Ian Hamilton – Os quarenta

“O eu que sobreviveu àqueles anos desprezíveis”,
Sua “virtude austera” incrivelmente preservada. Pois bem,
Terá se perguntado, isto é
O “é isso”?; esta Vida resumida
Que nunca pensei encontrar
E nunca procurei: que começa no meio
De tal modo que no fim
O dano perdura mais do que a reparação?

Aos quarenta e cinco
Agora sou o patriarca da casa e ao entardecer
Você me verá fazendo meu “passeio noturno”
Até o adormecido lago dos lírios:
Do fundo do nosso quintal, cento e onze jardas.
E uma vez lá, farei uma pausa, meio sóbrio, sem dor
E parecendo escutar; mas já não mais “ouvindo”.
E às minhas costas,
Oito janelas, uma varanda, o lote limpo
Para as suas (por que não?) “verduras orgânicas”,
A treliça que precisa ser consertada, que eu irei consertar.

Trad.: Nelson Santander

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The forties

“The self that has survived those trashy years”,
Its “austere virtue” magically intact. Well then,
He must have asked himself, is this
The “this is it”; that encapsulable Life
I never thought to find
And didn’t seek: beginning at the middle
So that in the end
The damage is outlived by the repair?

At forty-five
I’m father of the house now and at dusk
You’ll see me take my “evening stroll”
Down to the dozing lily pond:
From our rear deck, one hundred and eleven yards.
And there I’ll pause, half-sober, without pain
And seem to listen; but no longer “listen out”.
And at my back,
Eight windows, a veranda, the neat plot
For your (why not?) “organic greens”,
The trellis that needs fixing, that I’ll fix.

Ian Hamilton – Fantasmas

O caixão lustroso e suntuosamente adornado
Desliza como um novo navio para as profundezas em chamas.
Na terra firme,
A congregação se ajoelha em murmúrios.

Do meu banco no canto
Tenho uma visão livre e desimpedida
de sua partida.
Se você estivesse deitada de lado
Talvez pudesse captar seu olhar insuspeito.

No pátio, ao anoitecer,
Os tributos florais. Eu poderia jurar
Tê-la visto
Aspirando o aroma das coroas de flores
E contando as cabeças inclinadas dos enlutados por você.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 01/07/2019

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Ghosts

The scrubbed, magnificently decked coffin
Skates, like a new ship, into the fiery deep.
On dry land,
The congregation rustles to its knees.

From my corner pew
I command an unobstructed view
Of your departure.
If you had been lying on your side
I might have caught your unsuspecting eye.

Out on the patio, at dusk,
The floral tributes. I could almost swear
That it was you I saw
Sniffing the wreath-scented air
And counting the bowed heads of your bereaved.

Ian Hamilton – Vizinhos

Das janelas
Do decadente hotel do outro lado da rua
Misteriosos hóspedes noturnos emergem
Em suas varandas
Para aspirar o ar fresco da noite.

Nós os deixamos nos observar
Em nossas vidas pacatas.
Eles nos permitem imaginar
o que o destino lhes reservou.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 05/06/2019

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Neighbours

From the bay windows
Of the mouldering hotel across the road from us
Mysterious, one-night itinerants emerge
On to their balconies
To breathe the cool night air.

We let them stare
In at our quiet lives.
They let us wonder what’s become of them.

Ian Hamilton – Última Valsa

De onde estamos quase conseguimos identificar
Os rostos destas pessoas que não conhecemos:
Um semi-círculo sombreado
Ao redor do enorme aparelho de TV doado
Que domina nossa ala.

A ‘Última Valsa’ espalha-se sobre eles
Iluminando
Amistosos, exaustos sorrisos. E nós,
Como se nos importássemos, também sorrimos.

Para cada alma perdida, nesta hora tardia,
Um sedado espasmo de felicidade.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 19/05/2019

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Last Waltz

From where we sit, we can just about identify
The faces of these people we don’t know:
A shadowed semi-circle
Ranged around the huge, donated television set
That dominates the ward.

The ‘Last Waltz’ floods over them
Illuminating
Fond, exhausted smiles. And we,
As if we cared, are smiling too.

To each lost soul, at this late hour
A medicated pang of happiness.

Ian Hamilton – Lamento

Fiz o que pude. Meus garotos correm soltos agora.
Eles buscam oportunidades enquanto a mãe deles apodrece aqui.
E rua acima, o homem,
Meu único homem, que me tocou em todos os lugares,
Desmancha-se sob a terra.

Sou triste, obtusa, velha e alienada.
À noite, sinto minhas mãos vagando sobre mim,
Sondando meus seios, meus joelhos,
As dobras do meu ventre,
Vez ou outra pressionando e às vezes,
Em sua fome, dilacerando-me.
Vivo só.

Meus garotos correm, deixando a mãe deles como se fosse um calhau
Rolando no recreio depois que tocou o sinal.
Acumulo poeira e quase desejo a sepultura.
Ter bichinhos habitando em mim já seria algo.
Mas aqui, aos oito novamente, observo os brotos desabrochando
Além deste quintal.
Eu sei como me comportar.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 07/05/2019

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Complaint

I’ve done what i could. My boys run wild now.
They seek their chances while their mother rots here.
And up the road, the man,
My one man, who touched me everywhere,
Falls to bits under the ground.

