Linda Pastan – Graça

Quando o jovem professor juntou
as mãos no jantar e falou com Deus
sobre a minha chegada em segurança
em meio à neve, agradecendo-Lhe também
pelo alimento que iríamos comer,
foi no tom de voz que eu costumo
usar para falar com meus amigos quando ligo
e sou atendida pela secretária eletrônica,
com a qual converso sobre isso e aquilo
usando um tom casual,
imaginando que eles estejam ouvindo
mas ocupados demais para atender o telefone,
ou cuidando de negócios
importantes em outro lugar.
No dia seguinte, voando para casa
através de um céu tempestuoso
e assustador, eu soube
que invejava sua conexão com Deus
e desejei que suas preces
mantivessem meu avião no ar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 17/08/2023

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Grace

When the young professor folded
his hands at dinner and spoke to God
about my safe arrival
through the snow, thanking Him also
for the food we were about to eat,
it was in the tone of voice I use
to speak to friends when I call
and get their answering machines,
chatting about this and that
in a casual voice,
picturing them listening
but too busy to pick up the phone,
or out taking care of important
business somewhere else.
The next day, flying home
through a windy
and overwhelming sky, I knew
I envied his rapport with God
and hoped his prayers
would keep my plane aloft.

T. E. Hulme – Outono

Um fio de frio na noite outonal —
Fui para o quintal
E vi a lua rubra inclinar-se sobre o folharal
Como um rancheiro de rosto rosado.
Não parei para falar, mas dei aval,
E ao redor estavam as tristes estrelas
Com pálidas faces como crianças da cidade.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 09/02/2020

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Autumn

A touch of cold in the Autumn night —
I walked abroad,
And saw the ruddy moon lean over a hedge
Like a red-faced farmer.
I did not stop to speak, but nodded,
And round about were the wistful stars
With white faces like town children.

Linda Pastan – O almanaque das coisas derradeiras

Do almanaque das coisas derradeiras
eu escolho o lírio-da-aranha-vermelha
pela graça de sua efêmera
floração, embora eu mesma
tema a brevidade,

mas escolho O Cântico dos Cânticos
por ter a polpa
daquelas romãs
sobrevivido a
toda geada do dogma.

Escolho janeiro, com suas frias
lições de paciência e desespero – e
agosto, muito ensolarado para lições.
Escolho um gole de vinho tinto
para fazer meu coração disparar,

depois outro para me ajudar
a dormir. Do almanaque
das coisas derradeiras eu escolho você,
como já fiz antes.
E escolho a noite

porque a luz que se agarra
à janela
é muito mais reflexiva
quando está pronta
para sair.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 22/07/2023

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The Almanac of Last Things

From the almanac of last things
I choose the spider lily
for the grace of its brief
blossom, though I myself
fear brevity,

but I choose The Song of Songs
because the flesh
of those pomegranates
has survived
all the frost of dogma.

I choose January with its chill
lessons of patience and despair–and
August, too sun-struck for lessons.
I choose a thimbleful of red wine
to make my heart race,

then another to help me
sleep. From the almanac
of last things I choose you,
as I have done before.
And I choose evening

because the light clinging
to the window
is at its most reflective
just as it is ready
to go out.

Linda Pastan – Os tordos

Só posso chamá-la de pós-
pós-moderna — esta música

deixada pelos tordos
enquanto voam para o sul

abandonando as árvores —
estes frondosos cancioneiros —

como enlouquecidas notas
individuais.

E os bosques ressoam
com os primeiros sons

do outono, dissonantes
e sombrios,

antes que uma única
folha se transforme.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 10/07/2023

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The Blackbirds

I can only call it post
post modern—this music

let loose by the blackbirds
as they swarm south

abandoning trees—
those leafy songbooks—

like individual notes
gone mad.

And the woods ring
with the first sounds

of autumn, raucous
and dark,

before a single
leaf has changed.

Linda Pastan – Por que seus poemas são tão sombrios?

Por que seus poemas são tão sombrios?

Não é a lua também sombria,
na maior parte do tempo?

E a página em branco
não parece inacabada

sem a mancha escura
das letras?

Quando Deus demandou a luz,
Ele não baniu a escuridão.

Em vez disso, Ele criou
o ébano e os corvos

e aquela pequena pinta
no lado esquerdo do seu rosto.

Ou você quis perguntar
“Por que você está triste com tanta frequência?”

Pergunte à lua.
Pergunte o que ela testemunhou.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/03/2023

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Why Are Your Poems so Dark?

Isn’t the moon dark too,
most of the time?

And doesn’t the white page
seem unfinished

without the dark stain
of alphabets?

When God demanded light,
he didn’t banish darkness.

