César Cantoni – Uma Arte Invisível

O poeta caminha
nu pelas ruas,
mas ninguém o vê.

O poeta vai ao cinema,
desvia de putas,
anda de ônibus,
sempre nu,
mas as pessoas
olham para outro lado.

O poeta não tem meios
de chamar a atenção
porque a poesia
é uma arte invisível.

A poesia se escreve
sem palavras.

Trad.: Nelson Santander

 

César Cantoni – Un arte invisible

El poeta camina
desnudo por la calle,
pero la gente no lo ve.

El poeta va al cine,
sale de putas,
viaja en colectivo,
siempre desnudo,
pero la gente
mira para otro lado.

El poeta no tiene modo
de llamar la atención,
porque la poesía
es un arte invisible.

La poesía se escribe
sin palabras.

Elizabeth Bishop – A Arte de Perder

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Trad.: Paulo Henriques Britto

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One Art

The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Thomas Mann – Morte em Veneza (excerto)

“(…) Gustav von Aschenbach era de estatura um pouco abaixo da média, moreno, rosto inteiramente barbeado. A cabeça parecia um pouco grande demais em relação à sua figura quase franzina. O cabelo, penteado para trás, escasso no alto da cabeça, abundante e já bem grisalho nas têmporas, enquadrava uma testa alta, cheia de rugas que mais pareciam cicatrizes. O arco dos óculos de ouro, de lentes sem aro, se encaixava na base do nariz enérgico, de curvatura aristocrática. A boca era grande, ora relaxada, ora subitamente estreita e contraída; as faces, magras e sulcadas, o queixo benfeito, cindido de leve por uma covinha. Grandes golpes do destino pareciam ter-se abatido sobre essa cabeça quase sempre inclinada de lado, em atitude sofredora, e, no entanto, não fora uma vida difícil e agitada que esculpira aquele rosto, mas sim a arte. Por trás dessa fronte haviam brotado as réplicas fulminantes do diálogo entre Voltaire e o rei a respeito da guerra; esses olhos, que lançavam por trás dos óculos um olhar cansado e profundo, haviam visto o inferno sangrento dos hospitais militares da Guerra dos Sete Anos. Mesmo sob o prisma pessoal, a arte é uma vida elevada. Ela traz uma felicidade mais profunda e um desgaste mais acelerado. Grava no rosto de seu servidor os traços de aventuras imaginárias e espirituais, e com o tempo, mesmo no caso de uma vida exterior de uma placidez monástica, provoca uma perversão, um refinamento, um cansaço e uma excitação dos nervos, que mesmo uma vida cheia de paixões e prazeres desvairados dificilmente poderia produzir.”