Giuseppe Ungaretti – Vaidade

De repente
se eleva
sobre os escombros
a límpida
maravilha
da imensidão.

E o homem
curvado
sobre a água
surpreendida
pelo sol
se descobre
uma sombra

Embalada
pouco a pouco
desfeita

Trad : Geraldo Holanda Cavalcanti

Vanità

D’improvviso
è alto
sulle macerie
il limpido
stupore
dell’immensità

E l’uomo
curvato
sull’acqua
sorpresa
dal sole
si rinviene
un’ombra

Cullata e
piano
franta

Antonia Pozzi – Desalento

Tristeza destas minhas mãos
demasiado pesadas
para não abrirem feridas,
demasiado leves
para deixarem marca –

tristeza desta minha boca
que diz as mesmas
palavras que tu
– significando outras coisas –
e esta é a expressão
da mais desesperada
distância.

Trad.: Inês Dias

Sfiducia

Tristezza di queste mie mani
troppo pesanti
per non aprire piaghe,
troppo leggere
per lasciare un’impronta –

tristezza di questa mia bocca
che dice le stesse
parole tue
– altre cose intendendo –
e questo è il modo
della più disperata
lontananza.

Antonia Pozzi – Canto da Minha Nudez

Olha para mim: estou nua. Da inquieta
languidez da minha cabeleira
até à tensão fina do meu pé,
sou toda de uma magreza amarga
envolta numa cor de marfim.
Olha: como é pálida a minha carne.
Dir-se-ia que o sangue não a percorre.
O vermelho não transparece. Apenas uma lânguida
pulsação azul se esbate no meio do peito.
Vê como tenho o ventre côncavo. Incerta
é a curva das ancas, mas os joelhos
e os tornozelos e todas as articulações
são escanzelados e duros como os de um puro-sangue.
Hoje, deito-me nua, na limpidez
da banheira branca e deitar-me-ei nua
amanhã sobre um leito, se alguém
me quiser. E um dia nua, só,
estendida de costas sob demasiada terra,
hei-de estar, quando a morte me tiver chamado.

Trad.: Inês Dias

Canto della mia nudità

Guardami: sono nuda. Dall’inquieto
Languore della mia capigliatura
Alla tensione snella del mio piede,
io sono tutta una magrezza acerba
inguainata in un color avorio.
Guarda: pallida è la carne mia.
Si direbbe che il sangue non vi scorra.
Rosso non ne traspare. Solo un languido
Palpito azzurrino sfuma in mezzo al petto.
Vedi come incavato ho il ventre. Incerta
È la curva dei fianchi, ma i ginocchi
E le caviglie e tutte le giunture,
ho scarne e salde come un puro sangue.
Oggi, m’inarco nuda, nel nitore
Del bagno bianco e m’inarcherò nuda
domani sopra un letto, se qualcuno
mi prenderà. E un giorno nuda, sola,
stesa supina sotto troppa terra,
starò, quando la morte avrà chiamato.

Antonia Pozzi – Grito

Não ter um Deus
não ter um túmulo
não ter nada de certo
mas apenas coisas vivas que nos fogem –
existir sem ontem
existir sem amanhã
e cegar no vazio
– socorro –
pelo sofrimento
que não tem fim –

10 de fevereiro de 1932

Trad.: Inês Dias

Grido

Non avere un Dio
non avere una tomba
non avere nulla di fermo
ma solo cose vive che sfuggono –
essere senza ieri
essere senza domani
ed acciecarsi nel nulla –
– aiuto –
per la miseria
che non ha fine –

10 febbraio 1932

Antonia Pozzi – Novembro

E depois – quando eu partir
restará alguma coisa
de mim
no meu mundo –
restará um fino rasto de silêncio
no meio das vozes –
um ténue sopro de branco
no coração do azul –

E numa noite de Novembro
uma menina frágil
à esquina de uma rua
venderá braçadas de crisântemos
e lá estarão as estrelas
gélidas verdes distantes –
Alguém chorará
em algum lugar – em algum lugar –
Alguém irá procurar crisântemos
para mim
no mundo
quando sem regresso
eu tiver de partir.