Instead he invented
ebony and crows

and that small mole
on your left cheekbone.

Or did you mean to ask
“Why are you sad so often?”

Ask the moon.
Ask what it has witnessed.

Linda Pastan – A filha

Gostaria de ter tido outra chance
com o meu pai, desempenhado
um papel diferente
no drama da minha infância.

Questões sem respostas assombram,
mas questões nunca formuladas apodrecem.
Sua cidade se desenrola em preto e branco granulado:
o trotar do cavalo do leiteiro,

o fedor daquele cortiço, a fome.
Como foi para ele, uma criança, nadar
em uma nova e estranha língua, tentando não se afogar?
Isso produziu seus silêncios,

suas raivas? Mas o que produziu minhas lágrimas
atrás de portas fechadas, minhas malcriações,
minhas recusas? Eu vivia uma vida mais simples,
embora a vida para mim parecesse maçante, não simples.

Velhas mágoas se desenrolam
em sonhos acordados ou em vigília.
Hamlet tinha seu fantasma. Eu tenho apenas
um túmulo silencioso, longe demais para visitar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 01/02/2023

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The Daughter

I wish I had another chance
with my father, had played
a different role
in the drama of my childhood.

Questions unanswered haunt,
but questions never asked fester.
His city unreels in grainy black and white:
clop of a milkman’s horse,

that tenement reek, hunger.
What was it like for him, a child, swimming
in a strange new language, trying not to drown?
Did that produce his silences,

his angers? But what produced my tears
behind closed doors, my rudeness,
my refusals? I lived a simpler life,
though life to me seemed dull, not simple.

Old sorrows play out
in waking or sleeping dreams.
Hamlet had his ghost. I only have
a silent grave, too far away to visit.

Linda Pastan – Os cinco estágios do luto

Na noite em que te perdi
alguém me apontou o caminho
dos Cinco Estágios do Luto.
Vá por ali, disseram,
é fácil, como aprender a subir
escadas após a amputação.
E assim eu subi.
A Negação veio primeiro.
Sentei-me para o café da manhã,
preparando cuidadosamente a mesa
para dois. Passei-lhe a torrada –
você permaneceu sentado. Passei
o jornal – você se escondeu
atrás dele.
A Raiva parecia tão familiar.
Queimei a torrada, apanhei
o jornal e li as manchetes eu mesma.
Mas elas mencionavam sua partida,
então passei para a
Barganha. O que eu poderia trocar
por você? O silêncio
após a tempestade? Meus dedos digitando?
Antes que eu pudesse decidir, a Depressão
veio ofegante, uma parente pobre
com sua bagagem amarrada
com barbante. Dentro da mala
havia vendas para os olhos
e frascos de sono. Deslizei
escada abaixo sem
nada sentir.
E todo o tempo
a Esperança piscava intermitente
como um neon defeituoso.
A Esperança era um letreiro apontando
direto para o alto.
Esperança era o nome do meio do meu tio,
que morreu disso.
Passado um ano, ainda estou subindo, embora meus pés escorreguem
em seu rosto de pedra.
A linha das árvores
há muito desapareceu;
verde é uma cor
que esqueci.
Mas agora percebo para onde leva minha
escalada: Aceitação
escrita em letras maiúsculas,
uma manchete especial:
Aceitação,
seu nome está nas luzes.
Eu luto,
acenando e gritando.
Abaixo, toda minha vida se propaga como ondas,
por todas as paisagens que já conheci
ou sonhei. Abaixo,
um peixe pula: a pulsação
em seu pescoço.
Aceitação. Finalmente
a alcanço.
Mas algo está errado.
O luto é uma escada circular.
Eu te perdi.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 01/11/2022

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The Five Stage of Grief

The night I lost you
someone pointed me towards
the Five Stages of Grief
Go that way, they said,
it’s easy, like learning to climb
stairs after the amputation.
And so I climbed.
Denial was first.
I sat down at breakfast
carefully setting the table
for two. I passed you the toast—
you sat there. I passed
you the paper—you hid
behind it.
Anger seemed so familiar.
I burned the toast, snatched
the paper and read the headlines myself.
But they mentioned your departure,
and so I moved on to
Bargaining. What could I exchange
for you? The silence
after storms? My typing fingers?
Before I could decide, Depression
came puffing up, a poor relation
its suitcase tied together
with string. In the suitcase
were bandages for the eyes
and bottles sleep. I slid
all the way down the stairs
feeling nothing.
And all the time Hope
flashed on and off
in detective neon.
Hope was a signpost pointing
straight in the air.
Hope was my uncle’s middle name,
he died of it.
After a year I am still climbing, though my feet slip
on your stone face.
The treeline
has long since disappeared;
green is a color
I have forgotten.
But now I see what I am climbing
towards: Acceptance
written in capital letters,
a special headline:
Acceptance
its name is in lights.
I struggle on,
waving and shouting.
Below, my whole life spreads its surf,
all the landscapes I’ve ever known
or dreamed of. Below
a fish jumps: the pulse
in your neck.
Acceptance. I finally
reach it.
But something is wrong.
Grief is a circular staircse.
I have lost you.

