Mark Strand – Certa manhã

Carrego comigo todos os dias aquela manhã em que peguei
o barco do meu tio na enseada de águas escuras
e rumei para a Ilha Mosher.
Pequenas ondas açoitavam o casco
e o rangido oco do remo e da forqueta
se erguia até os bosques de escuros pinheiros incrustrados de líquen.
Eu me movia como uma estrela escura, à deriva sobre a metade
submersa do mundo, até que, seguindo um sinal distante,
olhei por cima da amurada e vi, abaixo da superfície,
um salão luminoso, um túmulo cheio de luz, vi pela primeira vez
o lugar claro e singular que nos é dado quando estamos sós.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A Morning

I have carried it with me each day: that morning I took
my uncle’s boat from the brown water cove
and headed for Mosher Island.
Small waves splashed against the hull
and the hollow creak of oarlock and oar
rose into the woods of black pine crusted with lichen.
I moved like a dark star, drifting over the drowned
other half of the world until, by a distant prompting,
I looked over the gunwale and saw beneath the surface
a luminous room, a light-filled grave, saw for the first time
the one clear place given to us when we are alone.

Mark Strand – Um fragmento da tempestade

Da sombra dos domos na cidade dos domos,
Um floco de neve, uma nevasca de um único floco, leve, adentrou seu quarto
E flutuou até braço da cadeira onde você, erguendo os olhos
Do livro que lia, o percebeu no instante em que pousou.
E isso foi tudo. Apenas um solene abrir de olhos
Para a brevidade, para o despertar e o declínio da atenção, num átimo,
Um tempo entre tempos, um funeral sem flores. Nada mais que isso,
Exceto a sensação de que este fragmento da tempestade,
Que se desfez diante de seus olhos, retornaria,
Que alguém daqui a alguns anos, sentado onde você está agora, poderia dizer:
“Está na hora. O ar está pronto. O céu está se abrindo.”

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

A Piece of the Storm

From the shadow of domes in the city of domes,
A snowflake, a blizzard of one, weightless, entered your room
And made its way to the arm of the chair where you, looking up
From your book, saw it the moment it landed.
That’s all there was to it. No more than a solemn waking
To brevity, to the lifting and falling away of attention, swiftly,
A time between times, a flowerless funeral. No more than that
Except for the feeling that this piece of the storm,
Which turned into nothing before your eyes, would come back,
That someone years hence, sitting as you are now, might say:
“It’s time. The air is ready. The sky has an opening.”

Mark Strand – A integridade das coisas

Num campo,
sou a ausência
do campo.
Isso
é sempre verdadeiro.
Onde quer que eu esteja,
sou o que falta.

Quando caminho,
divido o ar
e invariavelmente
o ar se movimenta
para preencher os espaços
onde meu corpo esteve.

Todos nós temos razões
para nos mover.
Eu me movo para
preservar a integridade das coisas.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Keeping Things Whole

In a field
I am the absence
of field.
This is
always the case.
Wherever I am
I am what is missing.

When I walk
I part the air
and always
the air moves in
to fill the spaces
where my body’s been.

We all have reasons
for moving.
I move
to keep things whole.

Mark Strand – A história

É a velha história: queixas sobre a lua
afundando no mar, sobre as estrelas desvanecendo na primeira luz,
sobre o gramado molhado de orvalho, o frio e prateado gramado.

E por aí vai: um homem olha para a própria sombra
e afirma serem as cinzas de si mesmo se desprendendo, diz que seus dias
são os verdadeiros buracos negros no espaço. Mas nada disso é verdade.

Você sabe a que me refiro: é sobre os minutos morrendo,
e as horas, e os anos; é a história que conto
sobre mim, sobre você, sobre todos.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The Story

It is the old story: complaints about the moon
sinking into the sea, about stars in the first light fading,
about the lawn wet with dew, the lawn silver, the lawn cold.

It goes on and on: a man stares at his shadow
and says it’s the ash of himself falling away, says his days
are the real black holes in space. But none of it’s true.

You know the one I mean: it’s the one about the minutes dying,
and the hours, and the years; it’s the story I tell
about myself, about you, about everyone.

Mark Strand – O guardião

O sol se pondo. Os gramados em chamas
O dia perdido, a luz que se apagou.
Por que amo o que desvanece?

Tu que partiste, que estavas partindo,
que quartos escuros habitas?
Guardião da minha morte,

preserva minha ausência. Eu estou vivo.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

The guardian

The sun setting. The lawns on fire.
The lost day, the lost light.
Why do I love what fades?

You who left, who were leaving,
what dark rooms do you inhabit?
Guardian of my death,

preserve my absence. I am alive.

Mark Strand – Meu nome

Certa noite, quando a relva estava verde-dourada
e as marmóreas árvores à luz do luar se erguiam como novos memoriais
no ar perfumado, e toda a paisagem pulsava
com o zumbido e o murmúrio dos insetos, eu me deitei na grama
sentindo a vastidão abrir-se acima de mim, e me perguntei
o que eu me tornaria – e onde encontraria a mim mesmo –
e, embora eu mal existisse, senti por um instante
que o vasto céu cravejado de estrelas era meu, e ouvi
meu nome como se fosse a primeira vez, ouvi-o como se
ouve o vento ou a chuva, mas débil e distante,
como se não me pertencesse, mas ao silêncio
de onde viera e para onde iria.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

My Name

One night when the lawn was a golden green
and the marbled moonlit trees rose like fresh memorials
in the scented air, and the whole countryside pulsed
with the chirr and murmur of insects, I lay in the grass
feeling the great distances open above me, and wondered
what I would become–and where I would find myself–
and though I barely existed, I felt for an instant
that the vast star-clustered sky was mine, and I heard
my name as if for the first time, heard it the way
one hears the wind or the rain, but faint and far off
as though it belonged not to me but to the silence
from which it had come and to which it would go.