Ted Kooser – Abutre

Eu não o teria notado, de tão minúsculo que ele estava,
a centenas de metros acima, diminuto como um cílio,
menor ainda, como a marca negra

que um lápis faz quando, como agora,
cai sobre os limpos ladrilhos azuis e brancos
do céu. Não deveria significar nada,

mas senti seu vulto frio passar, talvez
seis metros de largura, como a de um avião pulverizador,
voando baixo sobre as árvores, espalhando sombra,

desaparecendo e logo retornando, as asas
planando sem um som. Era aquele tipo de sombra
que não roça de leve as copas das árvores,

mas desce direto sobre elas, voando
em linha reta, transformando-se em
confetes de escuridão, tocando cada folha restante

por um instante e depois libertando-as,
remodelando-se na forma de uma sombra
que segue adiante. As árvores não se incomodaram com isso,

mas eu sim, um pouco. Embora fosse um dia claro,
parecia demais com aqueles vestígios
de morte que, como uma telha solta, se desprendem

do telhado do futuro e deslizam
sobre os meus olhos lá pelas duas
da manhã, passando pela luz verde

do relógio. Mas isso aconteceu de dia,
e eu semicerrei os olhos na direção da luz, aliviado
por haver um abutre ali para explicar aquilo.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Vulture

I wouldn’t have noticed it, so tiny it was,
hundreds of feet overhead, small as an eyelash,
smaller even than that, like the black mark

a pencil will make when, as in this instance,
it’s dropped on the clean blue and white tiles
of the sky. It should have been of no meaning,

but I felt its chill shadow pass over, maybe
twenty feet wide, like that of a crop duster,
passing low over the trees, spraying shade,

disappearing, then coming around again, wings
gliding soundless. It was that kind of a shadow
that doesn’t brush lightly over the treetops,

but drops right down into them, flying
straight through, transforming itself into
a confetti of darkness, touching every last leaf

for an instant and then setting them free,
re-forming itself in the shape of a shadow
gone on. The trees weren’t troubled by this but

I was, a little. Although it was bright day,
it felt all too much like one of those patches
of death that, like a loose shingle, work themselves

free from the roof of the future and come
sliding down over my eyes at around two
in the morning, dropping past the green light

from the clock. But this happened in day,
and I squinted up into the light, feeling relieved
that a vulture was there to explain it.

Ted Kooser – Pais

Meus falecidos pais tentam se manter fora do meu caminho.
Quando entro em um cômodo, eles já o deixaram,
foram procurar o que precisa ser feito
em outra parte da casa, meu pai com o aspirador,
minha mãe com pano de pó e o lustra-móveis. Às vezes,
ouço seus velhos chinelos tamborilando
pelo corredor, ou vejo por um breve instante
o que poderia ser a bainha da saia dela
ao passar por uma porta. Deixo todos os produtos de limpeza
onde são fáceis de encontrar, e eles parecem durar
para sempre. “Vocês não precisam partir!”, grito
pelos cômodos ecoantes, mas eles nunca
olham para trás. Eles deixam os pisos reluzindo
por onde passam, e se lembram de apagar as luzes.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Parents

My dead parents try to keep out of my way.
When I enter a room they have already left it,
gone off to find something that ought to be done
elsewhere in the house, my dad rolling the Hoover,
my mother with dust rag and Pledge. At times
I’ve heard their old slippers, pattering away
down the hall, or seen for only an instant
what might be the hem of her skirt as it swept
through a door. I leave all the cleaning supplies
where they’re easy to find, and they seem to last
forever. “You don’t need to go!” I call out
through the echoing rooms, but they’ve never
turned back. They leave the floors shining
behind them, and remember to turn off the lights.

Ted Kooser – Fazenda Abandonada

Ele era um homem grande, diz o tamanho
dos seus sapatos sobre uma pilha de pratos quebrados junto à casa;
um homem alto também, diz o comprimento da cama
no quarto do andar de cima; e um homem bom e temente a Deus,
diz a Bíblia com a contracapa arruinada
no chão abaixo da janela, empoeirada de sol;
mas não um fazendeiro, dizem os campos
cobertos por pedregulhos e o celeiro com goteiras.