Linda Pastan – O adeus de Dido

O adeus de Dido1

Incessante é a chuva
em minhas vidraças, e as velas se afogam
em sua própria cera.
Abandonados pela luz,
até os filamentos de estrelas
escurecem. Esta tarde
escorei com estacas
suas rosas encharcadas,
elas agora lembram jovens meninas
apoiadas em muletas.

Você deixou
um mapa parcial
de sua mão direita
em cada maçaneta,
e eu sigo de sala
em sala, nômade
em minha própria casa,
o coração batendo
no peito, exigindo
ser solto.

Trad.: Nelson Santander

  1. O título do poema faz referência ao mito de Dido (ou Elissa ou Alyssa), a primeira rainha de Cartago, e sua grande paixão por Eneias, filho de Afrodite e um dos grandes heróis de Troia. Segundo a Eneida, de Virgilio, Dido teria se suicidado ao ser abandonada por Enéas, por quem se apaixonara quando o grande comandante e herói troiano aportou em Cartago. Em uma das passagens mais belas de Dido and Aeneas, a ópera em três atos de Henry Purcell, o episódio do suicídio de Dido é narrado na ária Dido’s Lament, que pode ser conferida nesse vídeo, na comovente interpretação da soprano Anna Dennis. ↩︎

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 25/09/2022

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Dido’s Farewell

The rain is chronic
at my windows, and candles drown
in their own wax.
Abandoned by light,
even the filaments of stars
go black. This afternoon
I propped your drenched roses
up on sticks,
they look like young girls
on crutches now.

You left
a partial map
of your right hand
on every doorknob,
and I follow from room
to room, nomad
in my own house,
my own heart knocking
at my ribs, demanding
to be let out.

Linda Pastan – Chegamos ao silêncio

Chegamos ao silêncio lentamente. Tragados para o mundo
em uma onda de som
dele saímos mais tarde com as bocas fechadas,
nossas línguas tornadas pesadas
como pedras para nos ancorar
na terra. Agora ouvimos
o vento nas folhas farfalhantes,
um burburinho de água
sobre as pedras,
a batalha musical
dos pássaros.
Considere a orelha
em forma de clave de fá,
mas vazia.
Considere os espaços entre as estrelas,
solilóquios de luz.
É quase hora
de aquietar as crianças,
silenciar os cães.
Mesmo nossas palavras se tornam abafadas
em meu cabelo, logo
será apenas pelo toque
que o reconhecerei.
Estes são os corredores
do silêncio; entre
na ponta dos pés.
Aqui Orfeu repousa,
sua harpa desencordoada.
Aqui os sons que
uma folha produz
ao cair no chão
podem nos ensurdecer.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 06/08/2022

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We come to silence

We come to silence slowly. Washed into the world
on a wave of sound
we leave it later with closed mouths,
our tongues grown heavy
as stones to anchor us
in earth. Now we hear
wind in the noisy leaves,
a hubbub of water
over the rocks,
the musical warfare
of the birds.
Consider the ear
shaped like the bass clef
but empty.
Consider the spaces between stars,
soliloquies of light.
It is almost time
to hush the children,
to quiet the dogs.
Even our words grow muffled
in my hair, soon
it will be only touch
I know you by.
These are the corridors
of silence; enter
on tiptoe.
Here Orpheus sleeps,
his harp unstrung.
Here the sounds
a leaf makes
falling to ground
may deafen us.

Linda Pastan – Por trás do

        "Busco pelo que está por trás das palavras que são ditas..."
– William Stafford

Por trás do “Eu te amo”
reside um “adeus”.
Por trás do
“adeus”
mora um “foi maravilhoso
ali no gramado, encharcados
de tanto verde,
juntos”.
Palavras que esperam
são escuras como sombras
nos quartos dos fundos
dos espelhos:
quando você levanta
sua mão direita
em saudação,
elas levantam a esquerda
em despedida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 09/07/2022

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In back of

          "I'm looking for things back of remarks that are said..."
– William Stafford

In back of “I love you”
stands “goodbye.”
In back of
“goodbye”
stands “it was lovely
there in the grass, drenched
in so much green
together.”
Words that wait
are dark as shadows
in the back rooms
of mirrors:
when you raise
your right hand
in greeting,
they raise their left
in farewell.