Maya C. Popa – Tudo o que foi criado

As árvores estavam à beira de uma ressurreição tão repentina
que você não o perceberia de um dia para o outro,

ver-se-ia de repente dentro disso, o verde claro se abrindo
para revelar o que sempre suspeitamos ser verdade:

que cada coisa que brilha tem em seu âmago um ocultamento
que se oferece quando você está prestes a parar de procurar.

Em seu trigésimo ano, Juliana1 estava morrendo. Não há outro jeito
de descrever a sequência de eventos, a crescente lacuna

entre dois tipos de vida: a vivida e a
lembrada. E cristo veio até onde ela estava deitada,

febril e desamparada, sentou-se ao seu lado em vestes de veludo,
e abriu a palma para mostrar-lhe uma avelã

dizendo isso é tudo o que foi criado. Eu não saberia o que é a misericórdia
se não parecesse com isso, e a confundiria com amor,

embora ela também seja isso. Eu entendo
se você não está preparado para crer em milagres,

as horas passando de uma invisível mão para outra,
mas Juliana viveu até os setenta e três anos, no século quatorze.

Talvez a vida seja pouco mais do que a nossa própria cegueira diminuindo;
olhe, ele disse, continue olhando. Quão pequeno e redondo é o nosso sofrimento.

Trad.: Nelson Santander

  1. Juliana de Norwich (1342 – c. 1416) foi uma mística e anacoreta inglesa, amplamente reconhecida como uma das figuras mais importantes da literatura religiosa medieval. Autora de Revelations of Divine Love, a primeira obra escrita em inglês por uma mulher, Juliana era conhecida por suas visões espirituais, que experimentou durante uma grave enfermidade aos 30 anos de idade, acreditando estar à beira da morte. Uma de suas visões mais famosas é a de Cristo lhe mostrando uma pequena avelã na palma da mão, simbolizando o universo. Cristo teria dito a ela: “Isso é tudo o que foi criado”. A avelã representava a totalidade da criação, sustentada pelo amor divino, reforçando a ideia de que, apesar de sua pequenez e fragilidade, tudo o que existe é preservado pela misericórdia de Deus. Essa visão aparece no poema de Maya C. Popa como uma metáfora da percepção humana do mundo e da experiência do sofrimento. ↩︎

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

All That Is Made

The trees were on the verge of rebirth so sudden
you’d miss it from one day to the next,

would be suddenly alive in it, the pale green bending open
to reveal what we’d always suspected was the case:

that every bright thing has at its heart a hiddenness
it offers when you’ve just about stopped looking.

In her thirtieth year, Julian was dying. No other way
to describe the proceeding of events, the widening gap

between two kinds of life: the one lived and the one
remembered. And Christ came to where she lay

fevered and helpless, sat by her bedside in velvet robes,
and opened his palm to show her a hazelnut

saying this is all that is made. I wouldn’t know mercy
unless it looked like this, and I’d mistake it for love,

though that, too, is what it is. I understand
if you’re not prepared to believe in miracles,

the hours passed from one invisible hand to the next,
but Julian lived to seventy-three in the fourteenth century.

Maybe life’s little more than our own blindness easing;
look, he said, keep looking. How small and round our suffering.

Maya C. Popa – O que não foi dito

Com que frequência, dirigindo por aquelas estradas,
receávamos não bater em algo,
as cabras pelas quais passamos naquela manhã
pastoreadas àquela hora para que os chacais
não as matassem mais rapidamente,
a gema vermelha rompendo sobre os picos
enquanto corríamos contra a luz, descendo a montanha?

Apenas uma vez um javali irrompeu do bosque
como uma pergunta rapidamente retirada.
Depois ficamos sozinhos outra vez com tudo
o que não dissemos, os parques eólicos girando
suas grandes pás através do nada,
de um lugar longe demais para ser ouvido.

Trad.: Nelson Santander

What’s Unsaid

How often driving down those roads
we hoped we wouldn’t hit something,
the goats we’d passed that morning
herded by that hour so the jackals
wouldn’t make quick work of them,
red yolk rupturing over peaks
as we raced the light down the mountain.

Only once did a boar burst out of the woods
like a question just as soon retracted.
Then we were alone again with everything
we didn’t say, the wind farms winding
their great arms through nothing,
turning from a place too far to hear.

Maya C. Popa – Vida querida

Não posso desfazer tudo o que fiz a mim mesma,
o que permiti que um apetite por amor me fizesse.

Eu quis o mundo todo, suas maravilhas
e suas mazelas; alguns dias
acho que já houve castigo suficiente.

Com frequência, recebi mais do que pedi,

que é como isso funciona — você pesca em mar aberto
pronta para ser ferida pelo que fisgar.

Joga-lo de volta era um pesadelo.
Joga-lo de volta e ver minha própria face

enquanto ela desaparecia na água escura.

Fisgar de repente minha língua no metal,
cuspindo o anzol na palma da minha mão aberta.

Vida querida: hoje sinto esse anzol mais profundamente.

Você afrouxaria a linha? — você me ouvirá

caso eu lhe pergunte

se você é do tipo de vida que eu acho que é?

Trad.: Nelson Santander

Dear Life

I can’t undo all I have done unto myself,
what I have let an appetite for love do to me.

I have wanted all the world, its beauties
and its injuries; some days,
I think that is punishment enough.

Often, I received more than I’d asked,

which is how this works—you fish in open water
ready to be wounded on what you reel in.

Throwing it back was a nightmare.
Throwing it back and seeing my own face

as it disappeared into the dark water.

Catching my tongue suddenly on metal,
spitting the hook into my open palm.

Dear life: I feel that hook today most keenly.

Would you loosen the line—you’ll listen

if   I ask you,

if   you are the sort of  life I think you are.