Lucille Clifton – Cântico de Louvor

para minha tia blanche
que rolou do gramado para a caçada
e dali para a rua em uma manhã de domingo.
eu tinha dez anos. nunca havia visto
uma mulher humana arremessar seu corpo
como uma bola de basquete no tráfego do mundo.
Louvados sejam os motoristas que frearam a tempo.
Louvada seja a fé com que ela se ergueu
após alguns instantes e então caminhou lentamente
suspirando de volta para sua família.
Louvados os braços que mal
compreendiam o significado daquilo,
mas a acolheram sem julgamentos,
aceitando tudo como crianças fariam,
como Deus.

Trad.: Nelson Santander

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Praise Song

to my aunt blanche
who rolled from grass to driveway
into the street one sunday morning.
i was ten. i had never seen
a human woman hurl her basketball
of a body into the traffic of the world.
Praise to the drivers who stopped in time.
Praise to the faith with which she rose
after some moments then slowly walked
sighing back to her family.
Praise to the arms which understood
little or nothing of what it meant
but welcomed her in without judgment,
accepting it all like children might,
like God.

Lucille Clifton – o último dia

nos encontraremos cercados
pelos nossos todos eles agora
com os olhares que haviam
apenas imaginado possíveis
e eles nos reprovarão
com esses olhos
em uma linguagem mais direta
que a fala
perguntando por que permitimos que isso
acontecesse perguntando por que
pelo amor de Deus
fizemos isso a nós mesmos
e responderemos
com nossas vozes débeis porque
porque porque

Trad.: Nelson Santander

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the last day

we will find ourselves surrounded
by our kind all of them now
wearing the eyes they had
only imagined possible
and they will reproach us
with those eyes
in a language more actual
than speech
asking why we allowed this
to happen asking why
for the love of God
we did this to ourselves
and we will answer
in our feeble voices because
because because

Lucille Clifton – [entardecer e meu falecido ex-marido]

entardecer e meu falecido ex-marido
se ergue do tabuleiro ouija
através do ar trêmulo eu resmungo
os nomes de nossos filhos rebeldes
e peço-lhe que explique por que
faço tanto alvoroço como uma peixeira por que
o câncer e a terrível solidão
e as guerras contra o nosso povo
e o quarto cintila como se lavado
em lágrimas e saindo da névoa uma das mãos
se torna carne e observo
enquanto seus dedos apontando soletram

saber não ajuda em nada

Trad.: Nelson Santander

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[evening and my dead once husband]

evening and my dead once husband
rises up from the spirit board
through trembled air i moan
the names of our wayward sons
and ask him to explain why
i fuss like a fishwife why
cancer and terrible loneliness
and the wars against our people
and the room glimmers as if washed
in tears and out of the mist a hand
becomes flesh and i watch
as its pointing fingers spell

it does not help to know

Lucille Clifton – Dois poemas

adão pensando

ela
roubou meu osso
não é de admirar
que eu anseie cavar de volta
para dentro desesperado
para reconectar costela e argila
e ser inteiro outra vez

alguma carência está em mim
lutando para rugir com minha
boca por um nome
esta criação é tão feroz
que eu preferiria ter nascido

eva pensando

aqui é um território selvagem
irmãos e irmãs unindo
garras e asas
apalpando uns aos outros

eu aguardo
enquanto a argila bípede
ressoa em seu peito
procurando palavras para

me nomear
mas ele é lento
esta noite enquanto ele dorme
vou sussurrar em sua boca
nossos nomes

Trad.: Nelson Santander

adam thinking

she
stolen from my bone
is it any wonder
i hunger to tunnel back
inside desperate
to reconnect the rib and clay
and to be whole again

some need is in me
struggling to roar through my
mouth into a name
this creation is so fierce
i would rather have been born

eve thinking

it is wild country here
brothers and sisters coupling
claw and wing
groping one another

i wait
while the clay two-foot
rumbles in his chest
searching for language to

call me
but he is slow
tonight as he sleeps
i will whisper into his mouth
our names

Lucille Clifton – o poema do bebê perdido

na vez em que deixei cair seu quase corpo
para encontrar as águas sob a cidade
e nelas fluir com o esgoto para o mar
o que sabia eu sobre águas correndo de volta
o que sabia eu sobre afogamento
ou sobre ser afogada

você teria nascido no inverno
no ano do gás desligado
e sem carro teríamos feito a singular
caminhada pela genesee hill sob o vento do canadá
para vê-lo escorregar como gelo para as mãos de estranhos
você teria caído nu como a neve no inverno
se você estivesse aqui eu poderia contar-lhe sobre estas
e algumas outras coisas

se eu for menos que uma montanha
para seus irmãos e irmãs definitivos
que os rios transbordem sobre minha cabeça
que as águas me levem por uma vazante
dos mares que os homens pretos me chamem de estranha
sempre para a sua causa nunca nomeada

Trad.: Nelson Santander
the lost baby poem

the time i dropped your almost body down
down to meet the waters under the city
and run one with the sewage to the sea
what did i know about waters rushing back
what did i know about drowning
or being drowned

you would have been born into winter
in the year of the disconnected gas
and no car we would have made the thin
walk over genesee hill into the canada wind
to watch you slip like ice into strangers’ hands
you would have fallen naked as snow into winter
if you were here i could tell you these
and some other things

if i am ever less than a mountain
for your definite brothers and sisters
let the rivers pour over my head
let the sea take me for a spiller
of seas let black men call me stranger
always for your never named sake

Lucille Clifton – o que eu sei é isso

o que eu sei é isso:
minha mãe enlouqueceu
na casa dos meus pais
por falta de carinho

o que eu sei é isso:
os dias de algumas mulheres
são desperdiçados
nas cozinhas de suas vidas

é por isso que eu sei:
os deuses
são homens

Trad.: Nelson Santander

this is what i know

this is what i know
my mother went mad
in my fathers house
for want of tenderness

this is what i know
some womens days
are spooned out
in the kitchen of their lives

this is why i know
the gods
are men