Adam Zagajewski – O velho pintor em uma caminhada

Em seus bolsos, petiscos para os cães da vizinhança
Agora ele mal enxerga
Quase não nota as árvores, as casas suburbanas
Ele conhece cada pedra deste lugar
Pintei tudo tentei pintar meus pensamentos
E capturei tão pouco
O mundo ainda cresce, cresce incessantemente
E no entanto há sempre menos dele

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão em inglês vertida do Polonês por Clare Cavanagh

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The Old Painter on a Walk

In his pockets treats for local dogs
He sees almost nothing now
He almost doesn’t notice trees suburban villas
He knows every stone here
I painted it all tried to paint my thoughts
And caught so little
The world still grows it grows relentlessly
And yet there is always less of it

Adam Zagajewski – Cidade submersa

Esta cidade deixará de existir, não haverá mais halos
nas manhãs de primavera, quando as colinas verdejantes
tremeluzem no meio e se elevam
como barreiras de dirigíveis —

e maio não cruzará suas ruas
com pássaros estridentes e promessas de verão.
Fim dos momentos de tirar o fôlego
e dos gélidos êxtases das águas da nascente.

Torres de igrejas repousam no fundo do oceano,
e vistas perfeitas de avenidas arborizadas
não atraem os olhares de ninguém.

E mesmo assim vivemos calma e
humildemente — com malas,
em salas de espera, nos aeroportos, trens,

e ainda, cega e obstinadamente, buscamos a imagem,
a forma final das coisas
entre inexplicáveis acessos
de mudo desespero —

como se vagamente nos lembrássemos
de algo que não pode ser recordado,
como se aquela cidade submersa nos acompanhasse,
sempre nos questionando,

e sempre insatisfeita com nossas respostas —
exigente e, à sua maneira, perfeita.

Trad.: Nelson Santander da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

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Submerged City

That city will be no more, no halos
of spring mornings when green hills
tremble in the midst and rise
like barrage balloons—

and May won’t cross its streets
with shrieking birds and summer’s promises.
No breathless spells,
no chilly ecstasies of spring water.

Church towers rest on the ocean’s floor,
and flawless views of leafy avenues
fix no one’s eyes.

And still we live on calmly,
humbly—from suitcases,
in waiting rooms, on airplanes, trains,

and still, stubbornly, blindly, we seek the image,
the final form of things
between inexplicable fits
of mute despair—

as if vaguely remembering
something that cannot be recalled,
as if that submerged city were traveling with us,
always asking questions,

and always unhappy with our answers—
exacting, and perfect in its way.

Adam Zagajewski – Improviso

Você deve carregar todo o peso do mundo
e torná-lo mais suportável.
Jogue-o como uma mochila
sobre seus ombros e siga em frente.
O melhor momento é à tardinha, na primavera, quando
as árvores respiram suavemente e a noite promete
ser boa, os ramos dos olmos estalando no jardim.
Todo o peso? Sangue e feiura? Impossível.
Um traço de amargura permanecerá em seus lábios,
assim como o desespero contagiante daquela velha
que você viu no bonde.
Por que mentir? Afinal, o êxtase
existe apenas na imaginação e depressa se dissipa.
Improviso – sempre apenas improviso,
grande ou pequeno, é tudo o que sabemos,
na música, como um trompete de jazz chora alegremente,
ou quando você encara a página em branco
ou tenta ludibriar
a tristeza abrindo seu livro de poemas favorito;
é nesse momento que o o telefone geralmente toca,
alguém perguntando se você gostaria de experimentar
o modelo mais recente. Não, obrigado.
Prefiro as marcas consagradas.
Cinza e monotonia permanecem; tristeza
que a melhor elegia não pode curar.
Mas talvez haja coisas ocultas de nós,
onde tristeza e entusiasmo se amalgamam
constantemente, no dia a dia, como o amanhecer
à beira-mar, não, espere,
como o riso daqueles coroinhas
em vestes brancas, na esquina da St. John com a Mark,
lembra?

Trad.: Nelson Santander a partir da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

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Improvisation

You must take up the world’s whole weight
and make it easier to bear.
Toss it like a knapsack
on your shoulders and set out.
The best time is evening, in spring, when
trees breathe calmly and the night promises
to be fine, elm twigs crackle in the garden.
The whole weight? Blood and ugliness? Can’t be done.
A trace of bitterness will linger on your lips,
and the contagious despair of the old woman
you spotted in the tram.
Why lie? After all rapture
exists only in imagination and leaves quickly.
Improvisation – always just improvisation,
great or small, that’s all we know,
in music, as a jazz trumpet weeps happily
or when you stare at the blank page
or try to outwit
sorrow by opening a favorite book of poems;
just then the phone usually rings,
someone asking, would you like to try
the latest model? No thank you.
I prefer the proven brands.
Grayness and monotony remain; grief
the finest elegy can’t heal.
But perhaps there are things hidden from us,
in which sorrow and enthusiasm mix
non-stop, on a daily basis, like the dawn’s birth
above the seashore, no, wait,
like the laughter of those little altar boys
in white vestments, on the corner of St. John and Mark,
remember?

Adam Zagajewski – Véspera de Ano Novo, 2004

Estás em casa ouvindo
gravações de Billie Holiday,
que canta sonolenta e melancolicamente.
Contas as horas que ainda
faltam para a meia-noite.
Por que os mortos cantam em paz
enquanto os vivos não conseguem se libertar do medo?

Trad.: Nelson Santander, a partir da versão do poema em inglês traduzido por Clare Cavanagh

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New Year’s Eve, 2004

You’re at home listening
to recordings of Billie Holiday,
who sings on, melancholy, drowsy.
You count the hours still
keeping you from midnight.
Why do the dead sing peacefully
while the living can’t free themselves from fear?