Nelson Santander – Apresentando Linda Pastan

Em 30 de janeiro de 2023, falecia a poeta Linda Pastan, vencedora do Prêmio Dylan Thomas, entre outros, e ex-poeta laureada de Maryland (1991-1995). Ela tinha 90 anos e morreu devido a complicações após uma cirurgia para o tratamento de um câncer.

Autora de mais de 15 livros de poesia desde o início dos anos 70, Linda escrevia sobre temas aparentemente banais e comuns – família, maternidade, casa, natureza – além de de outros mais profundos, como perda, mortalidade, identidade e o impremeditado.

Sua poesia lírica é marcada por uma abordagem absolutamente original desses temas. Similar à poeta polonesa Wislawa Szymborska, os poemas de Pastan frequentemente revelam o extraordinário nos acontecimentos insuspeitos da vida cotidiana. Seu olhar aguçado se estende a tudo o que lhe desperta curiosidade – de um quadro ou uma escultura a um fato banal que, retrabalhado a partir de sua lente apurada, revela o que está por trás do óbvio, que quase todos parecem ignorar. Pastan explora a passagem do tempo e a inevitabilidade da perda, temas recorrentes em sua obra, sempre tratados com uma percepção única, onde o usual muitas vezes se mistura ao épico:

O último tio está partindo
em sua nau fúnebre (…)
após trancar
as portas atrás de si
para toda uma geração.

E veja: somos os mais velhos agora,
com nossos rotos retalhos
de história, solitários
na costa não mapeada
deste século novo e cru.

(“O último tio”)

O humor e a ironia também permeiam muitos de seus poemas, servindo como lentes que transformam experiências pessoais em universais. Tem método: ao criar um distanciamento sutil do eu lírico, ela permite que o leitor se reconheça nas nuances da vida, mesmo em temas mais sombrios.

Ao olhar judicioso que estende sobre os fatos da existência e as contradições humanas, Pastan acrescenta a madura ironia da observadora experimentada (e talvez por isso, descrente), mesclada com um humor admiravelmente inteligente. Como no poema Graça, por exemplo, em que ela parece se valer da velha máxima de que não existe ateu em avião caindo para alcançar o efeito cômico dos últimos versos, obtido a partir de um inusitado exercício de terceirização da fé pelo eu lírico:

Quando o jovem professor juntou
as mãos no jantar e falou com Deus
sobre a minha chegada em segurança
em meio à neve, agradecendo-Lhe também
pelo alimento que iríamos comer,
foi no tom de voz que eu costumo
usar para falar com meus amigos quando ligo
e sou atendida pela secretária eletrônica,
(…).
No dia seguinte, voando para casa
através de um céu tempestuoso
e assustador, eu soube
que invejava sua conexão com Deus
e desejei que suas preces
mantivessem meu avião no ar.

(“Graça”)

Os poemas de Pastan raramente resvalam para a melancolia. Seu tom é quase sempre menor, mas nunca desesperançoso. Mesmo quando um poema parece exalar uma certa angústia, ele nunca se coloca em um impasse, em um beco sem saída. Saídas há, é só prestar atenção ao que o mundo nos oferta:

Estou aprendendo a abandonar este mundo
antes que ele possa me abandonar.
(…)
Mas a manhã chega trazendo as pequenas
tréguas do café e o canto dos pássaros.
Uma árvore do lado de fora da janela,
que era apenas sombra momentos atrás
recolhe de volta seus galhos, ramo
por ramo frondoso.
E enquanto retomo meu corpo,
o sol pousa seu caloroso focinho em meu colo
como se quisesse se redimir.

(“Estou aprendendo a abandonar este mundo”)

Com sua lente singular, Pastan explora as complexidades da memória e da identidade, fazendo de sua poesia uma ode à beleza encontrada nas pequenas coisas da vida. Com uma sensibilidade aguçada, transforma momentos cotidianos em experiências poéticas intensas. Em seus versos, a morte é uma presença constante, mas é a vida, em toda sua fragilidade e beleza, que emerge vitoriosa:

Pode acontecer em um dia
de clima normal —
(…) Você pode estar alimentando o cachorro,
ou tomando uma xícara de chá,
e então: o telegrama;
ou o telefonema;
ou a dor aguda percorrendo
todo o comprimento do seu
braço esquerdo, ou do dele.
(…)
E enquanto você se deita na cama
como uma efígie de si mesmo,
é o ordinário
que vem salva-lo —
a xícara de chá de porcelana esperando
para ser lavada, o velhos cães
ganindo para sair.

