Raymond Antrobus – Duas armas no céu para Daniel Harris

Quando Daniel Harris saiu do carro1,
o policial estava à espera. Arma erguida.

Uso o pretérito, embora seja irrelevante
na língua de Daniel, que é a dos sinais.

Sinais não têm futuro nem pretérito; é língua do presente.
Nunca se está mais presente do que quando uma arma

é apontada para você. Que língua expressa isso
se não a dos sinais? Mas o policial viu mãos

acenando no ar, disparou e Daniel largou
as mãos, o peito sangrando no concreto

a metros de sua casa. Estou no Breukelen Coffee House,
em Nova Iorque, lendo essa notícia no celular,

quando uma policial negra entra, duas armas
na cintura, meu amigo ao meu lado lendo

a seção de comentários: Black Lives Matter2.
Agora, o que poderíamos sinalizar ou dizer em voz alta

quando a última palavra que aprendi em ASL3 foi vivo?
Vivo — ambos os polegares apontando para a parte inferior do abdômen,

os indicadores apontando para cima, como duas armas no céu.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: 1. Raymond Antrobus, britânico nascido em Londres, em 1986, é um poeta com de deficiência auditiva. A trágica história real por trás deste poema pode ser lida nesse link (em inglês);

2. O movimento Black Lives Matter (BLM), traduzido como “Vidas Negras Importam”, é um movimento de ativismo civil que ganhou destaque nos Estados Unidos e em todo o mundo a partir de 2013. Surgiu como resposta à violência policial e ao tratamento discriminatório enfrentado por comunidades afro-americanas e negras, denunciando a brutalidade policial e promovendo a igualdade racial e justiça social.

3. A American Sign Language (ASL), ou “Língua de Sinais Americana”, é uma língua visual-gestual utilizada pela comunidade surda nos Estados Unidos e em partes do Canadá. É uma linguagem completa e independente, com sua própria gramática e estrutura, e não é uma simples representação do inglês em sinais. A ASL é essencial para a comunicação das pessoas surdas e tem uma rica cultura e comunidade ligada a ela.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Two Guns in the Sky for Daniel Harris

When Daniel Harris stepped out of his car
the policeman was waiting. Gun raised.

I use the past tense though this is irrelevant
in Daniel’s language, which is sign.

Sign has no future or past; it is a present language.
You are never more present than when a gun

is pointed at you. What language says this
if not sign? But the police officer saw hands

waving in the air, fired and Daniel dropped
his hands, his chest bleeding out onto concrete

metres from his home. I am in Breukelen Coffee House
in New York, reading this news on my phone,

when a black policewoman walks in, two guns
on her hips, my friend next to me reading

the comments section: Black Lives Matter.
Now what could we sign or say out loud

when the last word I learned in ASL was alive?
Alive — both thumbs pointing at your lower abdominal,

index fingers pointing up like two guns in the sky.