para morrer
   queria
dormir um pouco
apenas isso e
assim não lhe
terá passado pela
mente – até
aquele último segundo
antes de
se apagar no
silêncio – que
jamais voltaria
ao ruidoso mundo
da vida

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/10/2019

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Laura Kasischke – A Palma

Vejo que você terá uma vida comum, talvez
tenha filhos, talvez se case com
um homem amável, mas pouco
notável. Aguarda-lhe
uma viagem simples
(Cataratas do Niágara? Parque Yellowstone?). Embarque
nela. Faça
as escolhas que precise fazer: pintar
de azul o banheiro de cima, mudar-se
para o Wisconsin. Não importa.
Mas aqui, aqui nesta linha, esta linha
como uma cicatriz em sua mão — aqui
vejo algo mais.
As cortinas deste quarto serão vermelhas
e rasgadas. Feche-as. Deixe-o
conduzi-la lentamente até a cama. Não,
você dirá, é dia
e meu marido ingênuo confia em mim.
Confie em mim — este
é o seu momento — aquele
do qual você se lembrará (o sopro quente
da brisa de agosto, o sol
branco no céu, o fio de suor no pescoço
que se transformará em sal em sua língua).
Este você guardou
e guardará por toda sua vida,
ainda que machuque um pouco sua mão
como uma única lasca de vidro que cintila
em uma pedreira de ardósia. Você
morrerá algum dia, é claro, lentamente,
nem jovem, nem velha. E antes de ser esquecida,
os vizinhos se lembrarão de você com carinho.
Agora feche bem sua mão em torno
deste segredo. Morra
com este segredo, mas sem arrependimentos. Lembre-se
de que é assim que os ínfimos sobrevivem, é assim
que eles sempre sobreviveram.

Trad.: Nelson Santander

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Palm

I see you will live an ordinary life, perhaps
have children, perhaps marry
a kind but un-
remarkable man. There
is a simple journey that waits for you
(Niagara Falls? Yellowstone Park?) Go
on it. Make
the decisions you have to make: paint
the upstairs bathroom blue, move
to Wisconsin. It doesn’t matter.
But here, here in this crease, this crease
like a scar at your thumb—here
I see something more.
The drapes in this room will be red
and torn. Close them. Let him
show you slowly to the bed. No
you’ll say, it’s daylight
and my simple husband trusts me.
Trust me—this
is your moment—the one
you’ll remember (the hot breath
of the August breeze, the sun
white in the sky, the trickle of sweat
on his neck: it will turn to salt on your tongue).
This one you’ve held
and will hold all your life
though it cuts a bit at your thumb
like a single sliver of glass that glints
from a quarry of slate. You
will die someday, of course, slowly
not young not old. And before you’re forgotten
the neighbors will speak of you fondly.
Now close your hand tight
on this secret. Die
with this secret but no regrets. Remember
this is how the small survive, the way
the small have always survived.

Judith Viorst – Na minha idade

Na minha idade, pensei que finalmente seria capaz de
Terminar Moby Dick,
Esperar a refeição ser servida sem comer o pão,
E demonstrar uma tranquila compostura quando estou em um coquetel onde não conheço ninguém
E ninguém fala comigo,
Em vez de querer correr e me esconder no banheiro.

Na minha idade, pensei que finalmente seria capaz de
Ler uma declaração de imposto de renda,
Admitir que estou errada quando estou errada – e não me gabar quando estou certa,
E demonstrar uma serena aceitação quando vejo meu filho casado sair para a noite fria e nevada
Em um par de tênis rasgados
Em vez de gritar Pare! Você vai pegar uma pneumonia.

Na minha idade, pensei que finalmente seria capaz de
Falar um francês coerente,
Abster-me de dar conselhos, a menos que alguém o implore,
E demonstrar um maduro desapego quando esta senhora com MBA, pelo perfeita e pernas ainda melhores
Dá em cima de meu marido,
Em vez de planejar empurrar a cara dela na massa.

Na minha idade, pensei que finalmente seria capaz de
Lidar com a temperatura Celsius,
Dirigir até Nova Jersey sem me perder todas as vezes,
E demonstrar uma aceitação madura, serena, composta, desapegada e tranquila de tudo o que
Ainda não sou capaz de fazer
Na minha idade.

Trad.: Nelson Santander

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By My Age

By my age I thought I would finally be able to
Finish Moby Dick,
Wait for the meal to be served without eating the roll,
And display unruffled composure when I’m at a cocktail party where I don’t know a single soul
And nobody talks to me,
Instead of wanting to run and hide in the bathroom.