(“O ordinário”)

Biografia

Linda Pastan, nascida Linda B Olenik em 27 de maio de 1932, no Bronx, Nova York, era filha de Jack e Bess Schwartz Olenick, ele cirurgião, ela, dona de casa. Com uma infância isolada devido à ocupação dos pais e à distância da escola, Pastan passou a ler constantemente e a escrever livros, histórias e poemas desde cedo. Aos 12 anos, começou a enviar trabalhos para a revista The New Yorker.

Seu pai desejava que ela fosse médica, o que a repugnava. No fim, não sem um tanto de rusgas e conflitos, ele acabou aceitando sua carreira literária. “Essa é a verdadeira ironia — o que me salvou foi ser uma menina. Ele finalmente disse: ‘Ah, bem, ela é apenas uma menina’. Se eu fosse um menino, seria médico. Não teria conseguido sair disso de jeito nenhum.”, afirmou Linda em uma entrevista. Pastan estudou no Radcliffe College e se formou em 1954, mas escreveu pouco durante a faculdade. “Harvard não dava ênfase ao trabalho dos alunos”, disse ela.

Nos anos 1950, sob pressão social para ser esposa e mãe perfeita, Pastan interrompeu sua escrita. “É difícil imaginar, se você não fazia parte daquela geração, a expectativa de que uma mulher se casasse imediatamente. Eu estava na faculdade, escrevendo uma tese, mas tinha de ir ao marketing, lavar a roupa e preparar o jantar. Meu marido estava na faculdade de medicina – ele não tinha um segundo para ajudar. Alguma coisa tinha de ser feita e a poesia foi sacrificada – eu simplesmente não tinha tempo.”

Em um dado momento, todavia, ela sentiu a necessidade de voltar a escrever. “Eu sabia que ser esposa e mãe não era o suficiente”, disse Pastan. “Acho que eu estava apenas entediada sem um desafio intelectual real. Bebês certamente eram gratificantes, mas não dessa forma”. Aos 32 anos, retomou a poesia e não parou mais.

Com um mestrado pela Brandeis University em 1957, Pastan lecionou na Bread Loaf Writers’ Conference por 20 anos, mas evitou empregos regulares de ensino para preservar sua energia criativa. Ela foi poeta laureada de Maryland de 1991 a 1995.

Pastan e a Crítica

Desde seu primeiro trabalho, A Perfect Circle of Sun, Linda Pastan se consolidou como uma voz marcante na poesia contemporânea. Sua escrita, marcada por uma elegância discreta e uma profunda sensibilidade, influenciou gerações de poetas, que encontraram em seus versos um convite à reflexão sobre a condição humana.

Quando do lançamento do primeiro livro, Thomas Lask, no The New York Times, observou: “Os poemas individuais em A Perfect Circle of Sun se encaixam tão bem no trabalho total e se complementam com tanto sucesso que é fácil acreditar que Linda Pastan concebeu um livro em vez de poemas individuais. Seus versos são curtos, claros e bem cortados no final. Não há fios soltos e a marcenaria não é visível”.

Quase 20 anos depois, ao resenhar outra obra de Pastan – The Imperfect Paradise – para o The New York Times, Bruce Bennett escreveu: “O domínio infalível de Pastan sobre seu ofício mantém a escuridão firmemente sob controle”. Os elogios continuaram duas décadas depois, quando o Christian Science Monitor elogiou Traveling Light: “Ela mostra que a poesia pode ser significativa, satisfatória, adorável – e deixar as pessoas se sentindo completas”.

Não obstante as resenhas positivas, Pastan costumava reclamar que os críticos muitas vezes não conseguiam captar a profundidade de seus temas. Termos como “cotidiano”, “doméstico” e “simplicidade” frequentemente aparecem nas resenhas, sugerindo uma superficialidade que ela contestava: “Realmente sinto que os críticos me acusam de escrever apenas sobre coisas bonitas e domésticas – e isso me deixa louca.” (…) “Quando os homens escrevem sobre coisas domésticas, são elogiados aos quatro ventos – vejam que pessoa humana e maravilhosa. Mas quando as mulheres o fazem, elas são realmente rebaixadas. Meus poemas podem ter superfícies domésticas, mas não é disso que se trata, e realmente me chateia sentir que não sou levada tão a sério como seria se fosse um homem”.

