Em cada vida, há um momento ou dois.
Em cada vida, um quarto em algum lugar, à beira-mar ou nas montanhas.
Sobre a mesa, um prato de damascos. Caroços em um cinzeiro branco.
Como todas as imagens, essas foram as condições de um pacto:
em seu rosto, o tremor da luz do sol,
meu dedo pressionando seus lábios.
As paredes branco-azuladas; a tinta da escrivaninha ligeiramente descascada.
Esse quarto ainda deve existir, no quarto andar,
com uma pequena varanda com vista para o oceano.
Um quarto quadrado e branco, o sobrelençol dobrado para trás na beirada da cama.
Ele não se dissolveu de volta ao nada, à realidade.
Pela janela aberta, o ar do mar, com seu cheiro de iodo.
De manhã cedo: um homem chamando um garotinho de volta da água.
Esse garotinho — ele teria vinte anos agora.
Ao redor do seu rosto, mechas de cabelo úmido, riscadas de ruivo.
Musselina, lampejo de prata. Pote pesado carregado de peônias brancas.
Trad.: Nelson Santander
Presque Isle
In every life, there’s a moment or two.
In every life, a room somewhere, by the sea or in the mountains.
On the table, a dish of apricots. Pits in a white ashtray.
Like all images, these were the conditions of a pact:
on your cheek, tremor of sunlight,
my finger pressing your lips.
The walls blue-white; paint from the low bureau flaking a little.
That room must still exist, on the fourth floor,
with a small balcony overlooking the ocean.
A square white room, the top sheet pulled back over the edge of the bed.
It hasn’t dissolved back into nothing, into reality.
Through the open window, sea air, smelling of iodine.
Early morning: a man calling a small boy back from the water.
That small boy — he would be twenty now.
Around your face, rushes of damp hair, streaked with auburn.
Muslin, flicker of silver. Heavy jar filled with white peonies.