Jeffrey Harrison – Nossa outra irmã

                    Nossa outra irmã

para Ellen

A coisa mais cruel que fiz à minha irmã mais nova
não foi disparar um dardo caseiro em seu joelho,
onde ficou pendurado por um ofegante momento

antes de cair, mas sim contar que tínhamos
outra irmã, mais velha, que havia ido embora.
Quais foram meus motivos não consigo lembrar: um capricho,

ou talvez uma necessidade de brincar com a perda,
de sondar a dor de feridas inventadas?
Mas aquela primeira frase foi como uma cadeia de DNA

que se replicou em espirais de mentiras
quando minha irmã começou a fazer perguntas desesperadas.
Chamei nossa irmã mais velha de Isabel

e dei-lhe olhos cor de avelã e longos cabelos loiros.
Fiz com que fugisse para a Califórnia
onde se drogava e fazia bijuterias hippies.

Antes que eu percebesse, ela já morava em Santa Fé
e abrira uma loja. Enviava cartões postais
de vez em quando, mas parara de ligar.

Ainda consigo ver minha irmã mais nova me encarando,
os olhos se arregalando de desolação
até se encherem de lágrimas. Ainda me lembro

do espanto - e do horror - que senti ao ver que algo
que eu acabara de inventar
podia ter tanto poder, e ainda posso sentir

o dardo do remorso perfurando meu coração,
enquanto corria para dizer-lhe que nada daquilo era verdade.
Mas era tarde demais. Nossa outra irmã

já tinha tomado forma e não podíamos
chamá-la de volta de sua vida distante
nem dizer o quanto sentíamos sua falta.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 28/07/2020

                    Our Other Sister

for Ellen

The cruelest thing I did to my younger sister
wasn’t shooting a homemade blowdart into her knee,
where it dangled for a breathless second

before dropping off, but telling her we had
another, older sister who’d gone away.
What my motives were I can’t recall: a whim,

or was it some need of mine to toy with loss,
to probe the ache of imaginary wounds?
But that first sentence was like a strand of DNA

that replicated itself in coiling lies
when my sister began asking her desperate questions.
I called our older sister Isabel

and gave her hazel eyes and long blonde hair.
I had her run away to California
where she took drugs and made hippie jewelry.

Before I knew it, she’d moved to Santa Fe
and opened a shop. She sent a postcard
every year or so, but she’d stopped calling.

I can still see my younger sister staring at me,
her eyes widening with desolation
then filling with tears. I can still remember

how thrilled and horrified I was
that something I’d just made up
had that kind of power, and I can still feel

the blowdart of remorse stabbing me in the heart
as I rushed to tell her none of it was true.
But it was too late. Our other sister

had already taken shape, and we could not
call her back from her life far away
or tell her how badly we missed her.

Jeffrey Harrison – Um gole de água

Quando meu filho de dezenove anos abre a torneira da cozinha,
e se inclina sobre a pia, virando a cabeça de lado
para beber diretamente do jato de água fresca,
eu penso no meu irmão mais velho, agora quase dez anos ausente,
que costumava fazer o mesmo nessa idade;

e quando ele ergue a cabeça de volta e, saciado,
enxuga a água que escorre da face
com a manga da camisa, é o mesmo gesto casual
que meu irmão costumava fazer; e eu não lhe digo
para usar um copo, como nosso pai fazia com meu irmão,

porque gosto de me lembrar do meu irmão
quando ele era jovem, décadas antes de algo
dar errado, e gosto do jeito como meu filho
se torna um pouco mais meu irmão por um momento
com este pequeno hábito nascido de uma necessidade simples,

que, natural e espontânea, os une
além dos limites da morte, e através do tempo…
como se o jato límpido fluísse entre dois mundos
e entrasse neste pela torneira da cozinha,
meu filho e meu irmão bebendo a mesma água.

Trad.: Nelson Santander

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A drink of water

When my nineteen-year-old son turns on the kitchen tap
and leans down over the sink and tilts his head sideways
to drink directly from the stream of cool water,
I think of my older brother, now almost ten years gone,
who used to do the same thing at that age;

and when he lifts his head back up and, satisfied,
wipes the water dripping from his cheek
with his shirtsleeve, it’s the same casual gesture
my brother used to make; and I don’t tell him
to use a glass, the way our father told my brother,

because I like remembering my brother
when he was young, decades before anything
went wrong, and I like the way my son
becomes a little more my brother for a moment
through this small habit born of a simple need,

which, natural and unprompted, ties them together
across the bounds of death, and across time …
as if the clear stream flowed between two worlds
and entered this one through the kitchen faucet,
my son and brother drinking the same water.

Jeffrey Harrison – Nossa outra irmã

                    Nossa outra irmã

para Ellen

A coisa mais cruel que fiz à minha irmã mais nova
não foi disparar um dardo caseiro em seu joelho,
onde ficou pendurado por um ofegante momento

antes de cair, mas sim contar que tínhamos
outra irmã, mais velha, que havia ido embora.
Quais foram meus motivos não consigo lembrar: um capricho,

ou talvez uma necessidade de brincar com a perda,
de sondar a dor de feridas inventadas?
Mas aquela primeira frase foi como uma cadeia de DNA

que se replicou em espirais de mentiras
quando minha irmã começou a fazer perguntas desesperadas.
Chamei nossa irmã mais velha de Isabel

e dei-lhe olhos cor de avelã e longos cabelos loiros.
Fiz com que fugisse para a Califórnia
onde se drogava e fazia bijuterias hippies.

Antes que eu percebesse, ela já morava em Santa Fé
e abrira uma loja. Enviava cartões postais
de vez em quando, mas parara de ligar.

Ainda consigo ver minha irmã mais nova me encarando,
os olhos se arregalando de desolação
até se encherem de lágrimas. Ainda me lembro

do espanto - e do horror - que senti ao ver que algo
que eu acabara de inventar
podia ter tanto poder, e ainda posso sentir

o dardo do remorso perfurando meu coração,
enquanto corria para dizer-lhe que nada daquilo era verdade.
Mas era tarde demais. Nossa outra irmã

já tinha tomado forma e não podíamos
chamá-la de volta de sua vida distante
nem dizer o quanto sentíamos sua falta.

Trad.: Nelson Santander

                    Our Other Sister

for Ellen

The cruelest thing I did to my younger sister
wasn’t shooting a homemade blowdart into her knee,
where it dangled for a breathless second

before dropping off, but telling her we had
another, older sister who’d gone away.
What my motives were I can’t recall: a whim,

or was it some need of mine to toy with loss,
to probe the ache of imaginary wounds?
But that first sentence was like a strand of DNA

that replicated itself in coiling lies
when my sister began asking her desperate questions.
I called our older sister Isabel

and gave her hazel eyes and long blonde hair.
I had her run away to California
where she took drugs and made hippie jewelry.

Before I knew it, she’d moved to Santa Fe
and opened a shop. She sent a postcard
every year or so, but she’d stopped calling.

I can still see my younger sister staring at me,
her eyes widening with desolation
then filling with tears. I can still remember

how thrilled and horrified I was
that something I’d just made up
had that kind of power, and I can still feel

the blowdart of remorse stabbing me in the heart
as I rushed to tell her none of it was true.
But it was too late. Our other sister

had already taken shape, and we could not
call her back from her life far away
or tell her how badly we missed her.