Em uma entrevista dada ao The PBS NewsHour após ganhar o Prêmio Ruth Lilly, Pastan explicou: “Sempre escrevi sobre o que está ao meu redor, como o ambiente aqui na floresta, mas sempre há algo mudando. Quando meus filhos eram pequenos, havia muitas crianças pequenas correndo pelos poemas. Quando os amigos e a família começaram a envelhecer e morrer, há muito mais escuridão e morte neles. Mas acho que sempre me interessei pelos perigos que estão sob a superfície, mas que parecem ser da vida doméstica simples e comuns. Pode parecer uma superfície lisa, mas há tensões e perigos bem embaixo, e é isso que estou tentando entender”.

Em seus poemas, personagens inspirados em sua própria experiência, como pais, filhos e marido, são frequentes. Personagens arquetípicos também aparecem repetidamente, como Penélope (a paciente esposa de Odisseu), e Eva, inspirada pelos jardins ao redor da casa de Pastan em Potomac, Maryland. Outrossim, sua poesia frequentemente explora, como visto, as nuances e o significado da vida doméstica ao recontar suas transações diárias como mãe, esposa, filha e poeta à luz de histórias e mitos mais antigos (especialmente bíblicos e clássicos). Sua ironia característica emerge da contraposição entre a banalidade do cotidiano familiar e as grandes narrativas que dominam a cultura, revelando uma crítica sutil às expectativas e aos valores sociais.

Conclusão

A poesia de Linda Pastan é um convite à reflexão sobre a complexidade da experiência humana. Com uma maestria singular, a poeta entrelaça o cotidiano e o transcendental, revelando a beleza que se esconde nas sombras da experiência humana. Seus versos, marcados por uma profunda sensibilidade e uma visão singular do mundo, oferecem ao leitor uma experiência estética única e enriquecedora.

A coletânea

Depois de traduzir vários dos poemas de Pastan para o blog ao longo dos anos, reconhecendo sua beleza e excelência, senti a necessidade de me aprofundar em sua obra. Pra isso, realizei um tour por todas as suas coletâneas – fixando-me especialmente nos poemas selecionados de PM/AM: New and Selected Poems. New York: Norton, 1982, e Carnival Evening: New and Selected Poems 1968–1998. New York: Norton, 1998, sem descuidar dos poemas mais recentes, publicados em The Last Uncle: Poems. New York: Norton, 2002, Queen of a Rainy Country: Poems. New York: Norton, 2006, Traveling Light. New York: Norton, 2011, Insomnia. New York: Norton, 2015 e A Dog Runs Through It. New York: Norton, 2018, seu último trabalho publicado. Ao longo dessa jornada, dediquei especial atenção aos poemas selecionados para esta coletânea, que considero representativos da sua poética madura e profunda.

Coletânea elaborada ao sabor das leituras, sem me preocupar muito com a ordem cronológica e dada a falta de tempo para pesquisar mais detidamente a cronologia das publicações, os poemas seguirão publicados no blog nessa (des)ordem. É certo, todavia, que os últimos a serem publicados se referem aos trabalhos mais recentes da poeta (de 2015 para cá). Serão 60 poemas, incluindo todos já publicados aqui no passado – a maioria em novas traduções.

Sobre a tradução, a suposta simplicidade formal dos poemas da autora, que em regra dispensam rimas, métricas e formas fixas, poderia sugerir que vertê-los para outra língua seria uma tarefa simples. Nada mais enganoso. Pastan não costuma encher seu trabalho com uma gramática rebuscada ou pseudointelectual; seus versos são ordinariamente curtos e seus poemas também. Porém, as palavras e expressões que usa em cada verso são precisamente aquelas que deveriam ser usadas. Uma vírgula a mais, seria muito. Um fonema a menos, insuficiente. As palavras, em toda sua riqueza de sons e significantes, são exatamente aquelas que devem estar ali, naquele exato ponto do texto poético. A tradução deve, o mais possível, observar essa característica (presente na poesia de todo grande poeta), e buscar, também em nossa língua, o vocábulo, a sintaxe, a lírica que melhor reflitam o sentido e o som do texto original. Espero que minha tradução tenha conseguido.

A partir de amanhã, e pelos próximas semanas, convido o leitor a se aventurar no mundo poético intimista e na lírica profunda e avassaladora de Linda Pastan. Estou certo de que essa jornada revelará a riqueza e a complexidade de sua poesia, deixando uma impressão duradoura em todos que se dispuserem a acompanhá-la. Não, você não vai se arrepender.

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