Clarice Lispector – Acredito…

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Do Remorso Pela Traição

Não existe sentimento de culpa quando o assunto é traição amorosa. Se vemos alguém se lamentando, arrependido da traição descoberta, isso não é remorso, mas auto-piedade pela súbita constatação de que seus atos trar-lhe-ão consequências indesejáveis. Não se espere daquele que há meia hora delirava nos braços de um amante que experimente algo além de autocomiseração por ter sido desmascarado. O sofrimento do traído, para o traidor, é mero detalhe e não rivaliza com o medo que ele sente da punição pelo erro cometido. O único tipo de consideração pela vítima que eventualmente pode emergir em tal situação é o abominável sentimento de pena – que por sua vez não consola, mas humilha e revolta.

Marco Aurélio – Reflexões, 14

Ainda que os anos de tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te de que ninguém perde outra vida senão a que vive agora, nem vive outra senão a que perde. O prazo mais longo e o mais breve são, portanto, iguais. O presente é de todos; morrer  é perder o presente, que é um lapso brevíssimo. Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem tirar o que não tem. Lembra-te de que todas as coisas giram e voltam a girar pelas mesmas órbitas e que para o espectador é indiferente vê-las um século ou dois ou infinitamente.

O Segredo dos seus Olhos – Mil Passados

“Não pense mais nisso! Não pense mais. O que importa? Não fique mais imaginando, não fique pensando no que aconteceu, no que não aconteceu. No que poderia ter acontecido. Senão você terá mil passados e nenhum futuro…”

Ricardo Morales para Benjamin Espósito, em “O Segredo dos Seus Olhos”

Paul Auster – A Invenção da Solidão (excerto)

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Giacomo Leopardi – Opúsculos Morais (excerto)

“Cada parte do universo apressa-se, infatigavelmente, para a morte com solicitude e celeridade admiráveis. Apenas o próprio planeta parece imune à decadência e ao declínio. Contudo, se no outono e no inverno mostra-se quase enfermo e velho, não menos, na nova estação, rejuvenesce sempre. Mas como os mortais no primeiro momento de cada dia readquirem uma parte da juventude, assim envelhecem todos os dias e finalmente se extinguem; igualmente o universo no princípio de cada ano renasce e nem por isso deixa de continuamente envelhecer. Tempo virá em que ele e a própria natureza se apagarão. Assim como de grandes reinos e impérios humanos com seus movimentos maravilhosos, famosíssimos em outros tempos, nada resta hoje, de indícios ou fama; o mesmo, do mundo inteiro, dos acontecimentos infinitos e das calamidades das coisas criadas, não restará um vestígio sequer. Apenas um silêncio nu e uma altíssima quietude encherão o espaço. Assim esse arcano admirável e espantoso da existência universal, antes de ser declarado ou compreendido, se extinguirá e perderá”.

Arthur Schopenhauer – Bolhas de Sabão (excerto)

O homem só vive no presente, que se converte no passado, e afunda-se na morte. Exceto as consequências que podem influir no presente, e que são filhas de sua vontade, ou de seus atos, a sua vida passada já não existe. Devia portanto ser-lhe indiferente que esse passado fosse de prazeres ou tristezas. O presente foge-lhes das mãos, transformando-se no passado. O futuro é incerto. Fisicamente, o andar não é mais do que uma queda evitada a cada instante; da mesma maneira a existência é a morte suspensa, adiada, e a atividade de nosso espírito não é mais que uma luta constante contra o tédio. É pois fatal que a morte alcance a vitória. Por haver nascido lhe pertencemos, e durante nossa vida não faz senão brincar com a presa antes de a devorar. E assim como quem faz bolhas de sabão, e apesar da segurança de que acabará por rebentar, se entretém em fazê-la aumentar de volume, assim seguimos o curso de nossa existência, prodigalizando-lhe cuidados e atenções.

Jorge Luis Borges – Outras Inquisições (excerto)

Negar a sucessão temporal, negar o Eu, negar o universo astronômico, são desesperos aparentes e consolos secretos. Nosso destino não é assustador por ser irreal; é assustador porque é irreversível e ferrenho. O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me devora, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo, infelizmente, é real; e eu, infelizmente, sou Borges.

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Edgar Allan Poe – Berenice

A DESGRAÇA É VARIADA. O infortúnio da terra é multiforme. Arqueando-se sobre o vasto horizonte como o arco-íris, suas cores são como as deste, variadas, distintas e, contudo, intimamente misturadas. Arqueando-se sobre o vasto horizonte como o arco-íris! Como de um exemplo de beleza, derivei eu uma imagem de desencanto? Da aliança da paz, uma semelhança de tristeza? É que, assim como na ética o mal é uma consequência do bem, da mesma forma, na realidade, da alegria nasce a tristeza. Ou a lembrança da felicidade passada é a angústia de hoje, ou as amarguras que existem agora têm sua origem nas alegrias que podiam ter existido.

Primeiro (e primoroso) parágrafo do conto Berenice, de Edgar Allan Poe.

Arthur Schopenhauer – A Vida é Dor

Quem deseja, sofre; quem vive, deseja; a vida é dor. Quanto mais elevado é o espírito do homem, mais sofre. A vida não é mais do que uma luta pela existência com a certeza de sermos vencidos. A vida é uma incessante e cruel caçada onde, às vezes como caçadores, outras como caça, disputamos em horrível carnificina os restos da presa. A vida é uma história da dor, que se resume assim: sem motivo queremos sofrer e lutar sempre, morrer logo, e assim consecutivamente durante séculos dos séculos, até que a Terra se desfaça.