Wislawa Szymborska – Metafísica

Foi-se, acabou-se.
Foi-se, então acabou-se.
Numa sequência sempre irreversível,
pois essa é a regra desse jogo perdido.
Conclusão banal, que já não vale escrever,
não fosse um fato incontestável,
um fato pelos séculos dos séculos,
por todo o cosmos, como é e será,
de que algo realmente foi,
até que se acabou,
menos isso
de você hoje ter comido arroz com feijão.

Trad.: Regina Przybycien

Metafizyka

Było, minęło.
Było, więc minęło.
W nieodwracalnej zawsze kolejności,
bo taka jest reguła tej przegranej gry.
Wniosek banalny, nie wart już pisania,
gdyby nie fakt bezsporny,
fakt na wieki wieków,
na cały kosmos, jaki jest i będzie,
że coś naprawdę było,
póki nie minęło,
nawet to,
że dziś jadłeś kluski ze skwarkami.

Álvaro de Campos – Lisbon Revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta – até essa vida…

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida…
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui…

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo – Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver…

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir…

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim –
Um bocado de ti e de mim!…

Jim Holt – Por que o Mundo Existe? (excerto)

Já se disse que a pergunta Por que existe algo e não apenas o nada? é tão profunda que só ocorreria a um metafísico, mas também é tão simples que só ocorreria a uma criança. Na época, eu não tinha idade para ser metafísico. Mas por que a pergunta não me ocorreu na infância? Revendo a questão, a resposta era óbvia. Minha curiosidade metafísica natural tinha sido sufocada pela educação religiosa. Desde a mais tenra infância me haviam dito – minha mãe e meu pai, as freiras que foram minhas professoras no ensino fundamental, os monges franciscanos do mosteiro na colina perto da qual morávamos – que Deus criara o mundo e que o criou a partir do nada. Por isso o mundo existia. Por isso eu existia. Mas ficava um pouco vago o motivo pelo qual Deus existia. Ao contrário do mundo finito que Ele criara, Deus era eterno. Também era todo-poderoso e dotado de toda perfeição em grau infinito. Assim, talvez Ele não precisasse de uma explicação para sua existência. Sendo onipotente, podia ter criado sozinho a própria existência. Era, para empregar uma expressão latina, causa sui.

Era essa história que me contavam na infância. Nela ainda acredita a grande maioria das pessoas. Para esses que creem, não existe um “mistério da existência”. Se lhes perguntarmos por que o universo existe, eles dirão que existe porque Deus o fez. E, se lhes perguntarmos por que Deus existe, a resposta dependerá do grau de sofisticação teológica do interlocutor. Ele poderá dizer que Deus é a causa de Si mesmo, que é o fundamento do próprio ser, que Sua existência está contida em Sua própria essência. Ou então poderá dizer que as pessoas que fazem tais perguntas heréticas queimarão no fogo dos infernos.