Andrew Hudgins – No poço

Meu pai amarrou em mim uma corda,
um laço ao redor da minha cintura,
e baixou-me para o fundo e dentro
das trevas. Eu sentia a paúra,

seu gosto. Primeiro foi um sabor
de noite, então terra, e podridão.
Balancei e bati com a cabeça
e foi naquele momento que, então,

conheci um outro: depois o sangue
pôs-me na boca um sabor de metal.
A partir de então, meu pai me soltou
gradativamente, mão após mão:

depois água. Então pelo molhado,
que apertei junto ao peito. Eu gritei.
Papai puxou a corda encharcada
com força. Engasguei, e pressionei

contra mim o cão perdido do meu
vizinho. Então abracei seu fim
e emergi em direção ao meu pai.
Depois, a luz. As mãos. E o ar, enfim.

Trad.: Nelson Santander

In the well

My father cinched the rope,
a noose around my waist,
and lowered me into
the darkness. I could taste

my fear. It tasted first
of dark, then earth, then rot.
I swung and struck my head
and at that moment got

another then: then blood,
which spiked my mouth with iron.
Hand over hand, my father
dropped me from then to then:

then water. Then wet fur,
which I hugged to my chest.
I shouted. Daddy hauled
the wet rope. I gagged, and pressed

my neighbor’s missing dog
against me. I held its death
and rose up to my father.
Then light. Then hands. Then breath.

Edna St. Vincent Millay – dois poemas de “A few Figs from Thistles”

“A few Figs from Thistles” (excertos)1

Primeiro Figo

Meu círio arde nas duas extremidades;
Não perdurará toda a noite;
Mas ah, meus inimigos, oh, meus confrades –
Dá uma luz tão cativante! –

Segundo Figo

Sobre sólida rocha, a salvo, repousam as casas feias:
Venha e veja meu brilhante castelo erigido sobre a areia!

Trad.: Nelson Santander

  1. N. do T.: “A few Figs from Thistles” – título do livro do qual foram extraídos os dois poemas – é uma clara referência a um versículo do evangelho de Mateus: “Pelos seus frutos os conhecereis. É possível alguém colher uvas de um espinheiro ou figos das ervas daninhas?” (Mateus, 7:16). Aliás, uma outra passagem bíblica do mesmo apóstolo é aludido no “Segundo Figo”. Esta: “Pois, todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia.”(Mateus, 7:26). ↩︎

From “A few Figs from Thistles”

First Fig

My candle burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends –
It gives a lovely light! –

Second Fig

Safe upon the solid rock the ugly houses stand:
Come and see my shining palace built upon the sand!

Ted Kooser – Sobrevivendo

Há dias em que o medo da morte
é tão onipresente quanto a luz. Ele ilumina
tudo. Sem ele, talvez eu não
tivesse notado esta joaninha,
brilhante como uma gota de sangue
no peitoril branco da janela.
Sua cabeça não maior que um ponto final,
seus olhos como pontas de agulhas;
ela parou por um instante para descansar,
joelhos travados, élitros ocultando
a renda delicada de suas asas.
À medida que o medo da morte, tão atento
a tudo o que vive, dela se aproxima,
as minúsculas antenas param de se mover.

Trad.: Nelson Santander

Surviving

There are days when the fear of death
is as ubiquitous as light. It illuminates
everything. Without it, I might not
have noticed this ladybird beetle,
bright as a drop of blood
on the window’s white sill.
Her head no bigger than a period,
her eyes like needle points,
she has stopped for a moment to rest,
knees locked, wing covers hiding
the delicate lace of her wings.
As the fear of death, so attentive
to everything living, comes near her,
the tiny antennae stop moving.

Angélica Freitas – Pós

os homens as mulheres nascem crescem
veem como os outros nascem
como desaparecem
desse mistério brota um cemitério
enterram carcaças depois esquecem

os homens as mulheres nascem crescem
veem como os outros nascem
como desaparecem
registram registram com o celular
fazem planilhas depois esquecem

torcem pra que demore sua vez
os homens as mulheres
não sabem o que vem depois
então fazem uma pós

os homens as mulheres nascem crescem
sabem que um dia nascem
noutro desaparecem
mas nem por isso se esquecem
de apagar o gás e a luz

Walter de la Mare – Chapim

Se quiseres ganhar uma feliz companhia
Pendures em um tronco uma fendida noz
Futilmente verde, que balança e rodopia,
Seu níveo miolo como isca; e um veloz
Chapim irás testemunhar que nela se enfia.

Fora dos vastos domínios estranhos do ar,
Fora mesmo de todo verão, indo e voltando,
Ele pousa e brinca com as penas de encantar,
Faz ressoar seu acorde selvagem e brando,
E carrega todas as provisões para lá —

Esta pequena forma da vida; esta entida-,
de, por um momentâneo e humano pedido,
Emplumará sua asa, de clarão tingida,
Baterá seu tambor estridente e divertido —
E no Nada do Tempo, imensidão infinda,
Voará para muito longe, doce-nutrido.

Trad.: Nelson Santander

Titmouse

If you would happy company win,
Dangle a palm-nut from a tree,
Idly in green to sway and spin,
Its snow-pulped kernel for bait; and see
A nimble titmouse enter in.

Out of earth’s vast unknown of air,
Out of all summer, from wave to wave,
He’ll perch, and prank his feathers fair,
Jangle a glass-clear wildering stave,
And take his commons there —

This tiny son of life; this spright,
By momentary Human sought,
Plume will his wing in the dappling light,
Clash timbrel shrill and gay —
And into Time’s enormous Nought,
Sweet-fed, will flit away.