Trad.: Inês Dias

Antonia Pozzi – Novembre

E poi – se accadrà ch’io me ne vada –
resterà qualchecosa
di me
nel mio mondo –
resterà un’esile scìa di silenzio
in mezzo alle voci –
un tenue fiato di bianco
in cuore all’azzurro –

Ed una sera di novembre
una bambina gracile
all’angolo d’una strada
venderà tanti crisantemi
e ci saranno le stelle
gelide verdi remote –
Qualcuno piangerà
chissà dove – chissà dove –
Qualcuno cercherà i crisantemi
per me
nel mondo
quando accadrà che senza ritorno
io me ne debba andare.

Antonia Pozzi – Pausa

Parecia-me que este dia
sem ti
devia ser inquieto,
escuro. Em vez disso está repleto
de uma estranha doçura, que aumenta
com o passar das horas –
quase como a terra
após um aguaceiro,
que fica sozinha no silêncio a beber
a água caída
e pouco a pouco
nas veias mais profundas se sente
penetrada.

A alegria que ontem foi angústia,
tempestade –
regressa agora em rápidas
golfadas ao coração,
como um mar amansado:
à luz suave do sol reaparecido brilham,
inocentes dádivas,
as conchas que a onda
deixou sobre a praia.

Trad.: Inês Dias

Giuseppe Ungaretti – Vigília

Cima Quatro, 23 de Dezembro de 1915

Toda uma noite em claro
caído ao lado
de um companheiro
massacrado
com sua boca
arreganhada
exposta à lua cheia
com o hematoma
de suas mãos
cravado
em meu silêncio
escrevi
cartas cheias de amor
Não tinha nunca estado
tão
aferrado à vida

Trad.: Nelson Ascher

Giuseppe Ungaretti – Não gritem mais

Parem de matar os mortos,
Não gritem mais, não gritem
Se ouvir ainda os quiserem,
Se imperecer ainda esperam.

Eles, sussurro imperceptível,
Não fazem mais ruído
Que o mato quando cresce,
Alegre, onde homem não passa.

Trad.:  Aurora Bernardini

Giuseppe Ungaretti – Peso

    Mariano, 29 de junho de 1916

Aquele camponês
se fia na medalha
de Santo Antonio
e segue tranquilo

Mas bem só e bem nua
sem qualquer miragem
carrego minha alma

Trad.: Geraldo Holanda Cavalcanti

Giacomo Leopardi – A Noite do Dia de Festa

Noite sem vento, doce, clara. A lua
Flutua sobre tetos e pomares,
Serena, revelando ao longe, os montes.
As ruas e caminhos silenciam,
Minha amada. Pelos balcões, são raros
Os lampiões, um sono suave invade
Os aposentos, você dorme, nada
Perturba o seu repouso, muito menos
A chaga que me abriu dentro do peito!
Mas você dorme, e ao céu de aspecto ameno
– E à antiga natureza onipotente
Que me volta à aflição – dirijo os olhos.
“Para você, nem mesmo uma esperança;
Para os seus olhos, só um brilho: lágrimas”,
Ela me disse. Mas que dia magnífico!
Dormem danças e jogos, mas, em sonho,
Talvez para você desfilem todos
De quem gostou ou aos quais agradou
(Menos eu, que nesse rol não compareço).
Mas se calculo os dias que me restam,
Vejo-me aos gritos, a rolar na terra:
Que vida horrível numa vida jovem!
Vai pela rua o canto solitário
De quem já trabalhou, passou na tasca,
E volta tarde para a casa pobre.
Vai-me apertando, amargo, o coração,
Se penso em como tudo passa e passa,
Quase sem deixar rastro. Já se foi
O dia de festa, e agora chega o dia
Normal, e tudo se escoa no tempo,
Todos os atos humanos. E o estrondo
Dos antigos, as vozes dos heróis
De ontem, onde estão? e o grande império,
E as armas e o fragor que faz tremer
Os caminhos da terra e do oceano?
Tudo é paz e silêncio. O mundo
Tudo aquieta. Já não se pensa em nada.
Quando criança, vinha a espera ansiosa
Do dia de festa, que findava logo.
Sofrendo, comprimia o travesseiro,
Ao ouvir pela noite aquele canto
Que ia morrendo aos poucos, lentamente,
Morrendo e me apertando o coração.

Trad.: Décio Pignatari