I am dumpy, obtuse, old and out of it.
At night, i can feel my hands prowl over me,
Lightly probing at my breasts, my knees,
The folds of my belly,
Now and then pressing and sometimes,
In their hunger, tearing me.
I live alone.

My boys run, leaving their mother as they would a stone
That rolls on in the playground after the bell has gone.
I gather dust and i could almost love the grave.
To have small beasts room in me would be something.
But here, at eight again, i watch the blossoms break
Beyond this gravel yard.
I know how to behave.

Ian Hamilton – Admissão

Os lábios rachados do porteiro noturno uniformizado
Murmuram horrivelmente contra o vidro embaçado
De nossa ambulância escura.
Nossa aflição
Inspira um único olhar marcial de desdém
E logo ele nos indica o caminho, para a “Pátria”.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 18/04/2019

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Admission

The chapped lips of the uniformed night-porter
Mumble horribly against the misted glass
Of our black ambulance.
Our plight
Inspires a single, soldierly, contemptuous stare
And then he waves us on, to Blighty.

Ian Hamilton – A Tempestade

Longe, uma tempestade irrompe. Ela avança em ondas até o nosso quarto.
Olhas para a luz, de modo que ela ilumina um lado
Do teu rosto, tua boca contraída, teu assustado olhar.
Voltas-te para mim e quando chamo, tu vens
E ajoelhas-te ao meu lado, desejando que eu tome
Tua cabeça entre minhas mãos, como se fosse
Uma delicada tigela que a tempestade pudesse quebrar.
Queres que eu me coloque entre ti e o brutal trovão.
Pousando em tuas carnes, minhas grandes mãos se agitam,
Pulsam em ti e então, perguntando-se como, apertam.
A tempestade me atravessa enquanto tua boca se abre.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 16/02/2019

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The Storm

Miles off, a storm breaks. It ripples to our room.
You look up into the light so it catches one side
Of your face, your tight mouth, your startled eye.
You turn to me and when I call you come
Over and kneel beside me, wanting me to take
Your head between my hands as if it were
A delicate bowl that the storm might break.
You want me to get between you and the brute thunder.
Settling on your flesh my great hands stir,
Pulse on you and then, wondering how to do it, grip.
The storm rolls through me as your mouth opens.

Ian Hamilton – Despertar

Sua cabeça, tão enferma, repousa junto à minha.
Tão sensível. Você não consegue lembrar
Por que está aqui, nem reconhece
Estas mãos prestativas.
Meu amor,
O mundo nos encurrala. Estamos perdendo terreno.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 02/02/2019

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Awakening

Your head, so sick, is leaning against mine,
So sensible. You can’t remember
Why you’re here, nor do you recognize
These helping hands.
My love,
The world encircles us. We’re losing ground.

Ian Hamilton – Pai à beira da morte

Seus dedos, tufos de pelos de cobertor
Presos sob as unhas, se estendem para tocar
As rosas ao lado da cama, despetalando com o calor.
Caem pétalas brancas.
           Presas em sua mão
Elas escurecem, empapadas em suor, depois enrolam,
Secam e caem.
           Hora após hora
Elas gotejam do ramo. Por fim
Ele está limpo e, quando você o toca, frio.
Você se inclina para observar os espinhos
Produzirem manchas brancas em sua pele
Que sangram quando seu punho se contrai.
“Minha mão está em flor”, você diz. “Meu sangue
Anima essas pétalas restantes. Eu vou viver.”

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 07/01/2019

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Ian Hamilton – Father, Dying

Your fingers, wisps of blanket hair
Caught in their nails, extend to touch
The bedside roses flaking in the heat.
           White petals fall.
Trapped on your hand
They darken, cling in sweat, then curl,
Dry out and drop away.
           Hour after hour
They trikle from the branch. At last
It’s clean and, when you touch it, cold.
You lean Forward to watch the thorns
Pluck on your skin white pools
That bleed as your fist tightens.
“My hand’s in flower,” you say. “My blood
Excites this petal dross. I’ll live.”

Ian Hamilton – Poema de Aniversário

Segura em tuas mãos,
Tua caneca de barbear da Exposição do Império.
Tu a guardas agora
Como escarradeira, suas pombas inchadas,
Seu 1938
Manchado pelas gotas de teu sangue.
Nesta noite,
Meio sufocado, canceroso,
Desenganado,
Mordes sua boca dourada de porcelana
E esperas por um ataque.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 15/11/2018

Ian Hamilton – Birthday Poem

Tight in your hands,
Your Empire Exhibition shaving mug.
You keep it now
As a spittoon, its bloated doves,
Its 1938
Stained by the droppings of your blood.
Tonight,
Half-suffocated, cancerous,
Deceived,
You bite against its gilded china mouth
And wait for an attack.