Uma mulher vivia com ele, dizem as paredes do quarto
forradas com lilases e as prateleiras da cozinha
cobertas com oleado, e eles tinham uma criança,
diz a caixa de areia feita de pneu de trator.
O dinheiro era escasso, dizem os frascos de geleia de ameixa
e de tomates em conserva lacrados no buraco do porão.
E os invernos, gelados, dizem os trapos nos caixilhos das janelas.
Era solitário aqui, diz a estreita estrada rural.

Algo deu errado, diz a casa desabitada
no quintal sufocado por ervas daninhas. Pedras nos campos
dizem que ele não era um fazendeiro; os frascos ainda fechados
no porão dizem que ela partiu precipitadamente.
E a criança? Os brinquedos dela estão espalhados pelo quintal
como ramos depois de uma tempestade — uma vaca de borracha,
um trator enferrujado com um arado quebrado,
um boneco de macacão. Algo deu errado, eles dizem.

Trad.: Nelson Santander

Abandoned Farmhouse

He was a big man, says the size of his shoes
on a pile of broken dishes by the house;
a tall man too, says the length of the bed
in an upstairs room; and a good, God-fearing man,
says the Bible with a broken back
on the floor below the window, dusty with sun;
but not a man for farming, say the fields
cluttered with boulders and the leaky barn.

A woman lived with him, says the bedroom wall
papered with lilacs and the kitchen shelves
covered with oilcloth, and they had a child,
says the sandbox made from a tractor tire.
Money was scarce, say the jars of plum preserves
and canned tomatoes sealed in the cellar hole.
And the winters cold, say the rags in the window frames.
It was lonely here, says the narrow country road.

Something went wrong, says the empty house
in the weed-choked yard. Stones in the fields
say he was not a farmer; the still-sealed jars
in the cellar say she left in a nervous haste.
And the child? Its toys are strewn in the yard
like branches after a storm—a rubber cow,
a rusty tractor with a broken plow,
a doll in overalls. Something went wrong, they say.

Ted Kooser – Luz das estrelas

A noite toda, essa chuva suave do passado distante.
Não admira que às vezes eu desperte como uma criança.

Trad.: Nelson Santander

Starlight

All night, this soft rain from the distant past.
No wonder I sometimes waken as a child.

Ted Kooser – Voo noturno

Sobre nós, estrelas. Sob nós, constelações.
A cinco bilhões de milhas de distância, uma galáxia morre
como um floco de neve desfazendo-se na água. Abaixo de nós,
algum fazendeiro, sentindo o calafrio dessa morte distante,
acende suas luzes de quintal, deslocando seu celeiro e galpão
de volta para o pequeno sistema sob seus cuidados.
Por toda a noite, as cidades, como novas cintilantes,
atraem com ruas luminosas luzes isoladas como as dele.

Trad.: Nelson Santander

Flying at Night

Above us, stars. Beneath us, constellations.
Five billion miles away, a galaxy dies
like a snowflake falling on water. Below us,
some farmer, feeling the chill of that distant death,
snaps on his yard light, drawing his sheds and barn
back into the little system of his care.
All night, the cities, like shimmering novas,
tug with bright streets at lonely lights like his.

Ted Kooser – Depois de anos

Hoje, de longe, eu a vi
se afastando, e, sem nenhum som,
a fronte brilhante de um glaciar
deslizou para o mar. Um antigo carvalho
tombou na Cumberlands, mantendo apenas
um punhado de folhas, e uma idosa
espalhando milho para suas galinhas olhou para cima
por um instante. No outro lado
da galáxia, uma estrela trinta e cinco vezes
maior do que o nosso próprio sol explodiu
e desapareceu, deixando um pequeno ponto verde
na retina do astrônomo
que estava na grande abóboda aberta
do meu coração sem ninguém a quem contar.

Trad.: Nelson Santander

After Years

Today, from a distance, I saw you
walking away, and without a sound
the glittering face of a glacier
slid into the sea. An ancient oak
fell in the Cumberlands, holding only
a handful of leaves, and an old woman
scattering corn to her chickens looked up
for an instant. At the other side
of the galaxy, a star thirty-five times
the size of our own sun exploded
and vanished, leaving a small green spot
on the astronomer’s retina
as he stood on the great open dome
of my heart with no one to tell.