Louis MacNeice – Déjà Vu

Não volta em centenas de milhares de anos,
Volta num piscar de olhos, você estará sentada exatamente
Onde está agora, e coçando o cotovelo, o trem
Passará exatamente como agora e dirá não volta,
não volta, não volta, e, em cadência precisa,
As rodas marcarão o tempo nos trilhos e a ave no ar
Aguardará em sua caixa e será moído aquele mesmo
Grão de café que agora está no moinho, e sei o que você vai dizer
Pois tudo isso já aconteceu antes, ambos já passamos pelo moinho,
Pelo nosso Magnus Annus, e agora poderíamos quase dar por encerrado
Não fosse o fato de que, coçando o cotovelo, você é adorável demais
Assim, quaisquer que sejam as regras que deveríamos obedecer,
Nosso amor deve se estender além do tempo, pois o próprio tempo está em mora
Então essa visão dupla deve passar e passado e futuro unir-se
E onde nos mandaram nos curvar podemos estalar os dedos e rir
E agora, enquanto você observa, vou pegar esse mesmo lápis e escrever:
Não volta em centenas de milhares de anos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Déja Vu

It does not come round in hundreds of thousands of years,
It comes round in the split of a wink, you will be sitting exactly
Where you are now and scratching your elbow, the train
Will be passing exactly as now and saying It does not come round,
It does not come round, It does not come round, and compactly
The wheels will mark time on the rails and the bird in the air
Sit tight in its box and the same bean of coffee be ground
That is now in the mill and I know what you’re going to say
For all this has happened before, we both have been through the mill,
Through our Magnus Annus, and now could all but call it a day
Were it not that scratching your elbow you are too lovely by half
So that, whatever the rules we might be supposed to obey,
Our love must extend beyond time because time is itself in arrears
So this double vision must pass and past and future unite
And where we were told to kowtow we can snap our fingers and laugh
And now, as you watch, I will take this selfsame pencil and write:
It does not come round in hundreds of thousands of years.

Louis MacNeice – Uma catarata concebida como uma procissão de cadáveres

Cai o rio e por cima do peitoril caixões de funerais frios1
Tombam fundo e repousam na tumba selada da piscina,
E a água amarela limpa a campa e o calhau tampa o necrotério
E o rio-corcel salta e mergulha e borbulha em fúria e frenesi,
E os caixões se espalham, tambores se esbarram, águas escorrem.
E os corcéis-pantera erguem cascos e patas que puxam o caixão,
E os corpos cintilam na fluência fluvial, e da água seus queixos se inclinam
E sorvem o jato e lambem o trago e torcem as cabeças e grasnam,
Afogados e embriagados pela catarata que os arrasta e os enterra
E os soterra e os encerra e solfeja e zomba sobre seus ossos;
Os sons de órgãos que o vento desrepresa jamais penetrarão o fio da correnteza,
E tudo o que ouvirão será o cair dos cascos e o distante tilintar dos arreios,
O soar dos sinos nas cabeças dos cavalos e o riso do coveiro,
E o rumor que perderá seu vigor até se mesclar ao silêncio,
E então o minuto ouvido caindo, sem cessar de ser ouvido,
E depois o minuto seguinte e o minuto seguinte ao minuto seguinte.

Trad.: Nelson Santander

  1. Esse poema sinistro de MacNeice me lembrou o “Noturno Oprimido”, de Carlos Drummond de Andrade. Ambos os poemas exploram a força sombria e incontrolável da água como uma metáfora de morte e esquecimento. Em ambos, a água assume um papel ameaçador e inexorável, carregando consigo o peso de algo irreparável e macabro, com uma carga de sofrimento subjacente. No entanto, enquanto MacNeice enxerga a catarata como uma marcha fúnebre grandiosa e ritualística, Drummond descreve a água de maneira íntima, quase opressora, ligada ao espaço doméstico, onde ela simboliza uma presença sinistra e destrutiva que invade o cotidiano com uma “queixa feroz”. Assim, a água em Drummond torna-se um lamento daquilo que se aproxima e devasta, refletindo uma angústia mais introspectiva, enquanto em MacNeice, ela é a própria procissão da morte, carregada de força coletiva e inevitável. ↩︎

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A Cataract Conceived as the March of Corpses

The river falls and over the walls the coffins of cold funerals
Slide deep and sleep there in the close tomb of the pool,
And yellow waters lave the grave and pebbles pave its mortuary
And the river horses vault and plunge with their assault and battery,
And helter-skelter the coffins come and the drums beat and the waters flow.
And the panther horses lift their hooves and paw and shift and draw the bier,
The corpses blink in the rush of the river, and out of the water their chins they tip
And quaff the gush and lip the draught and crook their heads and crow,
Drowned and drunk with the cataract that carries them and buries them
And silts them over and covers them and lilts and chuckles over their bones;
The organ-tones that the winds raise will never pierce the water ways,
So all they will hear is the fall of hooves and the distant shake of harness,
And the beat of the bells on the horses’ heads and the undertaker’s laughter,
And the murmur that will lose its strength and blur at length to quietness,
And afterwards the minute heard descending, never ending heard,
And then the minute after and the minute after the minute after.

