Você pensou que nós não soubéssemos. Mas nós sabíamos,
as crianças sabem dessas coisas. Não vire as costas agora –
nós habitávamos
uma mentira para apaziguá-lo. Eu me lembro
da luz do sol do início da primavera, os taludes
reticulados por vincas roxas. Eu me lembro
de me deitar em um campo, roçando o corpo de meu irmão.
Não vire as costas agora; nós negamos
as memórias para consola-lo. Nós o imitamos, recitando
os termos de nossa punição. Eu me lembro
de parte disso, não de tudo: o engano
começa com o esquecimento. Eu me lembro de pequenas coisas, flores
crescendo sob o espinheiro branco, os sinos
da scilla selvagem. Não de tudo, mas o suficiente
para saber que você existe. Quem mais teria motivos para criar
desconfiança entre um irmão e uma irmã além daquele
que lucrou, a quem nos voltamos em solidão? Quem mais
invejaria tanto o vínculo que tínhamos na época
a ponto de dizer-nos que não era a terra
mas o céu que estávamos perdendo?
Trad.: Nelson Santander
Vespers
You thought we didn’t know. But we knew once,
children know these things. Don’t turn away now —
we inhabited
a lie to appease you. I remember
sunlight of early spring, embankments
netted with dark vinca. I remember
lying in a field, touching my brother’s body.
Don’t turn away now; we denied
memory to console you. We mimicked you, reciting
the terms of our punishment. I remember
some of it, not all of it: deceit
begins as forgetting. I remember small things, flowers
growing under the hawthorn tree, bells
of the wild scilla. Not all, but enough
to know you exist: who else had reason to create
mistrust between a brother and sister but the one
who profited, to whom we turned in solitude? Who else
would so envy the bond we had then
as to tell us it was not earth
but heaven we were losing?