Wislawa Szymborska – Natureza-morta com um Balãozinho

Em vez da volta das lembranças
na hora de morrer
quero ter de volta
as coisas perdidas.

Pela porta, janela, malas,
sombrinhas, luvas, casaco,
para que eu possa dizer:
Para que tudo isso.

Alfinetes, este e aquele pente,
rosa de papel, barbante, faca,
para que eu possa dizer:
Nada disto me faz falta.

Esteja onde estiver, chave,
tente chegar a tempo,
para que eu possa dizer:
Ferrugem, minha cara, ferrugem.

Caia uma nuvem de atestados,
licenças, enquetes,
para que eu possa dizer:
Que lindo o sol se pondo.

Relógio, aflore do rio
e permita que te segure na mão,
para que eu possa dizer:
Você finge ser a hora.

Vai aparecer também um balãozinho
levado pelo vento,
para que eu possa dizer:
Aqui não há crianças.

Voe pela janela aberta,
voe para o vasto mundo,
que alguém grite: Ó!
para que eu possa chorar.

Trad.: Regina Przybycien

Wislawa Szymborska – Nada Duas Vezes

Nada acontece duas vezes
nem acontecerá. Eis nossa sina.
Nascemos sem prática
e morremos sem rotina.

Mesmo sendo os piores alunos
na escola deste mundão,
nunca vamos repetir
nenhum inverno nem verão.

Nem um dia se repete,
não há duas noites iguais,
dois beijos não são idênticos,
nem dois olhares tais quais.

Ontem quando alguém falou
o teu nome junto a mim
foi como se pela janela aberta
caísse uma rosa do jardim.

Hoje que estamos juntos,
o nosso caso não medra.
Rosa? Como é uma rosa?
É uma flor ou é uma pedra?

Por que você tem, má hora,
que trazer consigo a incerteza?
Você vem – mas vai passar.
Você passa – eis a beleza.

Sorridentes, abraçados
tentaremos viver sem mágoa,
mesmo sendo diferentes
como duas gotas d’água.

Trad.: Regina Przybycien

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Wislawa Szymborska – O primeiro amor

Dizem
que o primeiro amor é o mais importante.
Isso é muito romântico,
mas não é o meu caso.
Algo entre nós houve e não houve,
se deu e se perdeu.
Não me tremem as mãos
quando encontro as pequenas lembranças
e o maço de cartas atadas com barbante
se ao menos fosse uma fita.
Nosso único encontro depois de anos
foi um diálogo de duas cadeiras
junto a uma mesa fria.
Outros amores
ainda respiram profundamente em mim.
Este não tem alento para suspirar.
E no entanto tal como é
deslembrado,
nem sequer sonhado,
consegue o que os outros ainda não conseguem:
me acostuma com a morte.

DE “CHWILA” (INSTANTE), 2002
trad. REGINA PRZYBYCIEN