Louis Macneice – E o amor pairou sobre a cama

E o amor pairou sobre a cama, tranqüilo como cristal.
e encheu os cantos do quarto enorme:
a explosão da manhã que a deixou dormindo, mostrando
as flores refletidas na mesa de mogno.

Ó meu amor, se eu pudesse unicamente
prolongar esta hora de calma depois da paixão,
não racionar a felicidade mas conservar para sempre esta porta
fechada para o mundo e seu próprio mundo fechado por ela.

Mas as ondas da manhã importunam com o minuto efervescente,
os nomes dos livros fazem-se claros em suas prateleiras,
a razão escava a serviço do dever e tu acordarás
com um sobressalto e continuarás vivendo por tua própria conta.

O primeiro trem passa e as janelas gemem,
vozes se jactarão e tua voz se tornará
um tambor em harmonia com as deles: por toda esta noite, contudo,
como seiva a trabalhar através de uma árvore faminta,
ela afirmou nossa identidade de uma noite.

Trad.: Péricles Eugênio da Silva Ramos

And love hung still

And love hung still as crystal over the bed
And filled the corners of the enormous room;
The boom of dawn that left her sleeping, showing
The flowers mirrored in the mahogany table.

O my love, if only I were able
To protract this hour of quiet after passion.
Not ration happiness but keep this door for ever
Closed on the world, its own world closed within

But dawn’s waves trouble with the bubbling minut
The names of books come clear upon their shelves
The reason delves for duty and you will wake
With a start and go on living on your own.

The first train passes and the windows groan,
Voices will hector and your voice become
A drum in tune with theirs, which all last night
Like sap that fingered through a hungry tree
Asserted our one night’s identity.

Louis Macneice – O observador de estrelas

Quarenta e dois anos atrás (para mim, se não para mais ninguém,
O número é de algum interesse), fazia uma noite brilhante e estrelada
E o expresso para o ocidente, sem cabines, ia vazio,
De modo que, saltando de um lado para outro, eu podia capturar a insólita visão
Daquelas fendas quase intoleravelmente
Brilhantes, cravadas no céu, que me fascinavam, em parte por causa
De seus nomes latinos, e em parte porque lera nos livros didáticos
O quão distantes elas estavam — parece que sua luz
As deixara (algumas ao menos) muito tempo antes de mim.

E a esta lembrança agora eu acrescento que a
Luz que deixou algumas delas naquela noite,
Quarenta e dois anos atrás, nunca chegará
A tempo para que eu a veja — e quando enfim
Aqui chegar, talvez não encontre
Mais ninguém vivo
Correndo de um lado para o outro em um trem noturno
Admirando-a e multiplicando zeros em vão.

Trad.: Nelson Santander

Star-Gazer

Forty-two years ago (to me if to no one else
The number is of some interest) it was a brilliant starry night
And the westward train was empty and had no corridors
So darting from side to side I could catch the unwonted sight
Of those almost intolerably bright
Holes, punched in the sky, which excited me partly because
Of their Latin names and partly because I had read in the textbooks
How very far off they were, it seemed their light
Had left them (some at least) long years before I was.

And this remembering now I mark that what
Light was leaving some of them at least then,
Forty-two years ago, will never arrive
In time for me to catch it, which light when
It does get here may find that there is not
Anyone left alive
To run from side to side in a late night train
Admiring it and adding noughts in vain.

Louis MacNeice – A luz do sol no jardim

A luz do sol no jardim
Endurece e esmorece,
Não podemos enjaular o minuto
Em suas malhas de ouro;
Quando tudo é proclamado
Não podemos implorar por perdão.

Nossa liberdade, como soldados a soldo,
Avança em direção ao seu fim;
A mundo compele, nele
Baixam sonetos e pássaros;
E em breve, meu amigo,
Não teremos tempo para danças.

O céu estava bom para voar,
Desafiar os sinos da igreja
E todas as sereias malignas
De ferro e o que elas dizem:
A terra compele,
Estamos morrendo, Egito, morrendo

E sem esperar por perdão,
Outra vez endurecidos de coração,
Mas felizes por termos estado debaixo de
Chuvas e trovoadas com você,
E gratos também
Pela luz do sol no jardim.

Trad.: Nelson Santander

The sunlight on the garden

The sunlight on the garden
Hardens and grows cold,
We cannot cage the minute
Within its nets of gold;
When all is told
We cannot beg for pardon.

Our freedom as free lances
Advances towards its end;
The earth compels, upon it
Sonnets and birds descend;
And soon, my friend,
We shall have no time for dances.

The sky was good for flying
Defying the church bells
And every evil iron
Siren and what it tells:
The earth compels,
We are dying, Egypt, dying

And not expecting pardon,
Hardened in heart anew,
But glad to have sat under
Thunder and rain with you,
And grateful too
For sunlight on the garden.