Pattiann Rogers – Expressão Cósmica

Quase tudo o que conheço se regozija
em nascer — não apenas a orangetip do deserto1,
na flor entrelaçada ou na tansy2, sacudindo
de suas asas a umidade do parto, mas também a toutinegra
descoberta fazendo seu ninho, a cabeça inclinada para o céu,
e o gambá-do-mel, o gambá pigmeu,
polegares cegos e sem pelos de avançar,
pressionar e separar.

Quase tudo o que vi avança
para esse estado, como se não houvesse outro
destino conhecido — o estalo violento
e o lançamento da semente da vagem da hamamélis,
a filosofia implícita no impulso de dentro para fora
da semente do trevo-azedo3. Todas as pilosas
sementes de tamargueira são obstinadas
em se prender ao vento e girar
buscando a sorte para nascer na água.

E surpreendo-me bastante ao considerar
todas as incessantes pancadas e espancamentos,
os golpes na cabeça, o furor das asas,
e os estalos de bicos, lutando para se libertar
de cascas gelatinosas, couro,
cálcio ou conchas ásperas e córneas. Pernas
e ombros, joelhos e cotovelos agitam-se igualmente
contra as paredes de seus úteros por toda parte, em nichos
de florestas de pinheiros, barrancos de infiltração e pantanosas
pradarias, entre gramíneas da savana, em esteiras
tecidas e lençóis perfumados de linho.

Fanáticos frenéticos, todos, mesmo antes do
início eles são poeira escura e congelada
de puro frenesi para vir à luz.

Quase tudo o que conheço anseia por nascer,
a obsessão se funda explicitamente
nas harpas e escadas de ossos,
no coração pulsante, vasos e vozes
de todos aqueles que aceleram com ímpeto
inequívoco e absoluto em direção a esta honra indescritível.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.:

1. Trata-se de uma borboleta, a Desert Orangetip, também conhecida como Anthocharis cethura. Essa borboleta é uma espécie nativa do sudoeste dos Estados Unidos e norte do México. Possui uma aparência marcante, com asas brancas translúcidas e bordas alaranjadas, destacando-se contra os cenários desérticos.

2. O tansy (Tanacetum vulgare) é uma planta herbácea e perene da família das asteráceas, nativa da Europa e Ásia temperadas.

3. A azedinha (wood sorrel ou Oxalis) é uma erva daninha comestível selvagem com um sabor cítrico e brilhante.

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

Opus from Space

Almost everything I know is glad
to be born—not only the desert orangetip,
on the twist flower or tansy, shaking
birth moisture from its wings, but also the naked
warbler nesting, head wavering toward sky,
and the honey possum, the pygmy possum,
blind, hairless thimbles of forward,
press and part.

Almost everything I’ve seen pushes
toward the place of that state as if there were
no knowing any other—the violent crack
and seed-propelling shot of the witch hazel pod,
the philosophy implicit in the inside out
seed-thrust of the wood sorrel. All hairy
saltcedar seeds are single-minded
in their grasping of wind and spinning
for luck toward birth by water.

And I’m fairly shocked to consider
all the bludgeonings and batterings going on
continually, the head-rammings, wing-furors,
and beak-crackings, fighting for release
inside gelatinous shells, leather shells,
calcium shells or rough, horny shells. Legs
and shoulder, knees and elbows flail likewise
against their womb walls everywhere, in pine
forest niches, seepage banks and boggy
prairies, among savannah grasses, on woven
mats and perfumed linen sheets.

Mad zealots, every one, even before
beginning they are dark dust-congealings
of pure frenzy to come into light.

Almost everything I know rages to be born,
the obsession founding itself explicitly
in the coming bone harps and ladders,
the heart-thrusts, vessels and voices
of all those speeding with clear and total
fury toward this singular honor.

Pattiann Rogers – Perspectiva de alcance

Lá em cima, longe desta estrada,
Longe das partículas de geada
Que revestem a casca de cada gravanço,
E do rijo inseto arqueiro em seu avanço
Na escuridão da manhã, pata farpada por pata farpada,
Subindo pela haste do trillium,
Diretamente ao longo do céu sobre esta estrada agora,
As galáxias do aglomerado de Cygnus A
Estão colidindo umas com as outras em um enxame maciço
De catástrofes interpenetrantes e explosivas.
Eu tento me lembrar disso.

E mesmo no fingimento violeta e dourado
Da noite, eu me esforço em recordar
Que levaria 40 mil anos cheios de ajuntamentos
e quedas de folhas, cheios de polpa rachando
E do duro enrugamento da semente, de ascensão
Das fibras das madeiras e de desintegração das florestas,
Deste lago desaparecendo completamente nos corpos
Lamacentos dos sapos e dos refúgios das lentilhas-d´água,
40 mil anos e a coisa mais veloz que possuímos
Para alcançar a estrela mais próxima de nós.

E quando você fala assim comigo
Eu tento me lembrar que as paredes de madeira e de cimento
Desta sala estão sendo varridas neste momento,
Molécula por molécula, por um vento lento e contínuo,
E que nada separa nossos corpos
Do vasto vazio em expansão, e sei que
Estamos sentados em nossas cadeiras
Dialogando no meio da escuridão do espaço.

E quando você olha para mim
Eu tento me lembrar que, neste momento,
Em algum lugar milhões de milhas na penumbra além
Do sol, o cometa de Biela, acelerando
Em suas rochas e gelos, está apenas começando a entrar
No arco mais amplo de sua elíptica curva.

Trad.: Nelson Santander

Achieving Perspective

Straight up away from this road
Away from the fitted particles of frost
Coating the hull of each chick pea,
And the stiff archer bug making its way
In the morning dark, toe hair by toe hair,
Up the stem of the trillium,
Straight up through the sky above this road right now,
The galaxies of the Cygnus A cluster
Are colliding with each other in a massive swarm
Of interpenetrating and exploding catastrophes.
I try to remember that.

And even in the gold and purple pretense
Of evening, I make myself remember
That it would take 40,000 years full of gathering
Into leaf and dropping, full of pulp splitting
And the hard wrinkling of seed, of the rising up
Of wood fibers and the disintegration of forests,
Of this lake disappearing completely in the bodies
Of toad slush and duckweed rock,
40,000 years and the fastest thing we own,
To reach the one star nearest to us.

And when you speak to me like this,
I try to remember that the wood and cement walls
Of this room are being swept away now,
Molecule by molecule, in a slow and steady wind,
And nothing at all separates our bodies
From the vast emptiness expanding, and I know
We are sitting in our chairs
Discoursing in the middle of the blackness of space.

And when you look at me
I try to recall that at this moment
Somewhere millions of miles beyond the dimness
Of the sun, the comet Biela, speeding
In its rocks and ices, is just beginning to enter
The widest arc of its elliptical turn.