James Stephens – Deirdre

Mulher alguma leia este poema,
composto para homens; e depois para seus filhos
e os filhos dos seus filhos.

Já veio o tempo de abater-se o coração:
basta lembrarmos Deirdre* e sua história,
oh! que seus lábios já são poeira!

Outrora ela pisava a terra; os homens
seguravam-lhe a mão; fitavam-na e diziam
o que lhe tinham a dizer, e ela lhes respondia.

Mais de mil anos se passaram desde quando Deirdre
era formosa; e caminhava pela relva;
e olhava as nuvens.

Mil anos! Mil! A relva continua a mesma
e as nuvens são tão meigas como nos antigos tempos
em que vivia Deirdre;

jamais, porém, nasceu mulher
de formosura igual: nenhuma foi jamais
tão bela entre as mulheres.

Que se apartem os homens e ergam juntos seu lamento:
já nenhum homem pode amá-la,
nem ela pode atear paixões.

Ninguém pode inclinar-se diante dela nem dizer-lhe
– que poderia alguém dizer? Não há palavras
que alguém pudesse lhe dizer!

Deirdre agora é uma lenda que se conta
ao pé do fogo. E já ninguém conseguirá
ser amigo da mísera rainha.

Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos

* Deirdre é uma personagem importante da mitologia irlandesa. Segundo a lenda, ela era uma mulher de extrema beleza que foi prometida em casamento ao rei Conchobar. No entanto, Deirdre apaixonou-se por Naoise, um guerreiro que havia sido exilado da corte de Conchobar. Juntos, Deirdre e Naoise fugiram para a Escócia, onde viveram felizes por um tempo. Mas quando Conchobar descobriu o paradeiro do casal, ele os convenceu a retornar para a Irlanda com a promessa de que não seriam prejudicados. No entanto, Conchobar traiu sua promessa e mandou matar Naoise e seus irmãos. Deirdre, desesperada com a perda de seu amado, se matou. O mito de Deirdre é simbólico de muitos temas, incluindo amor, traição, destino e liberdade. A história de Deirdre é frequentemente associada à ideia da beleza trazendo a desgraça, bem como à ideia da mulher como vítima de uma sociedade patriarcal opressiva. A história também é vista como um conto trágico de amor e devoção, com Deirdre e Naoise sendo lembrados como um dos grandes casais da mitologia celta. O mito continua sendo uma inspiração para muitas obras de arte e literatura modernas, bem como um importante aspecto da cultura irlandesa e celta.

Deirdre

Do not let any woman read this verse;
It is for men, and after them their sons
And their son’s sons.

The time comes when our hearts sink utterly;
When we remember Deirdre and her tale,
And that her lips are dust.

Once she did tread the earth: men took her hand;
They looked into her eyes and said their say,
And she replied to them.

More than a thousand years it is since she
Was beautiful: she trod the waving grass;
She saw the clouds.

A thousand years! The grass is still the same,
The clouds as lovely as they were that time
When Deirdre was alive.

But there has never been a woman born
Who was so beautiful, not one so beautiful
Of all the women born.

Let all men go apart and mourn together;
No man can ever love her; not a man
Can ever be her lover.

No man can bend before her: no man say —
What could one say to her? There are no words
That one could say to her!

Now she is but a story that is told
Beside the fire! No man can ever be
The friend of that poor queen.

Louis Macneice – E o amor pairou sobre a cama

E o amor pairou sobre a cama, tranqüilo como cristal.
e encheu os cantos do quarto enorme:
a explosão da manhã que a deixou dormindo, mostrando
as flores refletidas na mesa de mogno.

Ó meu amor, se eu pudesse unicamente
prolongar esta hora de calma depois da paixão,
não racionar a felicidade mas conservar para sempre esta porta
fechada para o mundo e seu próprio mundo fechado por ela.

Mas as ondas da manhã importunam com o minuto efervescente,
os nomes dos livros fazem-se claros em suas prateleiras,
a razão escava a serviço do dever e tu acordarás
com um sobressalto e continuarás vivendo por tua própria conta.

O primeiro trem passa e as janelas gemem,
vozes se jactarão e tua voz se tornará
um tambor em harmonia com as deles: por toda esta noite, contudo,
como seiva a trabalhar através de uma árvore faminta,
ela afirmou nossa identidade de uma noite.

Trad.: Péricles Eugênio da Silva Ramos

And love hung still

And love hung still as crystal over the bed
And filled the corners of the enormous room;
The boom of dawn that left her sleeping, showing
The flowers mirrored in the mahogany table.

O my love, if only I were able
To protract this hour of quiet after passion.
Not ration happiness but keep this door for ever
Closed on the world, its own world closed within

But dawn’s waves trouble with the bubbling minut
The names of books come clear upon their shelves
The reason delves for duty and you will wake
With a start and go on living on your own.

The first train passes and the windows groan,
Voices will hector and your voice become
A drum in tune with theirs, which all last night
Like sap that fingered through a hungry tree
Asserted our one night’s identity.

Samuel Daniel – Soneto XXXVIII (de Delia)

Quando murchar a flor, a glória dessa imagem,
e tu sozinha, o rosto cheio de cuidado,
no espelho que não mente leres a mensagem
de que tua beleza já terá findado:
verás vivas as chagas que fizeste em mim,
e, extinta a chama tua, eu a guardar-lhe o ardor;
que, se antes de fanares eu te amei assim,
em teu declínio aumentará o meu fervor.
Em mim este milagre observará o mundo,
o fogo a arder depois de o lenho consumido;
então verás que o meu afeto foi profundo,
e talvez te arrependas de tão cruel ter sido.
Doer-te-á teres zombado deste pranto puro,
quando nevar o inverno em teu cabelo escuro.

Trad.: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Delia - XXXVIII

When men shall find thy flow’r, thy glory pass,
And thou with careful brow sitting alone,
Received had’st this message from thy glass,
That tells the truth, and says that all is gone;
Fresh shalt thou see in me the wounds thou mad’st;
Though spent thy flame, in me the heat remaining;
I that have lov’d thee thus before thou fad’st,
My faith shall wax, when thou art in thy waning.
The world shall find this miracle in me,
That fire can burn when all the matter’s spent;
Then what my faith hath been, thyself shall see;
And that thou wast unkind, thou may’st repent.
Thou may’st repent that thou hast scorn’d my tears,
When winter snows upon thy sable hairs.