By my age I thought I would finally be able to
Read a tax return,
Admit that I’m wrong when I’m wrong – and not gloat when I’m right,
And display serene acceptance when I watch my married son walk out into the cold and snowy night
In a pair of torn sneakers
Instead of screaming, Stop! You’ll catch pneumonia.

By my age I thought I would finally be able to
Speak coherent French,
Refrain from providing advice unless someone begs,
And display mature detachment when this lady M.B.A. with perfect skin and even better legs
Makes a play for my husband,
Instead of plotting to push her face in the pasta.

By my age I thought I would finally be able to
Cope with Celsius,
Drive to New Jersey without getting lost every time,
And display a mature and serene and composed and detached and unruffled acceptance of all that I’m
Still not able to do
By my age.

Wayne Miller – Parábola da infância

Quando a cadela finalmente morreu, o pai cavou um buraco ao lado da cerca e a enterrou em uma caixa de sapatos.

Ela se foi, mas teve uma vida boa, disse a mãe. Não há problema em ficar triste.

________

No dia seguinte, o menino entrou na cozinha carregando a caixa. Ela não se foi. Ela ainda está aqui, ele disse. Olhem.

A mãe levantou a tampa. Querido, quando as coisas morrem, nós as devolvemos à terra.

E então as esquecemos lá?

Sim — e não, respondeu o pai, colocando a caixa de volta no buraco e cobrindo-a novamente. Juntos, eles voltaram para casa.

________

Na manhã seguinte, a caixa estava sobre a bancada da cozinha. Eu não conseguia dormir, disse o menino. Ela estava sozinha lá fora.

Talvez seja assim que ela queira que seja, o pai respondeu.

Não. Ela não quer nada, disse o menino. Ela está morta. Mas a caixa dela estava cheia de ar dentro da terra. Isso não estava certo.

Eles encheram a caixa com terra e a colocaram novamente no buraco.
________

O que significa morrer? perguntou o menino.

O pai pensou em seu próprio pai, que havia morrido um ano antes de o menino nascer. Um longo sofrimento — até que, finalmente, seu corpo se encheu de neve.

Ninguém sabe o que é a morte, disse o pai. Gostaria de ter uma resposta melhor para você.

________

Quatro dias se passaram antes que a caixa, agora pesada de terra e podridão, reaparecesse dentro de casa. Por que isso está aqui? perguntou o pai.

Ninguém sabe o que é a morte, disse o menino. Eu queria descobrir.

Jesus, disse o pai, saindo para a garagem.

A mãe disse gentilmente: Não. Quando as coisas morrem, elas se vão. Então, nós as devolvemos à terra.

________

A cadela havia partido — isso era evidente.

Mas a cadela também estava ali, logo abaixo da superfície, mergulhada na escuridão. O menino sabia que poderia trazê-la de volta para dentro de casa sempre que quisesse —

não importando o que seus pais dissessem.

Trad.: Nelson Santander

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Parable of Childhood

When the dog finally died, dad dug a hole beside the fence and buried her in a boot box.

She’s gone, but she had a good life, mom said. It’s OK to be sad.

________

Next day, the boy came into the kitchen holding the box in front of him. She’s not gone. She’s still in there, he said. Look.

Mom lifted the lid. Sweetie, when things die, we give them back to the earth.

And then we forget them there?

Yes—and no, dad replied. He put the box in the hole and covered it over. Together, they walked back to the house.

________

In the morning, the box was on the kitchen counter. I couldn’t sleep, the boy said. She was all alone out there.

Maybe that’s how she wants it to be, dad replied.

No. She doesn’t want anything, the boy said. She’s dead. But her box was full of air inside the earth. That wasn’t right.

They filled the box with dirt and placed it inside the hole.

________

What does it mean to die? the boy asked.

Dad thought of his own father, who’d died a year before the boy was born. A long suffering—until at last his body had filled with snow.

No one knows what death is, dad said. I wish I had a better answer for you.

________

Four days passed before the box, heavy with dirt and rot, arrived again inside the house. Why is this here? dad asked.

No one knows what death is, the boy said. I wanted to find out.

Jesus, dad said and went out to the garage.

Mom said gently, No. When things die, they’re gone. So we return them to the earth.

________

The dog was gone—that was clear.

But the dog was also right there, just below the surface, packed in darkness. The boy could bring her back inside whenever he wanted—

no matter what his parents said.

José Paulo Paes – Elogio da Memória

O funil da ampulheta
apressa, retardando-a,
a queda
da areia.

Nisso imita o jogo
manhoso
de certos momentos
que se vão embora
quando mais queríamos
que ficassem.

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